"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Good cover versions #59













TASHAKI MIYAKI _ "All I Have To Do Is Dream" [The Sounds of Sweet Nothing, 2011]
[Original: The Everly Brothers (1958)]



Recuando ao primórdios da história do rock'n'roll, muitos são os hits dos quais se torna difícil saber ao certo a autoria original, tal o número de versões gravadas dos mesmos, quer por iniciativa dos próprios songwriters, quer de intérpretes autónomos. Nessa categoria talvez não inclua, apesar da incontáveis versões de que foi alvo, "All I Have To Do Is Dream", para sempre lembrada na interpretação intemporal e imaculada dos Everly Brothers, invariavelmente a usada pela indústria de Hollywood independentemente da acção da película em causa se passar na segunda metade de cinquentas ou na primeira de sessentas. Esta é uma daquelas canções inscrita na facção mais atinhadinha do rock, a tal que privilegiava a harmonia em detrimento da fisicalidade. Juntamente com outras da mesma igualha, teve certamente forte impacto nas congeminações desenvolvidas por um tal Phil Spector poucos anos mais tarde.

Uma das versões mais recentes de "All I Have To Do Is Dream", senão a mais recente, pertence aos Tashaki Myiaki, uma dupla iniciada de Los Angeles que ainda faz questão de manter uma certa aura de mistério, a qual tive a honra de vos "apresentar" há poucos dias. Sem desrespeitar a melancolia sonhadora do original, não se pode dizer que seja a mais fiel das versões, pois as preocupações com a fidelidade áudio são diminutas. Curiosamente, os ecos e a voz juvenil falsamente inocente evocam as tais congeminações do tal Spector, que por acaso até era um perfeccionista do som. Inevitavelmente, a rugosidade da mesma evidencia parentescos próximos com a imensa descendência marychainiana, hoje, mais que nunca, na ordem do dia.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Peel slowly and... listen

















Faz hoje sete anos que John Peel sucumbiu a um ataque cardíaco, no momento em que se encontrava de férias no Peru. Embora não se trate de uma efeméride "redonda" merece ser assinalada, quanto mais não seja porque está associada ao radialista que, como nenhum outro, divulgou a música "independente". E também porque, neste sexto Peel Day, foram disponibilizados para audição on-line a totalidade dos temas constantes de todas as Festive Fifty's, as listas de fim de ano elaboradas segundo o gosto dos ouvintes, aqui e ali com o dedo do próprio Peel, desde 1976. Para vosso deleite, aqui. Caso arrisquem, vão deparar-se com um gosto ecléctico que se mantinha aquando da sua morte, aos 65 anos. Desde o psych-folk dos anos formativos, ao indie-pop do qual haveria de se tornar uma espécie de patrono, passando pela electrónica mais obtusa ou o metal mais extremo, Peel privilegiava, essencialmente, a diferença e a novidade, transgredindo o gosto formatado. A título ilustrativo, deixo-vos aquela que ficou, para sempre, lembrada como a sua pet song entre os milhares que terá escutado:

The Undertones _ "Teenage Kicks" [Good Vibrations, 1978]

Ao vivo #70
















Bonnie 'Prince' Billy @ Teatro Maria Matos, 24/10/2011

Em qualquer uma das suas encarnações, Will Oldham é há muito um valor seguro junto de um nicho específico de público. Os discos como Bonnie 'Prince' Billy, o seu eu mais produtivo, sucedem-se com frequência assinalável, e ainda que sejam progressivamente ouvidos por menos gente (falo por mim e por mais uns quantos, obviamente), cada nova vinda ao rectângulo acontece em salas progressivamente maiores. Não é de espantar pois que, há várias semanas, o espectáculo do Maria Matos estivesse esgotado.

A escolha do cenário para o concerto de ontem não poderia ter sido mais feliz, pois além das excelentes condições de acústica, as dimensões apropriadas do palco permitem que Oldham e a sua banda, com o generoso número de cinco elementos, melhor possam explorar a musicalidade e a riqueza textural das canções, que muitas vezes não se adivinha na fragilidade das versões gravadas. Ao longo de mais de duas horas, incluindo os dois encores, percorre-se todo um vasto cancioneiro de década e meia de carreira. Na maioria dos casos, os temas surgem travestidos relativamente à sua gravação original, como se os músicos estivessem a presentear o público com uma versão única e irrepetível. Numa primeira fase, privilegiam-se temas mais ritmados, tingidos de uma country hillbilly que convida a bater o pé. Na fase intermédia, a introspecção abate-se sobre o palco como um manto negro. Apesar da duração da função, a voz de fácil trato de Oldham não dá qualquer sinal de fraqueza. Antes pelo contrário, mantém intacta uma assinalável expressividade que o próprio faz questão de sublinhar com os habituais gestos teatrais. A coadjuvá-lo, outras duas grandes vozes: Angel Olsen e Emmett Kelly. A dela é daquela beleza estranha muitas vezes associada à folk britânica, a dele mais genérica, mas compensada pela mestria nas funções de guitarrista, função essa que o consagra como uma das estrelas da noite.

Em clima de desanuviamento, a parte final do "tempo regulamentar" é de novo em tom de festa. É aqui que o mestre de cerimónia que o fato envergado por Oldham faz supor se liberta, dialogando com desenvoltura e algum humor nos intervalos das canções. Cabendo-me a mim decidir, terminaria o concerto por aqui, francamente em alta. Mas, como já atrás referi, houve regresso para duplo encore, o que além de ser causador de algum cansaço, parece-me não ter acrescentado nada de novo a um concerto previamente estruturado na alternância anteriormente descrita. Peço apenas que considerem este senão como pormenor de diminuta importância num dos melhores concertos a que Lisboa pôde assistir nos tempos mais recentes.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

10 anos é muito tempo #32








FUGAZI
The Argument
[Dischord, 2001]




Depois de um percurso impoluto de aproximadamente 15 anos, nos quais construíram uma base sólida de adeptos, assente tanto nas ideias sócio-políticas como postura absolutamente independente, os Fugazi silenciaram-se em 2001. Para desespero dessa horda de devotos, ainda hoje não é claro que a banda esteja apenas num longo hiato, ou que tenha efectivamente terminado. Sendo válida a última hipótese, arriscaria afirmar, sob pena de fatwa por parte dos adeptos da ira berrada dos primórdios, que se despediram, musicalmente falando,  com o mais coeso, ambicioso, e conseguido dos seus seis álbuns.

Efectivamente, The Argument é um passo firme e consciente rumo a uma maior complexidade que não conhece amarras estilísticas, com a banda a conter a urgência em favor de uma linguagem sobejamente mais melodiosa. Quando se penetra nas estruturas intrincadas de cada tema, é impossível não pensar nos compinchas Unwound, também por esta altura a experimentar com derivações quase proggy. Este é também o disco em que, mais do que a catalogação post-hardcore, o rótulo post-punk assenta melhor aos Fugazi. As evidências surgem avulsas na veia experimentalista dominante e, mais especificamente, nas contaminações da música jamaicana em "Cashout" e "Oh", no ritmo nervoso de "Life And Limb", e nas pausas abruptas que sublinham cada "stop!" de "Epic Problem", este reminiscente do groove marcial corroído pelo gume das guitarras de uns Gang of Four. A paleta de instrumentos alarga-se também para lá da trindade rock, com o violoncelo do breve intro de abertura, ou o piano subtil  que surge em "Strangelight". 

Apesar dos riscos corridos na operação estética, The Argument não só abriu os Fugazi a novos públicos, como foi capaz de preservar a fidelidade cega dos seguidores de longa data, estes que, certamente, cresceram com a própria banda. Em boa verdade, diga-se que, tanto em matéria de ideário de rejeição em relação à norma vigente, como em raiva destilada pelas vozes alternadas de Ian MacKaye e Guy Picciotto (o baixista Joe Lally dá também um ar da sua graça no óptimo "The Kill"), os adeptos mais antigos ficam, apesar da evidente contenção, bem servidos. Em termos de agressão pura, não podíamos ainda deixar de referir o assalto sónico da dupla bateria e das guitarras contundentes de "Ex-Spectator".


"Epic Problem"


"Life And Limb"


"Ex-Spectator"

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A oriente, algo de novo














Quem aqui vem já há algum tempo e com alguma frequência sabe da minha devoção pela Stolen Recordings, uma pequena editora independente que nos faz crer na mudança do estado de coisas da actual música britânica. Do lote de excelentes bandas que já nos revelou, gostaria de destacar Pete & The Pirates (e os "derivados" Tap Tap), Let's Wrestle e My Sad Captains. Talvez menos conhecidos da generalidade, estes últimos são autores de um disquinho algo acima de simpático que me abrilhantou parte do Verão de há dois anos. Chamava-se Here & Everywhere e não se decidia entre o banho de sol e a melancolia, um pouco à semelhança do americana professado por gente como Sparklehorse e The Pernice Brothers. Contudo, tinha um intenso travo da pop campestre que não poderia ter outra origem que não fosse as ilhas britânicas.

Com a mesma discrição com que se estreou, a banda londrina prepara-se para lançar o seu segundo álbum. Leva o título, quase panfletário, Fight Less, Win More e conhecerá edição ao fim da primeira semana de Novembro. Infelizmente, as fotos promocionais mais recentes já não contam com a teclista Cathy Lucas, ela que, com os seus coros ameninados, era a responsável por uma boa parte da dose de sacarina do anterior registo. No entanto, e a julgar pela primeira amostra, parece-me não haver razões para temer pela preservação da pop hiper-harmoniosa dos My Sad Captains. Antes pelo contrário, julgo que, apesar das previsões de interrupção, este nosso Verão interminável pode regressar por alturas do São Martinho.

"Orienteers" [Stolen Recordings, 2011]

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

First Exposure #37


















TASHAKI MIYAKI

Formação: Tashaki (voz, btr); Miyaki (gtr)
Origem: Los Angeles, Califórnia [US]
Género(s): Indie-Pop, Dream-Pop, Lo-Fi, Psych-Pop, Shoegaze
Influências / Referências: The Jesus and Mary Chain, Best Coast, Carpenters, Mazzy Star, Dum Dum Girls, Cowboy Junkies

http://tashakimiyaki.bandcamp.com/

"Somethin' is Better Than Nothin'" [The Sounds of Sweet Nothing, 2011]

terça-feira, 18 de outubro de 2011

I'm amazzed!


















No extenso rol de músicos saídos do "movimento" Paisley Underground, mais que ninguém, David Roback ocupa o papel do rebelde, o inconformado que cedo abandona cada projecto em busca de novas experiências. Militou primeiramente nos Rain Parade, que deixou para formar e coordenar os Opal. Pelo meio deu ainda origem aos Rainy Day, projecto de versões que contou com várias vozes convidadas. Nestes dois últimos deixou a impressão de que andava à procura da voz feminina que melhor encarnasse as suas canções de uma melancolia árida. Encontrou-a em Hope Sandoval, dona de uma voz tão frágil como a sua silhueta, mas tão bela e delicada como os traços do seu rosto angelical. Juntos encabeçaram os Mazzy Star, autores de três assombrosos álbuns que renderam um sucesso acima da média. Depois veio o silêncio que já leva quinze longos anos. No ínterim, dele pouco se soube para além das escassas contribuições para bandas sonoras, enquanto ela alternou as colaborações em discos de outrém com o par de álbuns lançados com os Warm Inventions, projecto que fundou com Colm Ó Ciosóig, dos My Bloody Valentine.

Aquando do lançamento do segundo disco destes últimos, Sandoval dava conta que, apesar da prolongada ausência, os Mazzy Star continuavam activos. Esta revelação fez criar expectativas em torno de um eventual quarto álbum, que agora ganham forma com o anúncio do single Common Burn, lá mais para o final do mês e em formato digital. A seguir, está também previsto o lançamento do mesmo (com o lado B "Lay Myself Down") em vinil de 7". À falta de sons que não sejam um pequeno excerto do tema-título, a notícia é motivo bastante para que celebremos com a recordação daquele que é, por enquanto, o último asso(br)o:

"Flowers In December" [Capitol, 1996]

A Grécia a arder
















É facto consumado que as sonoridades de sessentas vieram para ficar no menu de muitas novas bandas. Com especial incidências nos Estados Unidos, mas um pouco por todo o globo, são incontáveis os jovens músicos rendidos ao garage, ao psych, ou ao surf-rock, muitas vezes com especial preferência por um dos "géneros", outras tantas combinando tudo em enérgicos melting pots de travo retro. Nesta última categoria fiquei agradavelmente surpreendido com os Acid Baby Jesus, banda que tem proveniência na improvável Grécia, país que, como todos sabem, é normalmente falado por motivos que não vale a pena relembrar.

Depois de causar furor com um par de pequenos formatos, e com os respectivos e incendiários concertos promocionais por essa Europa fora, o quarteto ateniense acaba de editar um primeiro álbum homónimo. Das treze curtas faixas que o compõem podem esperar energia a rodos, muita sujidade, gravações sem grandes cuidados técnicos, e também um bem vincado sentido de melodia ao serviço da canção, sem que isso ponha em causa o cariz transgressor dos mesmos. Quer isto dizer que Acid Baby Jesus demosntra a bandas como os espalhafatosos e hiper-sobrevalorizados Black Lips que a javardeira apenas é a via prioritária para quem tem escassez tanto de talento como de neurónios. Oiçam-no na íntegra e comprovem pelos vossos próprios timpanos:


[Slovenly, 2011]

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

No cinema da esquina


















Foto: Cat Stevens

O embrião dos Still Corners remonta a 2007, quando Greg Hughes, um cinéfilo devoto das bandas sonoras clássicas, se mudou para Londres e aí gravou um EP sob essa denominação. A banda propriamente dita só começou a tomar forma quando Hughes encontrou a cantora Tessa Murray. Para enquadrar a coisa já no mito em construção, ou no lugar-comum cinematográfico, dependendo da perspectiva, conta-se que esse encontro, absolutamente fortuito, ocorreu sob um denso nevoeiro numa estação de caminhos-de-ferro deserta. No ano passado, já como quarteto, os Still Corners libertaram o tema "Endless Summer", canção de uma beleza atmosférica em que Phil Spector e Ennio Morricone parecem ter-se reunido para musicar um película nouvelle vague. Ao dito, que evoca também os girl groups de sessentas, não falta sequer a mais surripiada batida de sempre. Com o burburinho criado por essa blogosfera fora, as editoras acotovelaram-se para os contratar.

O concurso pelos Still Corners foi ganho pela norte-americana Sub Pop Records que, há poucos dias, lançou Creatures Of An Hour, o esperado álbum debute. Infelizmente, e como em muitos casos de expectativas desmesuradas, o disco no todo está longe do nível daquele tema (incluído na dezena que compõe o alinhamento). Contudo, penso que isso não será impedimento à aclamação popular dos Still Corners, seguindo a lógica dos sucessos recentes dos Beach House e das Warpaint. E fala-se destes nomes porque, com eles, Creatures... partilha, respectivamente, o ambiente cinemático e a doçura angelical. No entanto, e salvas as devidas distâncias, penso que será mais adequado estabelecer comparações com o filme negro do segundo Portishead, na música, e as polifonias de Liz Fraser, na voz. Antes que me chamem louco, ou que algum louco fanático me excomungue, vou reduzir a coisa a uns "The xx de câmara" encabeçados por Julee Cruise.

Deixando de lado as sempre redutoras comparações, reconheçamos a Creatures... os devidos méritos, tanto na qualidade dos arranjos e na envolvência das texturas, como no encanto da voz, a um mesmo familiar e misteriosa. Não sendo qualidade, apenas característica, bastar-lhe-á o cariz "bonitinho" para que, a breve trecho ou, na pior das hipóteses, depois de a banda aterrar no cartaz de um festival do burgo, seja venerado por milhares de tugas. Vai uma aposta?

"Cuckoo" [Sub Pop, 2011]

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Discos pe(r)didos #58








THE WENDYS
Gobbledygook
[Factory, 1991]




Nos alvores da década de 1990, não se sabe por pressentir a bancarrota iminente, se por remorso de ter enjeitado a contratação dos Stone Roses anos antes, Tony Wilson fez da Factory uma editora rendida à onda baggy. O gesto traduziu-se na contratação de um pequeno número de bandas a operar no cruzamento da pop com a dança, aparentemente sem qualquer critério que não fosse lucrar com a tendência que então agitava o Reino Unido. 

Do conjunto, não hesito em apontar os escoceses The Wendys como os únicos dignos de nota de destaque. Poucos meses após a formação, já a procissão baggy tinha passado o adro, o quarteto de Edimburgo lançava o primeiro álbum, merecedor de aclamação crítica mas, para o mal das necessidades económicas da editora, muito aquém das expectativas em termos de mercado. Talvez derivado das origens da banda, Gobbledygook distingue-se do grosso da produção da altura inscrita na mesma tendência mormente pelo sublinhado que põe na composição de canções pop escorreitas, deixando o frenesim dançante num segundo plano. A própria voz de Jonathan Renton privilegia o timbre melódico, em detrimento do tom sarcástico, como quem solta invectivas panfletárias, que era comum entre os seus pares. Por exemplo em "Pulling My Fingers Off", tem a suavidade mellow de um Tim Burgess (The Charlatans), também ele menos dado a efusividades que a maioria, enquanto que em "I Want You And I Want Your Friend" está próxima da expressividade dos épico-líricos pop de meados de oitentas.

Não se pense com isto que Gobbledygook é um disco mais apontado ao sentimento que aos prazeres da dança. Antes pelo contrário, convida a dançar sim, mas de uma forma contida, cool, sem o espalhafato galhofeiro de uns Happy Mondays. À semelhança destes, os Wendys resgatam as guitarras lânguidas de uns Stones da melhor safra, que libertam sensualmente sobre os baixos pulsantes e as batidas sincopadas. Neste último ponto revisitam-se estéticas post-punk, nomeadamente o ritmo esquizofrénico de uns The Fall em "Halfblind", inclusive relembrado em certas tonalidades da voz. Neste tema, e também nos groovíssimos "Removal" e "Halfpie" há um certo sentir afro que, arrisco dizer, com a contenção típica dos Wendys, antecipa em décadas os ritmos tão louvados dos hiper-mega-sobrevalorizados Vampire Weekend.

O inevitável destino da Factory, de todos conhecido, redundou na falência decretada em 1992, a punir anos de má gestão. Os Wendys viram-se assim sem editora, entregues à sua sorte, num cenário em que as guitarras vindas do outro lado do Atlântico falavam mais alto. Só voltaram a lançar um álbum, perante a indiferença generalizada, em 1999, pouco antes de porem um ponto final na carreira. Ficou assim por cumprir a profecia anunciada na derradeira faixa do seu excelente disco de estreia: "The Sun's Going To Shine For Me Soon".


"Pulling My Fingers Off"


"I Want You And I Want Your Friend"


"The Sun's Going To Shine For Me Soon"

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Backgazing
















Para além de ser uma das mais estimulantes editoras independentes da América actual, no que a "descobertas" diz respeito, a Captured Tracks começa também a representar um importante papel no campo das reedições. Ainda há relativamente pouco tempo, a editora nova-iorquina fez chegar ao mercado compilações de dois dos tesouros mais bem guardados do indie britânico de ointentas: The Servants e The Wake. Em qualquer dos casos, e na eventualidade de não haver motivos musicais para a aquisição das rodelas, poderíamos sempre invocar a importância das bandas por terem integrado, em determinada altura do seu trajecto, dois figurões da década seguinte, respectivamente Luke Haines (The Auteurs) e Bobby Gillespie (Primal Scream).

Dando asas à veia arqueologista do fundador Mike Sniper (também mentor dos Blank Dogs), a Captured Tracks tem prevista uma série de reedições dedicadas às obscuridades shoegaze. A iniciativa leva o apropriado título The Shoegaze Archives. Pelo primeiro par de lançamentos anunciados, mais lá para finais de Novembro, somos levados a pensar que a coisa de baseie na facção norte-americana do movimento, persistente no tempo muito para além do desvanecer da "cena" original britânica. Um deles é A Folding Sieve, único EP de toda a carreira dos texanos shiFt que, à semelhança do que aconteceu há uns anos, será expandido e creditado aos Should, designação assumida pela banda até à actualidade. O outro é Oceanside 1991-1993, compilação que reúne os EPs dos jersianos deardarkhead naquele período além de outras curiosidades. Pelas amostras, somos levados a pensar que os primeiros enveredam por uma via mais abstraccionista, enquanto os últimos optam por uma sonoridade de atmosferas diáfanas. Ambos, conclui-se, são bem merecedores de um "estudo" aprofundado.


shiFt (Should) _ "Faded" [N D, 1995]


deardarkhead _ "Oceanside" [Fertile Crescent, 1992]

Mil imagens #23


Pavement - Nova Iorque, 1996
[Foto: Christian Lantry]

domingo, 9 de outubro de 2011

A divina comédia















Há uns quatro meses, num concerto a que lamentavelmente não pude assistir, os jersianos Big Troubles aterraram no palco da ZdB, acompanhados nessa mesma ocasião por Julian Lynch e os Ducktails, para uma noite de celebração das novas sonoridades indie estado-unidenses. Na altura, traziam no currículo apenas e só o álbum Worry (2010), gravado sob uma rigidez lo-fi e imerso num mar de feedback mas, ainda assim, capaz de demonstrar a vontade de escrever canções catalogáveis como pop. À semelhança de muita produção conterrânea actual, é uma obra que não fica imune às influências shoegaze.

Quem ouviu o trabalho de estreia dos Big Troubles poderá não os reconhecer no novíssimo Romantic Comedy, tal a radicalidade da mudança estética operada por Mitch Easter, antigo frontman dos power-poppers Let's Active e produtor que fez nome com R.E.M., Pavement e Helium, entre muitos outros. Esta será, porventura, uma operação que não deixa de conter os seus riscos, até porque, ao abrir a uma maior acessibilidade, poderá alienar alguns dos seguidores iniciais da banda. Contudo, o perigo e o mérito têm de ser repartidos com a própria banda, autora de uma dezena de temas de travo agridoce que exibe uma exuberância pop que julgávamos impossível há poucos meses. Desta feita, os radares são apontados para Reino Unido indie de finais de oitentas. Por conseguinte, canções como a inaugural "She Smiles For Pictures" resultam como uma espécie de jangle-pop polido, reminiscente de uns The Weather Prophets mas também do brilho fosco do trabalho assumidamente mais pop dos Pernice Brothers. Já "Make It Worse", com os seus floreados de guitarras, lembra aqueles raros momentos em que uns The Cure se deixaram banhar pela luminosidade. Por seu turno, a amostra infra tem a grandiloquência e a simplicidade doseadas de forma a aspirar à intemporalidade pop. Na fronteira com o oportunismo xoninhas para conquista das massas (olá Pains of Being (Im)Pure at Heart!), mas ainda bem dentro do "lado dos bons", Romantic Comedy sabe ser uma das bandas sonoras possíveis para este Verão tardio.

"Sad Girls" [Slumberland, 2011]

sábado, 8 de outubro de 2011

Singles Bar #68








THE LOFT
Up The Hill And Down The Slope
[Creation, 1985]




Com uma carreira a solo que já vai longa, e hoje mais que nunca mergulhada na obscuridade, Peter Astor tem também integrado bandas em quantidade e qualidade, apesar de, normalmente, desaparecem num ápice. Foi ele o mentor de projectos como The Weather Prophets, Ellis Island Sound e The Wisdom of Harry, qualquer um deles merecedor de pequenos cultos no meio indie. Antes de todos, lançou-se nas lides musicais como líder de The Loft, banda que nunca chegou sequer a gravar um álbum mas que, graças à amizade com Alan McGee, faria parte da primeira leva de bandas da Creation Records. Eram os tempos que McGee e os seus acólitos viviam obcecados com a época áurea da pop de sessentas, e da sub-cultura mod em particular, como facilmente se afere da obra do próprio à frente dos Biff Bang Pow!.

Para a posteridade, os The Loft deixaram simplesmente dois singles, o último dos quais, Up The Hill And Down The Slop, é um autêntico marco na estética jangle-pop e, quiçá, na florescente cena indie de meados de oitentas. No tema-título são por demais evidentes as heranças dos Velvet Underground, bem sublinhadas no tropel de guitarras de gumes afiados. A letra, pura subtileza sobre o acto sexual, denota a mesma secura e o mesmo pendor literário que encontramos nos seminais Television, outra das bandas mais queridas dos indie-poppers de então. Neste último ponto, os The Loft estabelecem afinidades com os contemporâneos Felt, banda com a qual, segundo costa, mantinham um relacionamento de respeito mútuo. Na comparação entre ambas, o grande trunfo dos The Loft, arrisco a dizer sob pena de excomunhão, era a voz de Astor, substancialmente mais dotada que a de Lawrence. Para o lado B fica guardada uma faceta menos exuberante. Tema mais contido na energia, "Lonely Street" segue num ritmo lento de quase valsa, a fazer lembrar a ironia retorcida de uns Go-Betweens nos temas compostos e interpretados por Robert Forster.

Com uma obra escassa em demasia para a promessa que constituíam, os The Loft viram reconhecida a sua importância no seio da Creation por David Cavanagh, o jornalista musical responsável pela escrita da história "oficial" da editora. Esse volume, de leitura obrigatória para qualquer adepto indie, leva título sacado à letra da sua canção mais proeminente, precisamente My Magpie Eyes Are Hungry For The Prize.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Mixtape #13 - Losing Touch With My Mind

[Imagem: Patrick Hoesly]


Para hoje, gostaria de vos convidar a uma hora e pouco de deriva mental. É mais uma compilação com a marca April Skies, desta vez carregada de sons da nova psicadelia. Os protagonistas são, consoante a perspectiva,  os netos de Roky Erickson e os sobrinhos dos Spacemen 3, algo que nos últimos dez/doze anos se tem multiplicado como cogumelos, sobretudo nos territórios da América do Norte. Alheia a esta disseminação não será certamente a vaga arqueologista que assola a música actual, mas também uma nova postura de contra-cultura em tempo que as atitudes gregárias são a norma. Destes dezasseis temas, que de forma alguma pretendem ser um retrato definitivo do "movimento", podem esperar muitas vozes projectadas, muita reverberação, e muitas drone machines. Alguns deixam-se contaminar pelo shoegaze, muitos mais pelo kraut, ainda outros são mais ortodoxos na abordagem, todos têm propósitos lisérgicas. 
Que a viagem comece...


01. BARDO POND _ "Sunrise" (2001)
02. SECRET MOUNTAINS _ "Rejoice" (2010)
03. CREEPOID _ "Hollow Doubt" (2011)
04. BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB _ "White Palms" (2001)
05. THE VACANT LOTS _ "Confusion" (2011)
06. THE BLACK ANGELS _ "Black Grease" (2006)
07. PSYCHIC ILLS _ "January Rain" (2006)
08. ALL THE SAINTS _ "Regal Regalia" (2008)
09. THE BRIAN JONESTOWN MASSACRE _ "Here It Comes" (2003)
10. LUMERIANS _ "Burning Mirrors" (2011)
11. MOON DUO _ "Run Around" (2011)
12. TAME IMPALA _ "Half Full Glass Of Wine" (2008)
13. THE ASTEROID #4 _ "Go Ahead" (2006)
14. PINK MOUNTAINTOPS _ "Plastic Man, You're The Devil" (2006)
15. THE WARLOCKS _ "Come Save Us" (2005)
16. THE VANDELLES _ "Losing Touch With My Mind" (Spacemen 3 cover) (2011)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

R.I.P.


BERT JANSCH
[1943-2011]

Faleceu hoje, vítima de cancro do pulmão, Bert Jansch, música escocês, autêntica lenda da folk britânica, e um dos raros guitarristas a quem podemos chamar virtuoso sem que isso implique embaraço. Com uma carreira que que remonta a meados dos sixties, deixou gravada uma extensa e influente obra a solo que causou grande impacto em devotos assumidos como Johnny Marr, Graham Coxon, Jimmy Page, Bernard Butler, ou Neil Young. Sobre ele, disse este último que teve igual importância para a guitarra acústica como Jimi Hendrix teve para guitarra eléctrica. Ecos da sua música são também detectáveis na obra do igualmente lendário Nick Drake.

Entre 1968 e 1973 integrou também os Pentagle, colectivo fusionista de enorme aceitação crítica que conjugava folk-rock com elementos do jazz. Do global da obra, e sem desprimor para os restantes, merecem maior destaque o álbum homónimo de estreia de 1965 e Black Swan (2006), derradeiro trabalho editado em vida que veio renovar o interesse das novas gerações pela sua música. Em ambos, tal como na restante obra, ficam bem patentes a complexidade dos arranjos e a técnica apurada. A título de amostra, fica um tema de cada um deles, o último uma reinterpretação de um bem conhecido tradicional nas vozes de Beth Orton e Devendra Banhart, apenas dois dos muitos convidados que incluiu nos seus discos.


"Needle Of Death" [Transatlantic, 1965]


"Katie Cruel" [Drag City, 2006]

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

P**a de vida
















Quando emergiu do isolamento do quarto, há coisa de dois anos, Nathan Williams trazia consigo um conjunto de temas que, apesar das precárias condições de gravação, eram autênticas vinhetas do mais puro ennui juvenil. Generoso em ruído e distorção, Wavvves era veículo escapista para um puto aborrecido com o mundo dos crescidos e indiferente à ortodoxia pop, um pouco à semelhança do Kurt Cobain pré-fama. A exposição, ainda que limitada ao reduto underground, causou mossa, e Nathan deu alguns sinais de perturbação em ocasiões por demais documentadas. Não obstante o caos que ainda caracteriza cada actuação, o equilíbrio parece ter sido reposto com a chegada da antiga secção rítmica do finado Jay Reatard, momento que coincidiu com à elevação dos Wavves a banda propriamente dita. A acalmia dos ímpetos emocionais teve reflexo no último King Of The Beach, passo evolutivo com concessões ao formato canónico de canção pop, mas igualmente injectado de uma energia inesgotável.

Para aqueles que não ficaram totalmente satisfeitos com a operação de cosmética levada a cabo no trabalho do ano passado, que, sem desprimor para a qualidade das canções, desvirtuou o conceito que primeiramente nos atraiu no jovem músico, a compensação já anda aí. Chama-se Life Sux, consiste num EP composto por cinco petardos punk-pop imparáveis e impregnados de coros irresistíveis que, sem assumir em absoluto o regresso à pureza lo-fi de antigamente, funciona como um meio-termo entre as duas facetas. Mesmo com uma audição desatenta, Life Sux permite desde logo discernir ecos da alvorada de noventas que remetem  para bandas como os Dinosaur Jr. ou os próprios Nirvana. Interessa referir que a namoradinha Bethany Cosentino (Best Coast) é a responsável pelos coros na lascívia juvenil de "Nodding Off", enquanto Pink Eyes (dos Fucked Up) fornece a berraria no devastador "Destroy". Porém, o destaque do conjunto vai inteirinho para a amostra infra, ironia certeira com referência ao omnipresente proclamado Mr. Cool e recado/ameaça ao detractores. Mesmo com as incorrecções gramaticais, aquele "You're still never gonna stop me" é para ser levado a sério.


"I Wanna Meet Dave Grohl" [Ghost Ramp, 2011]

sábado, 1 de outubro de 2011

Good cover versions #58















14 ICED BEARS _ "Coming Down" [Thunderball, 1989]
[Original: The United States of America (1968)]



Colectivo de breve existência, os angelinos The United States of America são um dos segredos mais bem guardados do movimento contra-cultura que agitou o país que lhes deu o nome em finais de sessentas. Renderam apenas um álbum, único também na proposta que apresentava, com pretensões arty e orientada algures na intersecção de diferentes projectos mais conhecidos da mesma época. Assim, assimilavam elementos de diferentes proveniências, tais como o positivismo acidificado dos Jefferson Airplane, a exploração electrónica pioneira dos Silver Apples, ou até os encantos enegrecidos dos Velvet Underground com Nico.  Acredite-se ou não, esta sonoridade tão peculiar teve forte impacto em projectos recentes como os finados Broadcast, influência que, de resto, os próprios nunca refutaram. Na sua curta duração, inferior aos três minutos, "Coming Down", um dos temas desse álbum único, é a súmula perfeita da combinação dessas diferentes sensibilidades.

Igualmente originais no contexto das bandas nascidas da explosão indie propiciada pela C86, porque rendidos ao então demodé psicadelismo, os britânicos 14 Iced Bears seriam certamente conhecedores desta e de muitas outras obscuridades do género. Por inerência, tiveram direito à sua reinterpretação de "Coming Down", relativamente fiel ao original mas, ainda assim, em linha com outras expressões indie contemporâneas. A primeira diferença significativa que ressalta das duas versões é a voz, feminina e encantada no original, masculina e imberbe na releitura. Embora substancialmente menos dados aos delírios hedonistas que alguns dos seus pares mais célebres, os 14 Iced Bears têm aqui uma inusitada concessão ao groove. Como resultado, a espaços, temos a sensação de estar na presença de uma variação empoeirada do brilho multicolor com que, à época, os Stone Roses agitavam as massas.