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Liz Harris, a quem a timidez leva a gravar como Grouper, é daquelas artistas com uma dinâmica de lançamentos muito própria, que não obedece propriamente aos processos e intervalos criativos estabelecidos pela "indústria". Não se conclua daí que seja moça dada à preguiça. Bem pelo contrário, em dez anos tem já editados outros tantos álbuns, número nada desprezável nos tempos que correm. O que sucede é que o ritmo de edições não é regular, e muitas vezes um novo disco repesca velhos temas deixados em estado embrionário no manacial de criação que o trabalho em recolhimento caseiro proporciona. O último The Man Who Died In His Boat (2013), por exemplo, recuperava canções já com alguns anos de gestação, do tempo do soberbo Dragging A Dead Deer Up A Hill (2008) e, como tal, parente próximo daquele. Ou seja, ambos eram discos de temas densos mas simultaneamente frágeis, compostos por esboços de canções que vagueavam num limbo entre a perdição e a redenção.
Com o novíssimo e altamente recomendável Ruins sucedeu algo de semelhante, já que a concepção dos seus oito temas remonta a 2011, quando Liz Harris se remeteu a um retiro em Aljezur, no sul de Portugal, a fim de cicatrizar feridas de (des)amores antigos. Por conseguinte, este é o seu trabalho mais violentamente emocional, apesar de reduzir ao esqueleto as texturas que, outrora, eram de uma densidade quase impenetrável. Os ruídos incidentais, que antes eram uma medida recorrente, estão agora praticamente remetidos aos temas de abertura e de fecho. Estes são uma espécie de contextualização de lugar, uma vez que pelo meio, no cerne do disco, as delicadas canções ao piano fazem de nós uns voyeurs despudorados, que seguem cada passo da deriva da autora na sua clausura intimista. Com um gradiente de desfocagem menos evidente que os antecessores, Ruins é também o primeiro trabalho de Grouper em que a voz se assume como algo mais que um instrumento. Apesar de exigirem uma atenção especial, o balbuciar daquelas frases ténues denota a necessidade de expelir palavras urgentes. Por isso, este é um daqueles discos que exige que façam um pausa nas tarefas domésticas e se deixam imergir no íntimo em ruínas de Liz Harris. Não queria usar frases feitas, mas garanto-vos que, primeiro, Ruins estranha-se, mas depois entranha-se.
"Holding" [Kranky, 2014]
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