"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel
SQUAREPUSHER - "Love Will Tear Us Apart"[Warp, 2002] [Original: Joy Division (1980)]
Já alguém cantou "Let's dance to Joy Division and celebrate the irony", certamente motivado pelas imagens de hordas de jovens ébrios a dançar efusivamente ao som da canção que serviu de epitáfio ao suicida Ian Curtis. Embora inspirada pelo dilema de um jovem em crise, dividido entre as obrigações conjugais e a excitação de uma amante, "Love Will Tear Us Apart" já chegou ao cúmulo de servir de banda sonora a ambientes festivos. Quanto ao estatuto de tema sagrado e intocável, à semelhança de tantos outros dos Joy Division, já nem os mais acérrimos seguidores da tendência "corta-pulsos" querem saber. Ao longo dos anos, a mais célebre canção da banda de Manchester já foi alvo de inúmeras versões, as mais conhecidas por Paul Young e pelos Swans (estes em dois diferentes registos). Em qualquer dos casos, e embora não seja defensor da tese de que há temas intocáveis, os resultados são sofríveis, o primeiro porque transforma "Love Will Tear Us Apart" numa xaropada que nada tem a ver com o seu conteúdo, e os últimos porque investem numa atmosfera de tiques "góticos" com a qual nem o Ian Curtis dos seus momentos mais down se identificaria.
Eventualmente, a única versão que conheço capaz de reproduzir a frieza intentada pelos Joy Division, embora disfarçada pelo espalhafato das guitarras, é a de Squarepusher, alter ego de Tom Jenkinson, nome ligado aos abstraccionismos electrónicos da Warp Records. Mesmo vinda de alguém que no seu extenso catálogo nos habituou ao imprevisível, esta interpretação de "Love Will Tear Us Apart" não deixa de surpreender por ser talvez o único tema com a chancela Squarepusher a aproximar-se do formato canção. É também um dos poucos em que podemos escutar a voz de Jenkinson, embora num registo sussurrado que, a espaços, se desvanece sob o rigor das texturas gélidas e minimalistas. Embora extremamente fiel ao original, extrai-lhe qualquer traço de exuberância, retendo apenas a frieza maquinal que já se vislumbrava nas entrelinhas. Curiosamente, o resultado não está muito distante de alguns exercícios idílicos levados a cabo por uns Flying Saucer Attack.
Podem não ter conhecido o sucesso comercial de alguns contemporâneos, mas os Hüsker Dü serão, eventualmente, a banda do underground americano de oitentas mais determinante para a definição de uma sonoridade que resultaria na "explosão alternativa" protagonizada por gente como os Pixies ou os Nirvana. Nascidos em berço hardcore, cedo foram evoluindo para formatos mais próximos da canção que não renega influências de mestres pop como os Beatles e os Byrds. Os seus discos, editados com uma frequência assinalável, viviam da dinâmica das diferentes sensibilidades dos seus dois vocalistas/compositores: Bob Mould e Grant Hart. Se o primeiro, também guitarrista, chamava a si maior protagonismo com os temas mais abrasivos, este último, que acumulava com as funções de baterista, era responsável pelas composições mais emotivas e próximas dos cânones pop. As tensões entre ambos, em parte dinamitadas pelas diferentes dietas de drogas, eram imensas, e haveriam de conduzir a um ponto de ruptura quando a pressão motivada pela mudança para uma multinacional e o suicídio do manager de sempre ditaram um fim talvez precoce, mas sem mácula. A agravar o cenário, o já de si algo débil estado emocional de Grant Hart foi abalado por um teste de HIV com resultados erradamente positivos.
Ao fim, com alguma acrimónia, seguiram-se as carreiras a solo, com cada um dos dois ex-camaradas a apressar-se com o álbum de estreia, em claro espírito competitivo. Curiosamente, num primeiro instante, levou a melhor Grant Hart, ele que normalmente era secunderizado na formação dos Hüsker Dü. A vitória ao primeiro round deve-se a Intolerance, um disco de forte cunho pessoal, como já era apanágio das suas composições, no qual toca a totalidade dos instrumentos. Embora outras questões mereçam reflexão, a condição de junkie é a principal fonte de inspiração, não com o excesso de dramatismo que reconhecemos noutros, mas com a resignação de quem vê tal condição como uma inevitabilidade. Para o aferir temos os explícitos "All Of My Senses", que abre o disco, e "The Main". São temas radicalmente diferentes, o primeiro com laivos de psicadelismo e com algum protagonismo do órgão, o segundo uma sea shanty entoada a plenos pulmões. Já em "Now That You Know Me", um tema de um romantismo ferido, é notória a afeição pelo trabalho de Bob Dylan, com a presença da harmónica e tudo. As ténues ligações ao passado nos Hüsker Dü sentem-se em "Fanfare In D Minor (Come Come)", mormente pela abrasão de uma guitarra elíptica. Toda a emotividade do começo do disco é superada por "Twenty-Five Forty-One", tema já anteriormente editado em regime acústico mas que não perde nervo quando sujeito a registo eléctrico. Como uma espécie de canção de dor-de-corno gay, podemos dizer que faz uso da história da mudança de casa como uma metáfora da mudança de vida implicada pelo fim dos Hüsker Dü, já que o título faz referência ao número da porta da sala de ensaios da banda. Escrita com alguns anos de antecedência, mas alegadamente rejeitada por Bob Mould, funciona então como um perfeito epitáfio. Sem surpresas, o antigo companheiro de aventuras musicais é o alvo de "You're The Victim", registo balada com significativa amargura. Maior solenidade é verificado em "She Can See The Angels Coming", lamento mortuário que tem um órgão e os pratos da bateria com único suporte instrumental. Apesar de "Intolerance" se caracterizar por ser um conjunto sólido de canções, não deixa de ter momentos em que Grant Hart corre alguns riscos experimentalistas. É algo que verificamos sobretudo em "Roller-Rink" e "Reprise", o par de instrumentais que acusam cedências ao psicadelismo.
Ganha a primeira batalha, pareciam estar lançadas as bases para que, nos anos vindouros, Grant Hart vencesse em protagonismo o seu antigo "chefe-de-fila". A história, contudo, conheceria um volte-face, não só porque Bob Mould se revigorou ao leme dos fulgurantes Sugar, mas sobretudo pelo percurso errático e pouco produtivo de Hart ao longo da década de noventas, essencialmente perturbado pelos velhos hábitos de consumo. A recuperação plena só aconteceria nos anos mais recentes, reflectida no recuperar de alguma visibilidade e da sucessão de edições a um ritmo mais aceitável. Foi até com alguma pompa que, há precisamente uma semana, foi lançado The Argument, disco inspirado em Paradise Lost, a longa obra poética de John Milton, e nas reminiscências da amizade mantida com William S. Burroughs. Álbum de uma complexidade comparável à da obra daqueles autores, é também de um brilhantismo merecedor de todos os encómios que tem suscitado.
Pelo ambiente circundante, em sintonia com a beleza delicada da música, dificilmente se supera a vivência daquele concerto de Julia Holter há pouco mais de um ano na igreja anglicana de Lisboa. A própria fez questão de o lembrar anteontem, referindo-se-lhe como o mais especial dos concertos da sua (ainda) curta carreira. Para nossa sorte, esta jovem californiana sabe como não profanar as nossas memórias mais gratas, investindo agora numa nova e superlativa abordagem aos temas, executados com tal primor que rapidamente os sentidos se alheam das condições precárias da exígua sala da ZdB em noite de Verão.
Agora com uma banda mais alargada, que integra um violinista, um violoncelista, um baterista, um saxofonista, e a própria nos teclados, Julia Holter, perdeu relativamente ao passado recente, como alguém me dizia, aquela frieza minimalista. Mas, em compensação, as suas canções ganham em humanidade, sublinhando a beleza intrínseca e a da voz da artista, e realçando os inúmeros detalhes das composições fruto de um enorme talento. As referências (Laurie Anderson, Robert Wyatt, David Sylvian, Kate Bush) são ainda visíveis, embora substancialmente mais depuradas numa roupagem que confere maior personalidade, à falta de melhor discrição, uma variante da dream-pop que assimila a música de câmara e o jazz. Provavelmente, será esta a linha condutora do iminente Loud City Song, terceiro álbum que merece especial destaque no alinhamento e que já está a elevá-la a outros patamares mesmo antes de ser editado. Embora desconhecedor destes temas novos, o público, em número considerável, mostra uma receptividade que é correspondida pela interacção de Julia Holter, mais interventiva no falatório do que se supunha. Esta empatia é premiada com o regresso para encore, sem qualquer queixa relativamente à sauna em que o "aquário" da ZdB entretanto se transformou. Terminado o idílio, ao fim de uma hora e pouco, o tal concerto da igreja era já uma memória distante.
Quando surgiram, há quase um meia dúzia de anos, os ingleses These New Puritans anunciavam-se como uma espécie de redenção pelo vandalismo às referências post-punk do passado recente, prática que dava algumas mostras de abrandamento. Sem ser um disco propriamente brilhante, o seu álbum de estreia era uma manta de retalhos de citações díspares, com especial incidência em The Fall, que demonstrava alguma coragem pelo risco e deixava muitas possibilidades em aberto. Dois anos volvidos, com Hidden (2010) confirmavam a desconfiança que tínhamos de serem uma banda imprevisível, com um disco resultante de um mundo globalizado assente no uso das percussões, de uma exuberância quase tribal.
De uma banda que não conhece a palavra estagnação poderíamos esperar quase tudo, mas talvez nada nos tivesse preparado para o assombro que é o novo Field Of Reeds. Com familiaridades com a música concreta, a neo-erudita, ou o jazz, este é disco que assinala um corte quase definitivo com o universo pop/rock, do qual restam tênues sinais na estrutura dos temas. Quase impenetrável num primeiro contacto, pela sua frieza minimalista, revela-se gradualmente, com uma riqueza de detalhes algo invulgar. Na especial atenção que é dada ao pormenor não há lugar para as guitarras, mas a sua ausência é colmatada por uma panóplia de recursos que inclui diferentes teclados, sopros avulsos, secções de cordas, e coros discretos. Claro está que este passo de gigante exigiu o envolvimento de muito mais gente para além do trio base dos These New Puritans. Nos participantes externos ganha especial destaque, ao ponto de ter honras em muitas das fotos promocionais da banda, a portuguesa Elisa Rodrigues, jovem cantora ligada à vastidão do universo jazz. É dela a voz que funciona como contraponto de estranheza em vários temas a Jack Barnett, este normalmente monocórdico, sem que isso signifique enfado. Arrojado e desafiante, pelo menos para ouvidos polidos, Field Of Reeds poderia estar próximo das mais recentes aventuras de Scott Walker, caso este tivesse já cortado o cordão umbilical que o liga ao passado pop. Ou até de uns Radiohead, se estes não andassem há uma boa dúzia de anos à volta de uma ideia há muito gasta.
Talvez por causa do suicide chic de uns, e do sucesso comercial de outros, a história da Factory Records é muitas vezes resumida às carreiras e às conquistas dos Joy Division e dos subsequentes New Order. Porém, se recuarmos até aos primórdios da lendária indie de Manchester, em pleno frenesim post-punk, a variedade do catálogo antevia todo um mundo de possibilidades para o futuro. Por sinal, consta que a banda apoiada mais acerrimamente por Tony Wilson, a face mais visível do triunvirato responsável pelos desígnios da Factory, não eram os Joy Division, mas sim uns tais de A Certain Ratio. Filhos da mesma Manchester da decadência pós-industrial, estes eram um colectivo multirracial pouco dado ao cinzentismo e à frieza emocional, privilegiando antes o factor rítmico inerente a uma acentuada influência funk.
Curiosamente, o tema mais paradigmático dos A Certain Ratio, aquele que em pouco mais de três minutos resume as suas motivações, é uma versão de uma música alheia. Trata-se de "Shack Up", um original de uns tais Banbarra, uma obscuridade disco sound, o que diz bem dos propósitos dançantes dos ACR. Numa releitura transfigurada, muito derivado às vocalizações "zombificadas", há, contudo, a intenção de respeitar a riqueza rítmica do original. Sem o mesmo delírio instrumental, os ACR sublinham as palavras, sendo estas expressão da frieza perante as relações a dois tão típica da época. O convite à dança é propiciado pelo destaque dado à propulsão do baixo, à cadência da percussão, e à exuberância dos sopros, num exemplo bem sucedido da miscigenação de músicas de diferentes pigmentações que fez furor durante o período pós-punk. Pena é que "And Then Again", o tema que preenche o lado b do single, parta de semelhantes princípios para fins diferentes. Numa cadência mais lenta, e com uma pronunciada aura de alienação, este alinha por territórios bastante próximos de alguns contemporâneos dos ACR, estes mais dados a estados de alma doridos.
Gente com passado na obscuridade do submundo indie, incluindo nos efusivos e saudosos Let's Wrestle, com uma proposta de crossover de décadas e de géneros.
Formação: Alice Merida Richards (voz, bx, tcls); Samuel Pillay (gtr, voz); Emma Wigham (gtr); Sebastian Trukolaski (btr)
Há uma teoria que diz que, na música popular, os ciclos revivalistas ocorrem em períodos aproximados de vinte anos. Tal tese cai por terra se pensarmos na obsessão pelo novo de oitentas, que votou quase ao desprezo as boas memórias dos sixties. Contudo, a mesma teoria faz todo o sentido nas duas décadas seguintes, principalmente na primeira do novo século, da qual ainda recordamos com náusea a vulgaridade com que foram tratadas as referências post-punk. Portanto, no presente estaremos a atravessar uma época de revisitação da década de 1990, algo que se vai verificando, felizmente, com maior critério e maior contenção que naquele passado próximo. Sobre este tema penso já vos ter falado, talvez demasiadas vezes, a propósito de bandas tão díspares como os Yuck, os Japandroids, ou os Male Bonding.
Para juntarem ao rol, hoje queria hoje falar-vos dos Speedy Ortiz, um quarteto da área de Boston que faz questão de resumir parte do catálogo da era dourada da Matador Records, a editora que melhor soube entender as benesses do abrir de portas propiciado pelo boom dos Nirvana. A demonstração está em Major Arcana, um pequeno mas superlativo álbum com dez temas que farão as delícias dos adeptos das guitarras desalinhadas e da dinâmica quiet-loud-quiet. Derivado de serem encabeçados por um elemento feminino, trazem à memória duas das mais notáveis damas do espectro indie da primeira metade de novetas, nomeadamente Liz Phair e Mary Timony, esta última vocalista dos Helium. Tal como aquelas, Sadie Dupuis é dona de uma delicadeza falsamente ingénua, com uma queda para marotice que tanto espicaça como embaraça o público masculino. Das bandas de homens também se detectam ensinamentos, mormente a tensão post-hardcore de uns Unwound ou a imprevisibilidade dos riffs de uns Pavement. Se toda esta panóplia de (boas) referências poderia ser um factor redutor para os Speedy Ortiz, acaba por ser um trunfo quando bem doseada num lote de canções de qualidade que dificilmente encontramos na esmagadora maioria das hordas de "bandas tributo" dos tempos que correm.
Pelas minhas contas, já lá vai mais de um par de anos desde que os Guided by Voices anunciaram o regresso à vida plena, aos palcos e aos discos. E logo com a chamada "formação clássica" dos tempos dourados da temporada 1994/95... Neste período já lançaram quatro álbuns, nada de excessivo vindo de quem nos habituou a uma produtividade acima da média. Isto, sem contar com a meia dúzia lançados no mesmo espaço de tempo por Robert Pollard, intrépido líder desta verdadeira "instituição" indie de Dayton, Ohio. Curiosamente, daqueles quatro registos, apenas um é do ano corrente, que já vai a mais de meio...
Com a "escassa" produção recente, poderíamos estar já para aqui a falar de preguiça, mas eu preferiria chamar-lhe antes crivo artístico. Com efeito, English Little League seria apenas mais um dos muitos se não fosse um dos melhores trabalhos dos GbV. Com uma coesão pouco habitual em quem está habituado a registar e a editar qualquer esboço de canção, é um disco fértil em "ganchos" que agarram à primeira qualquer adepto do rock-sem-merdas. Na primeira audição, e perante a eficácia de todos os 17 temas, é quase imperioso que sejamos percorridos por uma sensação de nostalgia pela tal era dourada, a da edição dos excelsos Bee Thousand e Alien Lanes, díptico obrigatório do catálogo dos GbV. Não sendo propriamente um tenor, Robert Pollard cumpre com louvor o papel de arena rocker de baixa fidelidade, algo herdado da fixação quase doentia pelos The Who que fazem dele um impersonator simultâneo de Pete Townshend e Roger Daltrey. Como sempre, não nos priva das letras que, a fazerem algum sentido, são reflexões metafísicas ou delírios induzidos sobre a vida no espaço. Por outro lado, na mão-cheia de temas em que deixa a marca (e a voz), o guitarrista Tobin Sprout revela uma certa suavidade entorpecida, o lado sensível por contraponto aos impulsos rock do seu camarada. Quando ambos se juntam na composição, saem pérolas a meio caminho de qualquer coisa deste calibre:
É mais ou menos ponto assente que as grandes parangonas da última dúzia de anos da música popular são geradas, quase invariavelmente, por bandas oriundas dos países da América do Norte. No entanto, no que toca àqueles ovnis musicais, as chamadas pedradas no charco da normalidade, o Reino Unido continua a dar cartas. Não com a mesma periodicidade da fulgurosa primeira metade de noventas, é certo, mas com a assiduidade bastante para ainda depositarmos as nossas apostas nos estetas musicais súbditos de Sua Majestade. Se bem se lembram, foi há já um par de anos que uns tais de Wu Lyf surgiram como que do nada, surpreenderam meio mundo, e implodiram logo de seguida.
No ano corrente, e pelo menos enquanto o puto Zoo Kid/King Krule não confirma em álbum as expectativas criadas pelos seus lançamentos esporádicos, o título de outsiders às tendências reinantes vai para os Public Service Broadcasting. É sob esta designação que se apresentam dois autênticos geeks, com pseudónimos estapafúrdios incluídos, que combinam ferramentas musicais algo díspares: guitarras, banjos, bateria, teclados analógicos, e programações electrónicas. No entanto, a sua característica mais distinta é o recurso a falas de filmes de outras eras, dos arquivos da BBC mas não só, sobretudo informativos e de propaganda. As tais falas, que descontextualizadas causam uma sensação de saudade de tempos que nem sequer foram vividos, estão presentes em todos os onze temas de Inform - Educate - Entertain, o recente e surpreendente álbum de estreia da dupla. O intuito, afirmam os PSB, é reavivar a memória de um Reino Unido desaparecido (sobretudo dos tempos austeros do pós-guerra), mas também partir do passado para informar e educar para o futuro. Claro está que o entretenimento não faz parte da equação do título por acaso... As técnicas de corte-e-colagem utilizadas não são propriamente pioneiras, já que no passado foram também recurso de gente como os Colourbox e a Beta Banda, ou até os fugazes M/A/R/R/S. Já quando as guitarras se endurecem, vêm-nos à memória os "pós-rockismos" dos excelsos Disco Inferno. Convém, no entanto, estabelecer estas comparações com as devidas distâncias, pois os PSB partem de princípios semelhantes para fins radicalmente diferentes. Assim como convém não especular sobre o futuro de uma fórmula praticamente condenada ao rápido desgaste. Por ora, mesmo sem tais garantias de sucessão à altura, recomendo vivamente o desfrute até à exaustão do mais curioso objecto musical do ano da graça de 2013.
Nunca serão demais as publicações que façam jus ao trabalho de Sonny Smith. Isto porque, tanto ao nível da qualidade como da quantidade, este californiano tem sido incansável na recuperação da pureza pop de outros tempos. Principalmente com os Sonny and The Sunsets, o projecto de formação que lhe ocupa a maior parte do tempo. Se bem se lembram, ainda mal passou um ano desde que este editaram Longtime Companion, o já há algum tempo prometido "álbum country". Como característica, este disco tinha ainda uma atmosfera de gravidade pouco habitual em Smith, isto porque expiava demónios do fim de uma relação amorosa já duradoura.
Doze meses volvidos, e com o novo Antenna To The Afterworld, Sonny reincide nalguma seriedade. Desta feita, as onze canções de travo retro debruçam-se amiúde sobre a mortalidade e o sentido da vida. Segundo apurámos, é mais um trabalho com cunho pessoal, já que procura inspiração na morte de alguém próximo. Nas letras, que cedem às reflexões metafísicas, são também constantes as sugestões de imagens de deriva espacial, algo que não conseguimos escutar sem esboçar um sorriso de simpatia pelos fofice dos quadros sugeridos. Neste particular, Sonny Smith não se esquiva à auto-citação, remetendo-nos para o trabalho isolado de Earth Girl Helen Brown, projecto por si patrocinado do qual já gostaríamos de ter novidades. Guiado por sintetizadores rudimentares, e com a voz nasalada e as guitarras registadas no mesmo regime de baixa-fidelidade, Antenna To The Afterworld espraia-se pelas diferentes sensibilidades do seu autor, com uma pincelada psych aqui, e um travo folky acolá. Contudo, o sentido de canção pop é constante, ou não fosse este mais um delicioso trabalho de alguém que, como poucos no presente, entende tal conceito.
Pela sua demografia, Bristol já tem longo historial como terreno propício à miscigenação de músicas de diferentes raças. Contudo, só há coisa de 20 anos o mundo se terá dado conta da tendência fusionista dos músicos daquela cidade do sudoeste inglês. A "descoberta" aconteceu pela coincidência do aparecimento simultâneo de alguns projectos daquela proveniência que, apesar das diferenças notórias entre si, foram arrumados numa nova prateleira criada para o efeito: a do trip-hop. A rejeição de tal rótulo, que cedo se haveria de tornar pejorativo, foi unânime. O mais veemente na recusa terá sido um tal de Adrian Thaws, vulgo Tricky, figura omnipresente nas movimentações da "cena" bristoliana desde o fim da adolescência. Analisando a sua obra, particularmente a daquele par de anos em meados de noventas em que foi elevado a uma categoria próxima de génio, somos levados a concluir que, a haver alguma justeza no rótulo atribuído, seria muito mais com os seus discos que com os dos contemporâneos Massive Attack e Portishead. Tal conclusão advém da verificação de que a música dos colossais Maxinquaye (1995) e Pre-Millennium Tension (1996) mais não ser do que uma revisão enevoada do hip-hop da velha escola tão do agrado de Tricky. Não será por acaso que nesses discos encontramos versões de originais dos Public Enemy e de Eric B & Rakim, duas influências assumidas e por si citadas até aos dias de hoje.
Não sabemos se por aversão ao "fenómeno", se por fuga aos holofotes de uma fama súbita e indesejada, o que é certo é que, após o fulgor inicial, Tricky cedo tratou de tornar os seus discos progressivamente mais "difíceis", ainda que bastante aceitáveis depois de pacientemente assimilados. O pior estava para vir com a mudança para os states, coincidente com um período de sanidade próxima da demência, e com as amizades e colaborações com "estrelas" de gosto dúbio. Regressaria à pátria e renasceria artisticamente com Knowle West Boy, um excelente disco embora relativamente negligenciado, com o forte cunho biográfico de sempre, desta feita com as memórias de juventude passada no meio problemático de um bairro social.
É nesta senda de renascimento que já leva três álbuns que surge False Idols, já apontado por muita boa gente como o seu melhor disco desde aquele par dos primórdios. Aqui sou obrigado a discordar e, sem negar qualidades ao novo trabalho, apontar para esse título o já citado registo de 2008. No entanto, tenho de admitir as familiaridades deste trabalho com Maxinquaye, sobretudo na atmosfera de intimismo. Talvez a opção se deva à descoberta de Francesca Belmonte, a nova e única voz à altura da de Martina Topley-Bird para partilhar o confessionário sexual com o tom murmurado de Tricky. Com menor protagonismo, e repetindo a participação do anterior disco, surgem ainda as vozes de alemã Nneka e de Peter Silberman (The Antlers), ela num registo próximo do da jovem Neneh Cherry, ele num irritante falsetto que constitui o momento de menor inspiração de False Idols. Relativamente mais apaziguado, pois a idade amolece até os temperamentos mais rebeldes, o novo álbum fica claramente a perder na comparação com o de estreia, não só pela falta de factor surpresa, mas sobretudo pela radicalidade das nuances, dos breaks súbitos, ou do engenho na escolha dos samples que encontrávamos em Maxinquaye. Uma palavra de louvor para a capacidade de Tricky, velha raposa conhecedora de diferentes músicas, em citar a obra alheia para criar algo próprio. Acontece, por exemplo, com a apropriação da apropriação de "Gloria" de Van Morrison por Patti Smith em "Somebody's Sins", ou a referência ao standard "My Funny Valentine" em Valentine. A auto-citação tem lugar na amostra a seguir, uma espécie de versão abastardada de "Make Me Wanna Die", faixa maior do grandioso Pre-Millennium Tension.
Posso estar enganado, mas arrisco afirmar que os principais motivos para a forte afluência de público à Casa da Música terão sido essencialmente dois: a presença da "outra" banda de John Lydon depois dos Sex Pistols, e os hits moderados desses mesmos Public Image Ltd. em meados de oitentas. Isto sem esquecer os preços convidativos dos bilhetes, algo pouco usual por cá. Postas as coisas deste modo, até parece que os PiL não foram formados por Lydon como reacção aos Pistols (e principalmente a Malcolm McLaren), e que o seu principal legado não reside no primeiro par de álbuns, quando Keith Levene e Jah Wobble ainda militavam no colectivo, do mais revolucionário e influente da música popular desde finais de setentas para cá. Repito que posso estar enganado, mas foram impressões que ficaram das conversas alheias e das reacções do público aos diferentes temas.
Sem o excelso guitarrista de então, assim como sem o baixista que fez nome a solo, Lydon socorre-se de uma formação de membros resgatados às diferentes reencarnações dos PiL. Pelo que vimos no sábado, e principalmente pelo que víramos num destes Primaveras, não se pode dizer que esteja mal acompanhado, já que estes se revelam músicos competentes, embora sem o rasgo de génio dos companheiros originais. Mas não é por isso que deixam de percorrer um alinhamento abrangente, incluindo os temas mais significativos daqueles dois discos essenciais. Os resultados da execução merecem, no entanto, uma apreciação algo dividida. Se num primeiro instante podemos desculpar os PiL do baixo volume do som, não sei se por inépcia do técnico responsável (começa a tornar-se um mau hábito...), se por opção dos senhores xoninhas da CdM, temos de lhes apontar o facto de os temas apresentados soarem demasiado semelhantes entre si. As razões para tal serão duas: os maneirismos vocais de John Lydon, com o habitual efeito da projecção da voz, e o protagonismo dado à pulsão do baixo. Por outro lado, esta última opção tem como ganho o realçar do apelo dançante da música dos PiL, algo que rendeu carreiras de milhões a muita boa gente ligada àquela coisa do neo-post-punk.
Ao fim de quase duas de concerto, penso que esta opinião dividida é também a da maior parte do público, pelo menos tendo como fonte mais algumas das conversas acidentalmente ouvidas. Numa noite de dualidades, o próprio John Lydon, principal estrela da companhia, esteve em dois modos: ora com uma cordialidade que o tem caracterizado nos últimos tempos (não sabemos se com algum cinismo à mistura), ora com amostras da aplaudida irascibilidade que era imagem de marca de outrora.
Embora não pareça, hoje é dia de solstício, o dia mais longo do ano, aquele no qual começa oficialmente o Verão. Como já é tradição neste dia, aqui no April Skies oferecemos uma hipotética banda sonora para vos acompanhar durante a estação quente. Sim, porque acreditamos que as temperaturas hão-de subir e o astro Sol há-de brilhar durante dias a fio. São ao todo 20 temas pop de gente que parece estar bem com a vida, divididos quase igualitariamente por coisas novas mas que podiam não o ser, e coisas bastante mais antigas mas com a frescura das novas. Na expectativa que seja do vosso agrado, desejo a todos um Verão tão silly quanto possível.
Quando aqui falamos da Escócia, normalmente é para vos trazer notícias de uma das muitas bandas indie-pop que por lá pululam, que fazem das highlands o terreno por excelência da coisa. Renegando as tradições da pátria, os Boards of Canada são autênticos estranhos em terra estranha. Desde há mais de duas décadas, que estes dois irmãos criados em meio rural se especializaram numa electrónica analógica, na qual os sons crípticos, algum misticismo, e regressões à infância convivem pacificamente. Isto sem esquecer uma aura campestre que advirá das origens dos rapazes. Partindo da inspiração em bandas sonoras, os seus discos, normalmente longos, têm vindo a tornar-se referência, contando já com uma vasta descendência que não será preciso nomear. Se nos primeiros anos da existência foram extremamente prolíficos, deles já não tínhamos notícias desde há oito anos, precisamente desde a edição de The Campfire Headphase, provavelmente o mais desapontante dos seus registos.
Cultores de um certo mistério, desapareceram completamente de cena durante o hiato. Foi ainda quase sem darem sinais prévios que lançaram Tomorrow's Harvest, recebido com pompa tanto pela duração da ausência, como pela retoma da melhor forma. Para trás deixaram as sugestões bucólicas, propondo agora um mergulho num universo urbano e apocalíptico, naquele que deverá ser o álbum mais negro do seu catálogo. Às trevas junta-se uma intensidade emocional, mesmo apesar da ausência de palavras, ao mesmo nível da do magistral Geogaddi (2002). Há, obviamente, uma reactualização da sonoridade, isto sem que, desde os primeiros instantes tenhamos a certeza inequívoca de ser um disco com a marca registada Boards of Canada. Tanto na cadência das batidas, como na atmosfera carregada, há sinais que indicam que Tomorrow's Harvest só pode ser um disco surgido na era pós-dubstep, absorvendo e desenvolvendo algo a partir do trabalho de Burial e aparentados. Completa-se assim um ciclo, quando os mestres buscam inspiração nos seguidores, e o mundo ganha mais uma óptima companhia para noites de viagem interior.
Assim como sempre soube apontar o dedo acusador, algo que se tem agudizado com a idade ao ponto do ridículo, Morrissey nunca se coibiu de proclamar aos quatro ventos os seus heróis, normalmente em declarações de paixão assumida. Quando, à frente dos The Smiths, lhe foi possível exprimir a sua devoção pelos ícones para fora do quarto, o mundo ficou a saber da obsessão quase doentia por algumas figuras algo esquecidas da música popular. Uma das suas paixões, ficámos a saber, era Sandie Shaw, a cantora que se distinguiu por ser a primeira britânica a vencer o concurso de canções da Eurovisão e logrou uma série de êxitos posteriores, antes de uma travessia do deserto que só terminaria com a intervenção de Morrissey & C.ª.
Aproveitando a influência adquirida pela recepção aos The Smiths, ainda não um fenómeno retumbante mas a caminhar para lá, Morrissey entrou em contacto com Shaw, tentando-a convencer a gravar versões das suas canções, à escolha. Com a banda ainda a dar os primeiros passos, o letrista via-se ainda a si e a Johnny Marr como uma dupla de escritores de canções, na senda dos hitmakers de sessentas. Ela declinou várias investidas, talvez influenciada pelo negativismo que normalmente era associado à música dos The Smiths, e só com a intervenção de Geoff Travis, patrão da Rough Trade Records, acedeu a fazer uma versão daquele que tinha sido o primeiro single da banda que acabaria por se tornar a mais importante da década de 1980.
Já com duas versões ligeiramente diferentes editadas pelos autores (uma no single, outro no álbum de estreia), "Hand In Glove" ganha nova vida e novas cores na interpretação de Sandie Shaw. Tendo como banda de suporte os próprios The Smiths - excluindo Morrissey, claro -, impôs ligeiras alterações à letra, alegadamente uma das muitas da banda sobre solidão, e com eventuais referências homossexuais nunca devidamente extraídas da sua subjectividade. Porém, as principais diferenças residem na parte da música, agora sem a presença da harmónica de Johnny Marr, e com este a alterar radicalmente os acordes de guitarra, uma espécie de cascata de melancolia pluviosa no original, uma festa melódica na versão. Isto, somado à voz de menina de Sandie Shaw, ainda na posse da frescura do tempo em que se apresentou ao mundo de pés descalços, faz de "Hand In Glove" uma canção nova, com uma efusividade radiosa que não julgaríamos possível a partir de tal original. É também, na sua época, uma rara recuperação do classicismo pop da década de 1960, alvo de muitos maus tratos com as "manias futuristas" de oitentas.
Na música popular, todo e qualquer fenómeno, tendência, ou onda, tende a ser algo por conveniência abrangente, integrando bandas com pouca familiaridade entre si, mas que, por obra e graça do destino, coincidiram na mesma era cronológica. Nestes artificialismos criados por imprensa e público, a vaga shoegazing, que varreu o Reino Unido nos primeiros anos da década de 1990, não é um caso diferente. Se não, tomemos como exemplos comparativos as duas principais bandas associadas à coisa: os Ride e os Slowdive. Se aqueles tinham uma propensão para a explosão sónica e se inspiravam nos Byrds e outros psicadelismos de sessentas, estes últimos reactualizavam o idílio dos Cocteau Twins, ao qual adicionavam uma versão suave do teor sexual dos My Bloody Valentine, sobretudo nas vozes enlevadas de Neil Halstead e Rachel Goswell.
Foi sob estas premissas que os Slowdive se estrearam nos álbuns em 1991, um disco promissor mas ainda com algumas pontas soltas que pareciam acusar a tenra idade dos seus criadores. Neste particular, e voltando os "concorrentes" Ride, desde os primeiros registos que surpreenderam pela firmeza das suas ideias, algo de surpreendente em gente tão jovem. No caso do quinteto de Reading foram necessários dois anos para atingir este pico, os suficientes para a concepção do arrebatador Souvlaki. Talvez pressentindo que tinha algo de grandioso em mãos, a banda convidou Brian Eno para o papel de produtor, pedido que este declinou. No entanto, o mestre do ambient não deixou de dar uma mãozinha, cedendo sintetizadores e ainda alguns tratamentos texturais num par de temas. Um deles é "Sing", que o próprio Eno co-compôs, que na sua placidez, e à semelhança de outros temas dominados pela voz de Goswell (oiça-se o quase sinistro "Machine Gun"), denuncia a tal filiação cocteauniana, embora com temas relativamente mais densos que os da seminal banda escocesa. O outro é "Souvlaki Space Station", e é um dos temas mais aventureiros do reportório dos Slowdive, um festim de sons sintetizados, pedais de efeitos e voz com o encanto das sereias. Embora diferentes na execução, o primeiro socorrendo-se de efeitos de poder anestésico, o segundo integralmente acústico, "Alison" e "Dagger" são feitos da mesma paz bucólica, outra característica dos Slowdive que dificilmente detectávamos em bandas associadas ao shoegazing. Como nem só de calma idílica se faz Souvlaki, em "When The Sun Hits" os Slowdive conseguem mostrar à concorrência que também sabem ser explosivos, surpreendendo com uma torrente sónica que a as guitarras cristalinas iniciais não faziam adivinhar. Embora atípico no todo, é um momentos altos do disco.
Pela descrição, e sobretudo pela audição deste segundo álbum, é normal que nos questionemos se não seriam os Slowdive corpo estranho na Creation Records da época. Não fariam eles mais sentido no catálogo da concorrente 4AD? A ter sido um erro de casting, seria devidamente corrigido com os Mojave 3, banda posterior que integra Neil Halstead e Rachel Goswell, e que desenvolveria o bucolismo que já aflorava em Souvlaki, e ganhava contornos mais definidos no subsequente e derradeiro Pygmalion (1995).
No compartimento das boas memórias ainda reside aquela primeira parte de um concerto dos Liars, quando uma banda totalmente desconhecida deixou deslumbrada mais de metade da assistência. Chamavam-se Deerhunter, e no cardápio traziam aquilo que haveriam de ser os temas do shoegazyCryptograms (2007) à mistura com os espasmos noisy de um primeiro álbum. Logo nesse dia procurei aprofundar o conhecimento com a aquisição de uma cópia promocional daquele segundo longa-duração, com perto de meio ano de avanço relativamente à sua edição oficial. De então para cá, a banda alargou largamente o número de devotos com Microcastle (2008) e Halcyon Digest (2010), discos preenchidos por uma pop sonhadora com laivos de psicadelismo atmosférico. Para dar vazão a uma evidente hiperactividade, bem como ao complexo de múltipla personalidade, nos intervalos entre álbuns foram lançado música avulsa, muitas das vezes para oferta gratuita. Isto já para não falar dos projectos paralelos do vocalista Bradford Cox e do guitarrista Lockett Pundt: Atlas Sound e Lotus Plaza, respectivamente. Parecendo contraditório, o que é certo é que, na sua inconstância estética, os Deerhunter têm sido uma das bandas mais coerentes das nascidas no século em curso.
Se um par de álbuns seguidos sob um prisma semelhante era demasiada imobilidade para uma banda tão habituada à mudança, o novo Monomania trata de dar novo volte-face no percurso dos Deerhunter, talvez o mais radical de todos os registados. Não sendo propriamente o disco garage que os próprios anunciaram e alguns outros rotularam, é verdade que se caracteriza por um crueza suja, registada em baixa-fidelidade, que não lhe conhecíamos. Normalmente, as guitarras são ríspidas e distorcidas, e a voz de Bradford Cox, na sua habitual esconjura dos demónios, assume-se como quase animalesca. A ter sido premeditado, diria que Monomania são os Deerhunter a lutar contra si próprios, e contra o rótulo que lhes foi colado por via da discografia recente. Um pouco à semelhança do que aconteceu com os vizinhos georgianos R.E.M. com Monster, o seu disco "sujo" depois da aceitação do mainstream. No caso de Monomania, um par de temas mais intimistas esconde-se no meio da dissonância dominante, resgatando ainda alguma da fantasmagoria do passado recente. Talvez seja pouco para muitos dos acólitos da anterior encarnação da banda, que eventualmente poderão ser alienados pela dificuldade de assimilação do novo álbum. Já os pacientes, com a insistência nas audições, poderão desfrutar de outro excelente disco de uma das mais peculiares bandas do nosso tempo.
Reunindo gentes proveniente das ramificações do submundo punk australiano, um devaneio electrónico para altos voos nocturnos, para que não digam que isto é só guitarra-baixo-bateria.
Formação: Mikey Young (voz, gtr, tcls); Dave West (tcls); James Vinciguerra (tcls, btr)