"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Bons amigos















Cá por casa buscam-se, com uma frequência quase diária, novas sobre os Tashaki Miyaki, uma dupla angelina que vos "apresentei" vai para mais de um ano. Até à data, continua a aguardar-se o anúncio do álbum de estreia desta banda tão promissora. Porém, a insistência não tem sido completamente inglória, pois assim vou sabendo em primeira mão dos pequenos formatos que a parelha vai lançando amiúde, o que, por outro lado, apenas alimenta a ansiedade pela prova-dos-nove do longa-duração.

O último desses pequenos formatos, pelo menos em formato físico, é um 7'' intitulado Best Friend que deverá ser mesmo motivo para total aclamação. Muito por culpa do tema-título, uma pérola de uma pop sonhadora com moderado fuzz e uma boa dose de sacarina. Logo à primeira escuta, são detectáveis ecos dos Mazzy Star e dos Galaxie 500 em igual intensidade, nomeadamente a veia folky dos primeiros e a aura estelar dos últimos. Contudo, os Tashaki Miyaki insuflam "Best Friend" de um cunho pop e de uma sensualidade falsamente ingénua que estavam ausentes nas canções daqueles dois nomes maiores. A condizer com o enlevo da música, o magnífico vídeo promocional (ver abaixo) é um pequeno road movie a preto-e-branco que termina com a tensão de um final em aberto. Por seu lado, "Tonight", o lado b, é uma espécie de power-pop no feminino desacelerado, um pouco a hipótese de umas Bangles sem medo de fazer uso dos pedais de efeitos.

Para além de gente talentosa e com bom-gosto, os Tashaki Miyaki são também gente generosa. Isto porque acabam de disponibilizar, para download completamente gratuito, dois registos completamente preenchidos com algumas das muitas versões que têm feito. Um deles contempla originais de Father John Misty, Bob Dylan e Sam Cooke, o outro inclui duas versões de outros tantos clássicos mainstream dos eighties. É ir aqui e aqui e aproveitar a oferta, porque nenhuma das versões é inferior a boa e porque amigos destes não há muitos.

 
"Best Friend" [Luv Luv Luv, 2012]

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Ao vivo #98

















Alva Noto @ Teatro Maria Matos, 27/11/2012

Nome incontornável da chamada electrónica minimalista e territórios adjacentes, Alva Noto parece gozar de um culto sólido dentro destas fronteiras. Se dúvidas houvesse, elas ficaram desfeitas ontem pela excelente moldura humana que compunha a plateia do Maria Matos, justamente em dia de semana e dia de concerto na capital de um "fenómeno" que ainda estou para entender. Falando pela generalidade, diria que, por muito altas que fossem as expectativas, poucos esperariam um dos melhores concertos a que esta cidade assistiu nos tempos mais recentes. Ou melhor, não um simples concerto, mas um espectáculo pluridisciplinar, no qual som e imagem desempenham papel de igual importância, talvez só possível de realizar na sua plenitude com as magníficas condições oferecidas pela - não tenham dúvidas! - melhor sala de espectáculos lisboeta.

Nascido Carsten Nicolai, este músico alemão tem já obra significativa, tanto em solitário, como em colaborações com músicos de sensibilidades idênticas ou nem por isso. Ao Maria Matos trouxe Unvrs (2011), o seu último álbum, com o propósito de demonstrar o porquê de ser tratado como artista audiovisual. Ao desconforto inicial provocado pelas interferências quase industrias e pela imprevisibilidade das batidas, segue-se um período de relativa percepção dos múltiplos sons que são oferecidos aos sentidos (por algum motivo se fala em micro-electrónica). Daqui em diante, até à imersão, para não dizer o total abandono, na peculiar linguagem de Alva Noto é apenas um instante. Para tal, muito contribuem as projecções em tela gigante, que nos expõem aquilo a que chamaria "as entranhas da música" em diferentes gráficos que vão reagindo aos sons debitados. A cada trecho, estes gráficos são-nos apresentados em diferentes planos, sempre no sentido do geral para o pormenor, proporcionado a verdadeira experiência "sound + vision". Recusando a frieza com que é conotado, Alva Noto faz-nos ainda perceber que é um espectador atento da alienação do mundo actual com uma bizarra e divertida peça, na qual se sucedem, à velocidade dos ritmos, toda e qualquer sigla de três letras conhecida, devidamente acompanhada do respectivo logotipo e do nome pronunciado num francês robótico. Este é o típico número que fará sempre mais sentido vivido do que contado, como praticamente todo o espectáculo, impossível de teorizar em palavras que serão sempre escassas.

Ao fim de uma hora, perante a ovação geral de uma plateia por fim na posse dos seus sentidos, Alva Noto regressa ao palco disposto a presentear-nos pelo aplauso. Antes não o tivesse feito, pois o curto trecho apresentado - não mais que uma reinterpretação dos instantes finais do concerto - não flui o tempo suficiente para nova viagem aos interstícios dos sons. Contudo, este é apenas um pormenor que retira brilho a um espectáculo de altíssima nota em todos os critérios.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Ooh la la

















Vivemos, indiscutivelmente, um período de reciclagem de vários passados, mais ou menos distantes consoante os casos. Neste espírito de nostalgia, as diversas expressões musicais conotadas com o psicadelismo estão na ordem do dia, mormente na Califórnia de origem, mas também um pouco espalhadas pelo globo. Seguidores desta tendência, os Allah-Las vêm, por acaso, da terra de adopção da coisa, mais precisamente de Los Angeles. Segundo reza a história, estes quatro rapazes trabalharam todos eles numa loja de discos, na qual foram sujeitos a uma dieta musical diária à base da compilação Nuggets original e de alguns produtos similares, o que acabaria por se reflectir na música que produzem. De tal forma imersos na década de sessentas, e para que não restem dúvidas quanto a tal, contam que o nome da banda faz referência às históricas Shangri-Las.

Com tais propósitos, seria expectável Allah-Las, o álbum de estreia lançado há um par de meses perante o júbilo de muitos e a indiferença de outros tantos, fosse um mergulho nos bons velhos sixties. Com efeito, a dúzia de temas que o compõem, registados sem qualquer espécie de efeitos como que a querer atestar uma maior autenticidade, é uma espécie de súmula dos sons west coast e da british invasion que, há quase cinco décadas, faziam as delícias de uma boa fatia da juventude norte-americana. Ao longo da audição são facilmente detectáveis ecos de The Byrds e The Animals no seu estado mais pop, ou dos Stones da sua fase ainda imberbe. Como curiosidade, há até um tema (instrumental) com pitadas de tropicalismo bossanova. Porém, a marca mais vincada em Allah-Las é a do psych-garage, com assumida reverência pelos primeiros Love, pelos Count Five, e pela Chocolate Watchband. A fidelidade a essas referências é tal que me chego a questionar se o mundo precisa destas canções quando já tem os "originais". O cepticismo dissipa-se quando me deixo embrenhar nos temas solarengos dos Allah-Las, danadas de catchy e com alto teor melódico.

 
"Tell Me (What's On Your Mind)" [Innovative Leisure, 2012]

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Hormonas de baixa fidelidade



















Se John Peel ainda fosse vivo, temos a certeza que, ao contrário do comum dos mortais, não lhe passaria despercebido cada novo registo dos Half Man Half Biscuit ou dos The Fall. Aliás, até seria bastante provável que, nas suas emissões radiofónicas, os difundisse com o entusiasmo e a frequência que lhe eram habituais. Sem novos discos para divulgar, presume-se que os finados Hefner fossem revisitados com alguma assiduidade. Afinal de contas, o guru da "rádio indie" britânica nunca escondeu a sua afeição por bandas que fazem música desengonçada, privilegiando a crónica jocosa de costumes em relação ao primor técnico da execução. Partindo deste pressuposto, caso Ele fosse vivo, estamos em crer que cairia de amores pelos The Pheromoans, um sexteto que, na linha de uma longa tradição tipicamente inglesa, cumpre ambas as premissas e, diria, vai até mais além.

Oriunda da cidade costeira de Brighton, esta banda já cá anda desde meados da década passada, tendo até à data lançado quatro álbuns de distribuição algo restrita. Só com o último - o recente e mui recomendável Does This Guy Stack Up? - espreitaram para além da barreira da obscuridade e me chegaram aos ouvidos. Sem uma colagem óbvia às referências supracitadas, o quarto longa-duração dos The Pheromoans é um tratado crítico do quotidiano inglês, não dispensando um humor cáustico que passa pela auto-indulgência. Na dúzia de temas que ameaçam desintegrar-se a cada instante, tal o "amadorismo" imposto, e sem enjeitar algum experimentalismo, sobre o trio de instrumentos tradicional do pop-rock, impera um órgão infantilóide com reminiscências das edições da editora Cherry Red dos primeiros tempos, em período pós-punk. A voz arrastada e desafinada de Russell Walker, aqui e ali possuída pelo desvario, bem como a deliberada naïvité, acabam por resultar como factores de credibilidade às breves tiras do dia-a-dia, quase como se estas nos fossem relatadas pelo vizinho do lado. Por conseguinte, na sua voluntária imperfeição, Does This Guy Stack Up? contém em si mais sinceridade que os últimos 30 discos de cada das últimas 20 tendências hipster todos juntos.

 
"Grab A Chair" [Upset The Rhythm, 2012]

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Mil imagens #34



Nirvana - Seattle, 1993
[Foto: Anton Corbijn]

First exposure #49
















TEMPLES

Formação: James Bagshaw (voz, gtr); Thomas Warmsley (bx, voz); Sam Toms (btr); Adam Smith (tcls)
Origem: Kettering, Inglaterra [UK]
Género(s): Pop, Psych-Pop, Indie-Pop
Influências / Referências: The Beatles, The Byrds, Tame Impala, The Turtles, The Coral, The Stone Roses, Shack

 
"Shelter Song" [Heavenly, 2012]

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Trigémeos

















Já começam a faltar as palavras para o elogio a Ty Segall, em definitivo o wunderkind da nova safra garage-pop de cariz lo-fi que tem brotado, essencialmente, da Califórnia, mas também um pouco do resto do território dos states. Além de talentoso e conhecedor do legado rock, e apesar da sua tenra idade, é também um puto altamente produtivo. Só neste ano já nos deu Hair, o disco em colaboração com White Fence com uma abordagem ao psicadelismo num regime quase jam, e Slaughterhouse, álbum gravado com a sua banda de palco no qual mostra devoção pelo história do hardcore e de algum rock mais duro.

Faltava apenas o disco exclusivamente em nome próprio, lacuna colmatada com a edição de Twins, que já roda por aqui há coisa de um mês. Neste que já é o seu sexto álbum, se contarmos apenas os da discografia "linear", Segall prossegue a aproximação a um formato convencional de canção, iniciada no anterior e excelente Goodbye Bread (2011). Para trás ficaram já os esboços de canções envoltos em ruído de outrora. Mas, como é seu hábito, ainda investe em força no fuzz, numa dúzia de temas maioritariamente curtos que percorrem os mil e um géneros pelos quais sente afinidade. Assim, não é de espantar que, a um tema de inspiração glam, com voz em falsetto e tudo, suceda uma descarga de sujidade garage, ou que a um outro de inflexão jangle-pop se siga uma balada lisérgica. Como os amigos são para as ocasiões, é num tema de estirpe praticamente incatalogável que Brigid Dawson, dos aliados Thee Oh Sees, dá uma preciosa ajuda:

 
"The Hill" [Drag City, 2012]

R.I.P.



PETE NAMLOOK
[1960-2012]

Embora só hoje tenha sido tornada pública, já ocorreu no passado dia 8 de Novembro a morte de Pete Namlook, por causas ainda desconhecidas até esta data. Nascido Peter Kuhlmann, este alemão dedicou uma boa parte dos seus quase 52 anos de vida à música electrónica, quer como executante, quer como produtor, ou ainda como patrocinador da obra de outrem. Neste último papel, fundou em 1992 a editora FAX, inicialmente pensada para lançar a sua música, mas que acabou por servir de selo a muitos afiliados e amigos.

Com interesses musicais tão diversos como Chopin ou Miles Davis, Tangerine Dream ou Pink Floyd,  Jobim ou Brian Eno, Namlook produziu uma vasta obra que percorre diferentes sub-géneros da electrónica, pese embora o seu nome seja mais habitualmente associado ao ambient. Estima-se que tenha gravado à volta de 130 discos, quer em solitário, quer em inúmeras parcerias consoante a tendência de cada um deles. Entre os músicos e projectos com quem colaborou listam-se nomes como Atom Heart, Biosphere, Bill Laswell, Klaus Schulze, ou Richie Hawtin. Foi com este último, o anglo-canadiano também conhecido por Plastikman, que gravou um dos seus trabalhos mais consagrados, um tríptico que constitui um marco no ambient e na techno minimalista de noventas.

Future Surfacing (What Lies Ahead) by Pete Namlook & Richie Hawtin on Grooveshark
[FAX, 1995]

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

10 anos é muito tempo #37









THE LIBERTINES
Up The Bracket
[Rough Trade, 2002]




Num fácil exercício de memória, ainda me lembro de a aceitação global dos americanos The Strokes só ter ocorrido, ironicamente, quando os discos da banda começavam a perder o fulgor inicial. O mesmo terá acontecido com os White Stripes, cujo disco do breakthrough, tal como o de estreia dos nova-iorquinos, foi de entusiasmo inicial quase exclusivo no Reino Unido. Quase, porque há sempre espalhados por esse mundo, uns quantos que ouvem a música antes darem a sua reprovação baseada naquele preconceito para com o hype de origem britânica. Daqui se conclui que, em inícios do século presente, os súbditos de Sua Majestade estavam sequiosos da adrenalina deste rock revigorado, e foi neste clima que lançaram para a linha da frente The Libertines, um grupo de amigos londrinos que há anos andava a espalhar as suas trovas rock pelos pubs dessa Inglaterra profunda. Orgulhosos das suas origens, estes intrépidos "bifes" demarcavam-se dos concorrentes ianques pelas suas referências, assentes na tradição musical da casa. Por conseguinte, os Libertines rapidamente se tornaram um símbolo da englishness, filtrando quatro décadas de rock britânico, tal como antes havia sido refinado por bandas como The Smiths, The Jam, ou The Clash.

Não sendo propriamente uma banda de consensos, bem longe disso, é natural que os fiéis de tais vacas sagradas não revejam tais referências no caos libertário dos Libertines. E terão algumas razões para isso, até porque a inspiração mais vincada da banda é bem mais obscura. Falo concretamente dos The Only Ones, outros londrinos cuja música denotava a mesma despreocupação pela perfeição, com o líder Peter Perrett a entoar igualmente tiras do quotidiano com a mesma preguiça vocal de Carl Barât e Pete Doherty, a dupla de vocalistas/guitarristas dos Libertines. Nas palavras do próprio Doherty, Perrett era para si uma espécie de ícone. Infelizmente não o foi apenas na música, mas também em alguns maus hábitos e desventuras que já estão mais que documentados e discutidos e que pouco ou nada têm a ver com a música. No entanto, e voltando às três bandas citadas, são indisfarçáveis os ecos de qualquer delas no meio da sujidade de Up The Bracket, o disco de estreia que catapultou os Libertines para os estatuto de adorados da crítica e (parte) do público britânicos. Logo no inaugural "Vertigo", é indisfarçável a mesma guitarra gingona da qual Johnny Marr muitas vezes fazia uso. Quanto ao balanço misturado com o impulso punky de Paul Weller e seus pares, estão bem patentes no excelente "Boys In The Band", tema que ironiza sobre os clichés do universo rock, à semelhança do que acontece no visceral "The Boy Looked At Johnny". A abrasão dos Clash dos primórdios, portanto antes da deriva para sons de outras paragens, está bem presente nos enérgicos "Time For Heroes" e "I Get Along". Além disso, a produção de Up The Bracket ficou a cargo do ex-Clash Mick Jones que, com experiência e muita paciência, soube domar a indisciplina dos quatro rapazes apenas até ao ponto de não eliminar a subversão, tarefa antes tentada mas não conseguida pelo ex-Suede Bernard Butler.

À parte a capacidade para filtrar referências, elogie-se nos Libertines o talento enquanto compositores da dupla Barât/Doherty, ambos a personificação da libertinagem do verdadeiro espírito rock, embora não reconhecida por todos pois, como já referido, esta é daquelas bandas capazes de gerar amores e ódios em igual medida. Factores para a dúvida em relação à genuidade dos Libertines talvez sejam a aversão ao hype e a uma certa arrogância de alguns, algo que já antes tinha ocorrido com os Oasis. Já que se fala da banda dos irmãos Gallagher, deixem-me lançar-vos a provocação de afirmar que Up The Bracket é o mais importante disco rock de matriz britânica desde Definitely Maybe (o magnífico debute dos Oasis), e talvez o último desde então, se excluirmos a estreia dos Arctic Monkeys. Um par de anos volvidos, e já em desagregação, os Libertines ainda lançaram um digno sucessor, um álbum que funcionou como uma espécie de lamber das feridas para os dois frontmen alegadamente desavindos depois de muitos anos de amizade. E depois implodiram, ainda em plena forma. Querem atitude mais rock que esta?!

Time For Heroes by The Libertines on Grooveshark

Up The Bracket by The Libertines on Grooveshark

I Get Along by The Libertines on Grooveshark

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Sidewalking
















À parte ser hoje um bastião do actual fuzz-pop, tanto nas facções dreamy como noisy, a Slumberland Records tem também desempenhado um papel fulcral na reedição de pequenos tesouros dentro deste espectro da pop ao qual prestam serviço há mais de 20 anos. Por enquanto, e até algo estranhamente, ainda não foi contemplado Everyone Must Touch The Stove (1995), álbum único dos Lorelei, uma das bandas da primeira fornada da editora. Oriundos de Washington D.C., e por isso conterrâneos mas também contemporâneos dos emblemáticos Black Tambourine, os Lorelei cedo divergiram da toada dreamy destes para uma abordagem mais experimentalista. O seu contributo para a história é um disco composto por uma dezena de temas estilhaçados, que lançam algumas pistas para o meio post-rock subsequente, mas que nunca perdem o sentido melódico. De salientar o trabalho do guitarrista Matt Dingee, a espaços familiar com o dos Wedding Present da melhor safra. Não será por acaso que David Gedge consta entre os entusiastas de Everyone Must Touch The Stove.

Talvez pela motivação originada por uma nova vaga fuzz, sabia-se já que as esporádicas reuniões dos Lorelei em palco se tinham tornado mais frequentes. Daí até à gravação de um disco foi um passo, e Enterprising Sidewalks aí está, para mostrar às novas gerações que quem sabe não esquece. Menos rico na variedade de instrumentos (maracas, marimbas, tímpanos, e outros "exotismos") que o distante antecessor, o novo disco assenta basicamente na santíssima-trindade rock. No entanto, os novos temas mantêm intacta a vontade de fugir à previsibilidade, funcionando cada um deles como uma entidade distinta nas suas diferentes ambiências. Ao nível da ruideira, os Lorelei continuam generosos, privilegiando agora a projecção dos sons, criando uma aura vagamente spacey. Portanto, mais que nunca, fazem jus à afirmação de alguém que um dia disse que poderiam ser uma banda do colectivo Elephant 6 que andou a ouvir Bailter Space no lugar de The Beach Boys.


"Hammer Meets Tongs" [Slumberland, 2012]

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ao vivo #97














Laurel Halo + Tropa Macaca @ MusicBox, 10/11/2012

Aqui há coisa de meio ano, aquando da anterior passagem de Laurel Halo pelo burgo, apontava a esta jovem norte-americana algumas carências ao nível da qualidade vocal. Entretanto, após repetidas audições de Quarantine, o excelente álbum em que faz um maior uso da voz e que acabou por trazer algum arejamento ao soturno catálogo da Hyperdub Records, a estranheza inicial parece ultrapassada. Ainda que assim não fosse, esse pormenor não constituiria senão no concerto do passado sábado, pois neste, apenas em um dos temas a moça nascida Ina Cube se apodera do microfone. No resto, a voz surge apenas samplada pois, desta feita, opta por uma actuação baseada numa "remistura" em directo, ao invés de apresentar os temas próximos das suas versões gravadas. Em regime non-stop, funde a essência do último álbum e do EP que o antecedeu sem, contudo, ocultar traços de reconhecimento. Mais do que mera curiosidade, o espectáculo acaba por revelar uma outra faceta de Halo, diga-se, desempenhada com assinalável destreza. Por seu turno, a sua música, normalmente mais dada ao deleite auditivo em privado, ganha um balanço rítmico que a atira para as pistas de dança menos dadas ao previsível.

Com algum atraso relativamente ao previsto, a abertura da noite coube à dupla portuguesa Tropa Macaca, um casal já com algum currículo nos meandros "exploratórios" da música nacional. Recentemente editaram pela Software Records, selo fundado por Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never) com crescente reputação no meio. E diga-se que o meio dos Tropa Macaca não é o da convencionalidade, algo que fazem questão de deixar claro ao primeiro tema, no qual a guitarra liquifeita próxima de uns Durutti Column encontra oposição nos processamentos electrónicos desconexos. A sensação inicial só pode ser de estranheza, dissipada progressivamente nos temas seguintes, com maior homogeneidade das texturas sonoras, varáveis entre o idílico e a afronta noisy. Ficam do concerto boas impressões para exploração futura.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

À solta na rede



















Há coisa de um quarto de século, quando os Public Enemy tomavam de assalto o trono do hip-hop, em jeito de provocação, o então respeitável New Musical Express proclamava-os "a maior banda rock'n'roll do mundo". Não deixava de haver verdade nesta invectiva pois, num cenário rock moribundo, o colectivo nova-iorquino encabeçado por Chuck D personificava, melhor que nenhum outro, o vanguardismo e a rebelião que estavam na essência da coisa. De então para cá, e apesar da crescente viabilidade comercial, à parte uns quantos projectos que estiveram longe de causar o incómodo de consciências dos Public Enemy, no universo hip-hop e zonas limítrofes foram rareando ideias. As massas ainda foram cativadas por algumas fusões com o próprio rock, algo que, apesar do entusiasmo inicial, cedo evidenciou falta de genuinidade.

Era este o estado de coisas até que, há uns escassos dois anos, em Sacramento, Califórnia, surgiram como que vindos do nada os Death Grips, trio que, à falta de melhor descrição, é muitas vezes arrumado na prateleira rap-rock. Este e qualquer outro rótulo serão sempre redutores, assim como as comparações da atitude às primeiras manifestações punk ou ao hardcore de oitentas, tal é a profusão de ideias que brota a cada dez segundos de um tema do trio. A equipa responsável pela massa sonora é composta pela dupla Andy Morin e Zach Hill, este último um reputado baterista que nos habituámos a ver como integrante dos math/noise-rockers Hella, mas também em colaboração com uma miríade de nomes que se movimentam normalmente nas franjas do rock. Porém, a estrela da companhia é Stefan "MC Ride" Burnett, um negro tatuado e com ares de pregador que é responsável por toda a verve revoltosa do projecto. 

Os Death Grips, já se percebeu, são porta-vozes de um certo mal de vivre latente no mundo actual em ebulição, mesmo que muitas vezes não se vislumbre tanto o destinatário como o objecto dos recados de MC Ride. Esta é uma percepção que já vem desde os muitos registos avulsos lançados de forma independente desde os primeiros dias, causadores de um burburinho que os levaria a celebrar contrato com a Epic Records, braço editorial da gigantesca Sony Music, ligação algo inesperada nos tempos que correm tal o cariz incendiário do projecto. Com o anúncio do contrato veio também a promessa do lançamento de dois álbuns no decorrer de 2012, cumprida com The Money Store, editado na primeira metade do ano, e NO LOVE DEEP WEB, lançado no passado mês de Outubro. No primeiro, é surpreendente o tratamento dado pela dupla produtora ao suporte sonoro de origem orgânica, ao ponto de, apesar da dureza e do desafio das palavras, pairarem esboços de algum balanço groovey. No segundo, assiste-se a um recrudescer da radicalidade da proposta, tanto ao nível da música, como das palavras. Enquanto o suporte instrumental ganha algum abstraccionismo, a verve de MC Ride parece agora não apenas revelar-se irada com o mundo em seu redor, como com si mesmo. NO LOVE DEEP WEB é, consequentemente, um álbum substancialmente mais negro que o antecessor. Como se não bastasse, este disco já envolveu alguma celeuma em seu redor, e não apenas por causa da imagem fálica da capa. Tudo porque, na sequência da disponibilização por parte da banda do streaming do álbum, surgiu um diferendo entre esta e editora. Em consequência, os Death Grips acabariam por lançar NO LOVE... a expensas próprias, com a particularidade de ser de download gratuito. Pondo fim ao litígio, a Epic anunciou nos últimos dias a rescisão do contrato. Pelos vistos, houve alguém que não se deu conta que a atitude libertária dos Death Grips não se restringia à música...

"I've Seen Footage" [Epic, 2012]

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Good cover versions #69












NADJA _ "The Sun Always Shines On T.V." [The End, 2009]
[Original: a-ha (1985)]

The Sun Always Shines on TV by Nadja on Grooveshark

Nos tempos que correm, a miscigenação de géneros e de "tribos" já não choca ninguém que tenha uma mente minimamente aberta. Se recuarmos no tempo, aí uns bons vinte anos, seria impensável ver shoegazers e "metaleiros" partilharem os mesmos gostos, quanto mais os mesmos espaços ou até coexistir no mesmo indivíduo. É precisamente da confluência dessas duas sensibilidades musicais, então inconciliáveis, que têm surgido de há uma década a esta parte alguns interessantes projectos, mormente pela incorporação do shoegaze em habitat metal. Consoante os casos, as catalogações têm designações variáveis como post-metal, drone-metal ou, inevitavelmente, metal-gaze.

Na linha da frente desta tendência está Aidan Baker, músico canadiano que durante algum tempo foi o único elemento dos Nadja, actualmente uma dupla na qual se lhe junta Leah Buckareff. Da extensa obra gravada e editada pelo projecto faz parte um álbum integralmente composto de versões de canções alheias. Dada a gravitação estética dos Nadja, no alinhamento desse disco, surpreende mais a inclusão de um original do malogrado Elliott Smith do que, por exemplo, temas da autoria de My Bloody Valentine, Codeine, Slayer, Swans, ou até The Cure. Mas, totalmente inesperada é a versão de "The Sun Always Shine On T.V.", original do trio norueguês a-ha. Mais do que uma revisão, trata-se de uma verdadeira apropriação, tal a radicalidade com que os Nadja interpretam este tema. Atendendo às características do original, talvez o mais leve e melódico do incluídos no alinhamento, é neste tema que mais se faz sentir a toada arrastada que propicia uma espécie de ambient negro e monolítico. Sob um espesso manto de guitarras submetidas ao tratamento de mil efeitos, a voz surge completa completamente afogada na mistura final. A haver algum traço de reconhecimento do original, talvez ele se encontre no refrão, mais pela citação do título do que propriamente por qualquer tentativa de reproduzir aquele luminosidade juvenil, vagamente melancólica, na qual os a-ha se especializaram no seu período de maior esplendor, na segunda metade de oitentas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O jogo das diferenças #12



BOB DYLAN _ The Freewheelin' Bob Dylan [Columbia, 1963]



THE CHEMICAL BROTHERS _ Exit Planet Dust [Virgin, 1995]

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ao vivo #96














Amplifest 2012 @ Hard Club - Porto, 28/10/2012

Pelo segundo ano consecutivo, e num espírito de verdadeira independência, o Amplifest tem sido responsável pela vinda a este país de bandas e sonoridades normalmente arredadas dos cartazes dos festivais "corporativistas", isto apesar do culto sólido em seu redor. A minha estreia, ainda que só por um dia, foi motivada pela grande atracção de encerramento, e só foi possível graças à generosidade de algumas benditas almas a quem daqui se endereçam os mais sinceros agradecimentos. À parte os cabeças-de-cartaz, a oportunidade serviu também para satisfazer a curiosidade sobre alguns conhecidos e outros totalmente desconhecidos, como se retira das parcas linhas a seguir.

Após o habitual reconhecimento do terreno, e de alguns cumprimentos a amigos e conhecidos, aventurei-me pela sala 2 do Hard Club, onde me deparei com os ingleses Necro Deathmort já em plena função. Afecta das tonalidades negras, esta dupla conjuga elementos díspares como o industrial, o drum'n'bass, algumas pinceladas do chamado gótico, e até o metal menos tradicional, sem que, contudo, haja qualquer comprometimento com alguma das filiações. Conseguem, por isso, agradar às diferentes "tribos" presentes, criando na sala um ambiente algures entre o solene e o dançante.

Ainda que reduzidos a metade, era alguma à expectativa para a recepção aos Oxbow, apropriadamente rebaptizados para a ocasião de Oxbow Duo. Como esperado, a presença de Eugene S. Robinson faz valer a sua imponência, não só pela pela presença física como pela capacidade performativa, na qual, neste formato, penso que seriam de evitar as insistências na característica postura "macho". Pormenores à parte, o homem ostenta uma voz capaz de sublinhar a violência das palavras até um nível quase cinemático, como se imagens fossem projectadas à nossa frente. Não derivando muito de um registo spoken word, com um ou outro urro lancinante, Robinson encontrou no guitarrista Niko Wenner parceiro à altura, capaz de, sozinho, sustentar toda a intensidade instrumental do concerto. É certo que se perdeu a adrenalina noisy que a banda completa propiciaria mas, em contrapartida, ganhou-se uma crueza de processos que evidencia o elemento bluesy da música dos Oxbow.

Depois de uma breve descrição ouvida em antecedência, os ouvidos ansiavam pela proposta dos italianos Ufomammut. Num primeiro momento, o trio deriva por uma sonoridade spacey que convida ao entorpecimento dos sentidos. Depois deste princípio prometedor, vão evoluindo para territórios menos atractivos do sludge-metal, até caírem num emaranhado de repetição e previsibilidade. O abandono foi prematuro, até porque o estômago precisava de estar recomposto para o próximo acto.

Por fim, com a sala apinhada e muita ansiedade a pairar, chegavam os Godspeed You! Black Emperor, o numeroso colectivo canadiano que nos abandonou durante quase uma década mas que, nem por isso, parece ter perdido fiéis. Cada prestação dos GY!BE é uma espécie de cerimónia, e a do Hard Club não foi excepção, com os instrumentos a entrarem à vez, até se unirem num uníssono capaz de extrair a mais encantadora beleza do cenário da maior destruição imaginável. Com o novo álbum ainda fresco nos ouvidos dos presentes, "Mladic" foi já recebido como se de um "clássico" se tratasse, convidando, inclusive, no trecho intermédio de inflexões étnicas, a um tímido e inesperado ensaio de dança no público. Recebido com igual entusiasmo foi o segmento inicial do já histórico "Sleep", este num limbo entre o árido e o idílico, como só os GY!BE são capazes. Com a audiência rendida, a mais de hora e meia de concerto passa num ápice, e após o abandono gradual do palco, ninguém arreda pé na esperança de um regresso. Este acontece mas, porém, para frustração de público e banda, a tentativa de encore sai encurtada por problemas técnicos com uma das guitarras, o que impede a execução da peça musical com o rigor e a precisão que hoje os GY!BE ostentam. O incidente levou um dos membros do colectivo a tecer um paralelismo com o estado sócio-político de Portugal e da Europa, demonstração da consciência inconformista dos GY!BE apesar da quase total ausência de palavras na sua música. Feito o merecido e prolongado aplauso, fomos todos para casa, ainda aterrados com as visões do Apocalipse, mas conscientes de uma ténue luz de esperança.

Ao vivo #95

















Barn Owl + Riccardo Wanke @ Galeria Zé dos Bois, 25/10/2012

De há meia dúzia de anos a esta parte, a dupla californiana Barn Owl tem constituído uma das mais interessantes aventuras da música "out there" norte-americana, com uma insólita proposta situada na confluência do drone com a tradição firgerpicking que vai de John Fahey aos Six Organs of Admittance. Uma proposta que, ao vivo, se transfigura em algo de diverso sem que, no entanto, renegue em absoluto a matéria da qual se faz a obra gravada. Apresentando uma única peça no concerto da ZdB, preparam o ambiente dando primazia à componente electrónica, numa progressão que rapidamente evolui para um mantra hipnótico. Sobre este tapete sonoro, as guitarras vão ocupando o seu lugar. Primeiro, o elemento colocado do lado direito vai extraindo algumas pinceladas das impressões deixadas em disco. Só depois, por cortesia do elemento à esquerda, munido de uma Fender Straocaster e um generoso jogo de pedais, somos surpreendidos com algumas incursões ao universo dos Pink Floyd de diversas fases. A referência passa, inclusive, pela postura em palco, em muito semelhante à de David Gilmour. Conjugando habilmente elementos de proveniências diversas, e servidos de um som portentoso, tanto no volume como na equalização, os Barn Owl acabaram por brindar aqueles que tiveram a ousadia de se deslocar à ZdB em noite de semana com uma viagem feita aos sons e de sons que convidam ao alheamento. Aposta-se já que voltarão em breve.

Em jeito de aquecimento, o português Riccardo Wanke apresentou uma demonstração da sua exploração electrónica, difícil de arrumar em qualquer rótulo ou sub-género. Ficou ainda patente alguma verdura na sequenciação das diferentes texturas, com progressões algo abruptas, e uma insistência a roçar o incomodativo dos sons metálicos. No entanto, pressentem-se algumas ideias interessantes se, futuramente, forem exploradas com outra experiência e ousadia.