"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

First exposure #60

















HONEYBLOOD

Duas moças para nos lembrar que Glasgow ainda é a capital mundial da pop açucarada com grão na asa e areia na engrenagem.

Formação: Stina Tweeddale (voz, gtr); Shona McVicar (btr, voz)
Origem: Glasgow, Escócia [UK]
Género(s): Indie-Pop, Twee-Pop, Lo-Fi, Noise-Pop
Influências / Referências: Strawberry Switchblade, Best Coast, Talulah Gosh, Shop Assistants, Vivian Girls, Throwing Muses, The Breeders

http://honeyblood.bandcamp.com/

"Bud" [FatCat, 2013]

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Frankie, a selvagem

















Desde praticamente o momento em que a conhecemos que sabemos que Frankie Rose é uma pára-pouco indomável. Basta lembrar que, num ápice, foi integrante fundadora de bandas como Vivian Girls, Crystal Stilts e Dum Dum Girls, em qualquer dos casos com curta permanência. Igualmente breve foi a vida do quarteto por si encabeçado - Frankie Rose and The Outs. Em qualquer dos casos, o que a movia eram as reminiscências da C86 britânica, bem como da imediata descendência norte-americana liderada pelos simbólicos Black Tambourine. O mesmo já não sucedia em Interstellar (2012), o primeiro álbum lançado em nome próprio que enveredava por um dream-pop luxuriosa, com texturas vaporosas que reconhecemos de determinada fase dos eighties de bandas como The Cure.

Se naquele disco já se sentia algum apelo pela dança, o novo Herein Wild vem esclarecer que no espaço de um ano da vida de Frankie Rose as mudanças não se restringem à coloração capilar. Este impulso dançante, que ganha terreno à tendência atmosférica do antecessor, assoma a cada esquina, materializado em batidas penetrantes e teclados borbulhantes, embora as guitarras ainda sejam responsáveis pelo gizar de melodias assumidamente pop. Tímidas, as seis cordas estão em sintonia com muita da chamada bedroom-pop com que temos sido bombardeados no último par de anos, enquanto as características dançantes se aproximam perigosamente das futilidades que têm feito as delícias das pistas ditas "sofisticadas". No entanto, o respeito pela norma da canção pop ainda retém Frankie como uma das nossas. Nas extremidades do disco - "You For Me" a abrir, "Requiem" a fechar - apontam-se diferentes caminhos, primeiro um retorno à pop granulosa de outrora, depois a tentação por algo de idílico. No global, talvez Herein Wild seja o trabalho menos conseguido a que Frankie Rosa tenha estado associada, mas, pelas características atrás referidas, também o mais capaz de fazer dela uma pequena estrela. Algo que, desconfiamos, ela persegue desde que não se conformou com a figura de segundo plano das bandas por onde passou.

[Fat Possum, 2013]

terça-feira, 29 de outubro de 2013

R.I.P.


LOU REED
[1942-2013]

A esta hora já quase tudo foi dito sobre a morte de Lou Reed, notícia recebida com alguma surpresa na tarde do passado domingo, dia 27. No tocante à conversa de circunstância, diria até que já se disse demasiado. Pela importância do cidadão nascido Lewis Allan Reed, há 71 anos em Nova Iorque, e o seu contributo para a música rock nas últimas cinco décadas, não poderia, no entanto, deixar de fazer a justa homenagem.

Como se dizia acima, a triste notícia da morte de Lou Reed, inesperada pelo desconhecimento do seu estado de saúde, foi uma surpresa para uma imensa multidão. Na despedida, este vulto das facções mais rebeldes do rock, acabou por ser coerente com o trajecto de uma longa carreira, feita de muitas viragens e outras tantas surpresas. As primeiras foram a bordo dos The Velvet Underground, banda unanimemente reconhecida pelo seu contributo para o derrubar de muitas barreiras e clichés estabelecidos na linguagem rock, com enorme abertura à experimentação. Cada um dos quatro álbuns da banda em que participou, sempre como a principal força criativa, apesar das limitações técnicas, abre um novo capítulo evolutivo, feito tão mais valoroso se tivermos em conta que entre o primeiro e último distam apenas três anos e meio. Neles, a sua verve poética, fruto do precoce interesse pela literatura, é a transposição da cultura de rua nova-iorquina para canções que deixaram uma descendência imensurável, que vai das tendências arty aos maiores desafios experimentalistas da música popular. Feita de muitos altos, mas também de alguns baixos, a carreira a solo (pontuada também por discos de colaboração com outrem) prossegue essa aversão à estagnação, percorrendo diferentes géneros e aproximando aquilo a que chamamos "alta" e "baixa cultura", nunca temendo a controvérsia. Nada mal para quem, em tempos, apenas esperava pelo dealer com uns quantos dólares na mão...

I’m Waiting for the Man by The Velvet Underground on Grooveshark
[Verve, 1967]
 
Satellite of Love by Lou Reed on Grooveshark
[RCA, 1972]

Dirty Blvd. by Lou Reed on Grooveshark
[Sire, 1989]

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Inventário dos estragos e novos caminhos















Os tempos estão mais para desilusões do que propriamente para surpresas. No entanto, volta e meia ainda somos bafejados com uma ou outra descoberta, que nos faz crer que a música actual ainda nos pode surpreender. No meu caso, com os norte-americanos Parquet Courts, o prazer da descoberta foi redobrado, pois aconteceu num concerto que não sabia bem ao que ia. Ao concerto verdadeiramente revelador seguiu-se a exploração a fundo de Light Up Gold, álbum já de finais do ano passado. Desde esse feliz acaso tenho notado um número crescente de gente deslumbrada com o quarteto, e com o seu cocktail infalível do seu indie-rock irrequieto herdeiro da linhagem clássica, que vai dos The Feelies aos Pavement, e passa pelas várias expressões post-hardcore da década de 1990.

Com esta espiral crescente de visibilidade, talvez já houvesse a necessidade de apresentar música nova, por um lado para tornar mais variados os numerosos concertos dos Parquet Courts, por outro para satisfazer a sede dos seguidores da primeira vaga. Eventualmente, poderão ter sido estes os motivos por detrás da edição de Tally All The Things That You Broke, recente EP de cinco temas ainda ancorado nas referências de noventas. Relativamente ao antecessor há, porém, algumas diferenças, desde logo pelo maior pendor de "baixa-fidelidade", facto realçado na capa a marcador vermelho, no melhor espírito do-it-yourself, com a inscrição "God damn, it's just a bootleg". Há, no entanto, uma pequena variação - ligeira mas mais significativa - nestes cinco temas, que é a verificação de uma maior gravidade, expressa na voz de Andrew Savage, ao estilo militante de uns Fugazi, que ameaça a atitude "que-se-lixe" que conhecíamos dos Parquet Courts. No final do alinhamento do EP, mas talvez apenas uma brincadeira sem repetição, a banda brinda-nos com o atípico "He's Seeing Paths", incursão ao mundo rap a aventar como soariam os Beastie Boys se tivessem enveredado pela tendência lo-fi. O que é certo é que, a brincar, a brincar, os Parquet Courts envergonham aquelas tentativas de crossover entre o rock e o hip-hop datadas de mais de quinze anos.

[What's Your Rupture?, 2013]

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O futuro foi lá trás
















Filho da imigração russa na América, Daniel Lopatin é já uma figura incontornável da electrónica nos nossos dias. Os seguidores mais atentos deste universo há muito que seguem o seu trabalho como Oneohtrix Point Never, trabalho esse que ganhou maior visibilidade com a edição dos álbuns Returnal (2010) e Replica (2011). Os conhecedores mais profundos não enjeitam também o seu trabalho anterior, espalhado por registos de pequena tiragem, e resumido no fundamental Rifts, de 2009. A obra compilada nesse disco ainda demonstra muitas afinidades com os universos noise e drone, portanto bem distinta da dupla de últimos álbuns, autênticas peças de bricolage com recurso frequente à samplagem de velhos jingles publicitários.

Com o crescendo do interesse gerado pelo seu trabalho, Oneohtrix Point Never granjeou entretanto o interesse da histórica Warp Records, que acabou por contratá-lo. Para Daniel Lopatin foi o cumprir de um sonho, o de pertencer ao selo dos mestres que o inspiraram na mesma medida que os percursores do minimalismo; para a editora, a mais representativa do mundo electrónico no último quarto de século, foi uma lufada de ar fresco no catálogo, entretanto algo descaracterizado e a pedir sangue novo na sua especialidade. É por via da editora de Sheffield que recebemos o recento R Plus Seven (mais um R na colecção, portanto), porventura o mais acessível dos discos de OPN para os ouvidos menos treinados, mas nem por isso um trabalho menos desafiante. Por contraste a esse maior acessibilidade, é talvez o mais frio dos seus trabalhos, logo com o gelo digital a indiciar uma tendência futurista. No entanto, e uma vez mais, esta ideia de futuro não rejeita o passado, já que a matéria prima principal são velhos sons sintéticos, do tempo em que a simples menção do computador implicava uma imagem de futuro algo distante do presente da maioria de nós. Ao neófito, numa primeira abordagem, talvez R Plus Seven possa soar desorientador, já que Lopatin baralha cada tema, não se detendo numa ideia por demasiado tempo. Uma vez absorvida a dinâmica intrínseca, a de criar tensão nos trechos mais densos e libertá-la nos momentos lúdicos, quase de infantilidade, a imersão nesta obra sublime é inevitável.

 
"Problem Areas" [Warp, 2013]

sábado, 19 de outubro de 2013

Mil imagens #43


Jim O'Rourke - Londres, 2001
[Foto: Jake Walters]

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A idade da emacipação
















Nascido na Nova Zelândia, onde na juventude terá assimilado a vasta herança pop daquele longínquo território, mas desde há muito emigrado nos states, Dean Wareham deve ser daquelas pessoas com fobia a ver o seu nome impresso sozinho na capa de uma obra. Foi já na pátria de adopção, à frente dos míticos Galaxie 500, que ele próprio se tornou um ícone indie de dimensão maior do que aqueles que o inspiraram. Apesar de significativa, a história da banda foi curta e teve um fim pouco amistoso, o que não desencorajou o seu principal cantor e compositor de tentar nova aventura com uma banda, agora com os Luna, que o mantiveram ocupado durante quase década e meia, até 2005. Com o fim destes, resgatou a esposa Britta Phillips, com a qual tem gravado e actuado em dupla. Pelo meio, os completistas ainda se lembrarão da breve colaboração com Claudia Silver, a coberto do aliás Cagney & Lacee.

Só agora, já com meio século de vida, e depois de digeridos muitos atritos típicos do universo das bandas rock, o nosso Dean se decide por uma obra a solo. Isto se excluirmos um single isolado, já no distante ano de 1992, entre os Galaxie 500 e os Luna. Por conveniência, vamos considerar que esta é uma estreia, por sinal uma estreia em grande estilo. Por "esta" entenda-se Emancipated Hearts, um mini-álbum (ou EP, é como preferirem) de seis temas do mais personalizado que Dean Wareham nos apresentou em muitos anos. Sim, porque apesar de todo o seu charme, os discos de Dean & Britta mais não são do que interessantes variações das duplas promovidas por um Hazlewood ou por um Gainsbourg. Pelo contrário, o novo registo tem todos os traços próprios à personalidade musical do seu autor, por via da interferência de reconhecidas referências, seja a exultação de uma certa languidez, seja a sugestão de um torpor de solidão nocturna, ou até aquele misto de melancolia e beleza espectral que faz dos Galaxie 500 algo muito especial. Desta feita, as influências não são apenas musicais, pois é o próprio Dean que nos confessa que cada um dos temas de Emacipated Hearts partiu do desenvolvimento de uma ideia pilhada a uma obra artística alheia, que pode ser uma música da Incredible String Band, um livro de George Orwell, ou um filme de Rainer Werner Fassbinder. Por exemplo, a obra homónima do realizador alemão deu o mote para a amostra infra, single de avanço já com um par de meses.

[Sonic Cathedral, 2013]

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Saúde de ferro



















Há quase uma década, as publicações nos mais diversos formatos apontavam o Canadá como o novo epicentro da pop. O público obedecia, entusiasmado, com os então novos canais de divulgação a despacharem bandas à razão de mais de uma por semana. Cedo se percebeu que a montanha tinha parido um rato, quer porque muita desta gente não justificava o valor para tamanho hype, quer porque até muitos dos nomes mais credíveis confirmaram o falhanço nos chamados "discos da confirmação". Na altura estranhei a falta de atenção relativamente a um combo chamado The Heavy Blinkers, já de uma fornada anterior, a dos sobreviventes da segunda metade de noventas. Tal desatenção ganha contornos de injustiça se atentarmos que, precisamente na aura do "fenómeno canadiano", a banda lançou The Night And I Are Still So Young (2005), disco maior numa carreira de extrema coesão construída ao serviço da pop orquestral.

De então para cá foi o silêncio quase absoluto, ficando o interim ainda marcado pelo abandono de dois dos fundadores, o que faz do principal compositor Jason Michael McIsaac o único membro original do projecto. Este não esmoreceu com os abandonos, e ao fim de quase uma década de trabalho lançou finalmente Health, em regime de auto-edição. Para compensar as perdas, este novo registo conta com a participação de um vasto número de convidados, entre os quais se destacam o norueguês Sondre Lerche e o irlandês Sean O'Hagan (The High Llamas), vozes masculinas no todo dominado pelas femininas. Como suponho que saibam, este último é um estudioso da busca da perfeição pop de Brian Wilson, interesse partilhado com os Heavy Blinkers, estes igualmente reverentes à obra de Harry Nilsson. Por esta altura imagino que já tenham depreendido que Health é um daqueles discos sumptuosos, feito de canções ricas em detalhes de bom-gosto. Tem um pouco mais de uma hora de duração, portanto algo longo para os parâmetros actuais, mas leva o tempo necessário para extrair toda a elegância dos arranjos de cordas, toda a exuberância dos sopros, e toda aura harmoniosa. Pode até não ter um brilho tão intenso como o antecessor, mas dificilmente lhe escapará o título de sinfonia pop de 2013, sucedendo ao último dos escoceses BMX Bandits, vencedor incontestado do ano transacto.

"I Should Be Sleeping " [The Heavy Blinkers, 2013]

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O jogo das diferenças #22


NEW ORDER
Power, Corruption & Lies
[Factory, 1983]

APHEX TWIN
"Girl/Boy" E.P.
[Warp, 1996]

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Good covers versions #78
















THE PRIMITIVES - "I'll Be Your Mirror" [RCA, 1989]
[Original: The Velvet Underground (1967)] 

I'll Be Your Mirror by The Primitives on Grooveshark

Vejo-me na obrigação de concordar com alguns amigos que tendem a classificar Nico como um logro, um mito criado em torno da imagem e da lenda, com dotes vocais diminutos. Por outro lado, também compreendo aqueles que a idolatram, como o elemento de uma frieza gélida no meio dos temas de mundanidades narcóticas no álbum de estreia dos Velvet Underground. Suponho que fosse esse o efeito que Andy Warhol tinha em mente quando a impingiu à banda nova-iorquina. Com efeito, por oposição à extridência do restante alinhamento, o trio de temas por ela cantado é solene no ambiente lúgubre, temas esses que parecem extraídos de um cabaré negro. No entanto, e em particular "I'll Be Your Mirror", o manto de negrume não consegue ofuscar o potencial pop latente, pelo menos noutra voz.

Assim o entenderam os britânicos The Primitives, uma das bandas mais visíveis do período pós-C86, graças essencialmente ao sucesso do inevitável "Crash". Embora não seja "oficialmente" reconhecido, esta banda vale bem mais do que esse hit retumbante, já que o primeiro par de discos editados em finais de oitentas estão pejados de pérolas inspiradas no classicismo pop dos girl-groups dos sessentas à luz dos conceitos indie da altura. É esta a receita aplicada à revisão de "I'll Be Your Mirror", pop de guitarras em estado de graça, de um brilho resplandecente, com o suave toque de distorção a não molestar o sentido melódico. O maior trunfo desta versão, misto de inocência e perversão, é a voz de Tracy Tracy, de uma pureza quase juvenil, portanto, bem distinto do registo grave do anjo negro germânico no original.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Silver Rockets & Kool Things



Antes que comecem a gabar o meu gosto certeiro para a escolha de títulos, um esclarecimento: o do post de hoje é descaradamente roubado ao documentário do ano 2001 realizado pelo alemão Christoph Dreher para o canal ARTE. Na altura comemoravam-se os vinte anos dos Sonic Youth o que, feitas as contas, quer dizer que, até ao hiato que pode ser definitivo anunciado em 2011, tivemos três décadas completas de história desta "instituição" nova-iorquina. Trinta anos representam muitas dezenas de canções, diversas viragens estilísticas, das franjas do underground norte-americano, à aceitação mais ou menos consensual da banda como uma das patronas do indie-rock. Afigura-se, portanto, ingrata a tarefa de elaborar um top ten dos temas favoritos de tão vasta obra, top esse que nunca será definitivo. Aqui no April Skies não viramos a cara aos grandes desafios, e hoje, possuídos pelo síndroma Alta Fidelidade que julgávamos erradicado, arregaçamos as mangas para escolher 10-temas-10 que resumem uma carreira fulgurante. Com a primazia às canções mais dignas desse nome, este top assenta essencialmente no período que vai de meados de oitentas a meados da década seguinte, precisamente a partir da altura que os Sonic Youth "aprenderam" com os mais novos The Jesus and Mary Chain ou Dinosaur Jr. que era possível a aproximação à canção pop sem abdicar da manipulação do ruído. Por esse motivo, ficam arredados das escolhas os espasmos no-wave, ou os experimentalismos mais radicais de a partir de finais de noventas, facetas igualmente importantes numa banda de percurso muito próprio. Sem mais delongas, let the countdown begin...

10. "Expressway To Yr. Skull (EVOL, 1986)
09. "The Empty Page" (Murray Street, 2002)
08. "100%" (Dirty, 1992)
07. "Schizophrenia" (Sister, 1987)
06. "The Diamond Sea" (Washing Machine, 1995)
05. "Silver Rocket" (Daydream Nation, 1988)
04. "Shadow Of A Doubt" (EVOL, 1986)
03. "Kotton Krown" (Sister, 1987)
02. "Tunic (Song For Karen)" (Goo, 1990)
01. "Teen Age Riot" (Daydream Nation, 1988)



"Teen Age Riot" [Enigma, 1988]

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Ao vivo #110















Scout Niblett @ Teatro Maria Matos, 09/10/2013

Tanto em disco como em palco, já nos habituámos à imagem de uma Scout Niblett solitária, guerreira da causa da dor-de-corno armada de guitarra eléctrica. Na sua obra, para além da dureza das seis cordas e das palavras doridas, as raras intromissões de outros instrumentos são normalmente da sua responsabilidade. No seu devir, tem contado com a parceria de Steve Albini, talvez o mais indicado aliado para extrair da sua música toda a crueza pretendida. Com o recente álbum It's Up To Emma foi interrompida esta aliança já de vários anos, ao mesmo tempo que Scout abria a sua música à colaboração de outros músicos. Contrariamente ao esperado, o novo disco - auto-produzido - é talvez o mais pessoal dos seis já editados (esclareça-se que Emma é o nome de baptismo da moça), sem perder pitada da aridez que é característica dos anteriores trabalhos.

Sendo este último registo o mote para o concerto de ontem à noite, Scout Niblett fez questão de se acompanhar de baterista e segundo guitarrista para a reprodução o mais fiel possível do trabalho gravado. A estes juntaram-se, em temas específicos, um violinista e uma violoncelista, concedendo à música da cantautora uma nova riqueza textural. No entanto, a entrada em palco dá-se em solitário, para um par de temas de um passado recente em jeito de acontecimento. Só ao terceiro tema, com a trupe completa, se inicia o desfile dos temas de It's Up To Emma, tocado na íntegra com a excepção da versão de "No Scrubs", original das TLC. O desenrolar dos acontecimentos dá-se em crescendo de envolvimento, com os novos elementos, estranhos à catarse emocional da sua chefe de fila, a potenciarem a força destas canções que encontram local perfeito nas óptimas condições do Maria Matos. A estrela, porém, ainda é Scout Niblett, voz e guitarra, com a dupla acompanhante a limitar-se a participações esparsas, porém determinantes no sublinhar dos clímax de tensão. No ribombar da bateria sublima-se a profundidade da dor, nos desalinhos da guitarra assinala-se uma intenção mal contida de vingança. Nas muitas explosões sónicas é impossível não pensar na eterna comparação (algo injusta, diga-se) à PJ Harvey de outros tempos. Ontem, na sua melhor forma, Scout Niblett teve a seu favor o factor que melhor pode desfazer a colagem: uma evidente herança da folk britânica, por oposição aos arremedos bluesy da outra. O maior trunfo, no entanto, é aquela voz versátil de menina-mulher, ora dorida e delicada, ora erguendo-se com força renovada, quase sempre aguda para combinar com a rispidez da afinação aberta da guitarra. É uma voz que, no desconforto das palavras, que questionamos sejam todas inspiradas em experiências pessoais, chega a comover.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O melhor joalheiro pop do mundo

















Foto: Kevin Westenberg

Nos idos de oitentas, Paddy McAloon lançou a modéstia às urtigas e auto-proclamou-se o melhor escritor de canções. A concorrência era de peso, é certo, mas nem por isso o título atribuído a si próprio era totalmente descabido. Nesses tempos, à frente dos Prefab Sprout, as suas canções eram motivo para o fascínio da facção mais letrada e sensível da juventude de então, concebidas sob os ditames do mais puro bom-gosto pop. Ao sucesso comercial somavam-se os louvores da crítica. Os tempos mudaram, e mesmo sem terem anunciado um ponto final, os Prefab Sprout foram desaparecendo progressivamente dos radares dos media. Ao ponto de, nestes tempos de reciclagem de todo o lixo tóxico da sua era gloriosa, estarem praticamente esquecidos pelos ditadores de modas e tendências baseadas no passado.

A injustiça do esquecimento parece não demover McAloon de nos continuar a presentear com música do mais fino recorte pop. Nem mesmo os graves problemas de saúde, primeiro da visão, mais recentemente da audição, o privam daquele toque de Midas. Fruto dessa perseverança, ontem mesmo, chegou ao mercado Crimson/Red, o primeiro álbum de material novo da última dúzia de anos se tivermos em consideração que a gravação do anterior Let's Change The World With Music (2009) datava do ano de 1992. Não deixa de ser gratificante verificar que, apesar do aspecto de guru ancião, o nosso compositor pop favorito preserva nas suas canções a mesma frescura da juventude sonhadora de há quase três décadas. Embora com a chancela Prefab Sprout, este é, na prática, um disco a solo de Paddy McAloon, já que velhos companheiros como o irmão Martin e a co-vocalista dos coros aéreos Wendy Smith apenas deram o apoio não participativo ao projecto. E não deveria ser de outra maneira, já que as características que fizeram a glória da banda permanecem intocáveis. Assim, nesta dezena de temas, deparamos com a mesma sofisticação pop de outrora, a mesma melancolia romantizada, e até a sumptuosidade da produção comum à de Thomas Dolby no histórico Steve McQueen (1985). Na verve poética das letras detectamos remissões para os tempos da juventude, relatos de uma hipotética venda da alma ao diabo (o preço da genialidade?), e o tributo sob a forma de recordação de um encontro com Jimmy Webb, alegadamente o mais influente dos artesãos pop para o estudioso apaixonado Paddy McAloon.

"The Best Jewel Thief In The World" [Icebreaker, 2013]

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Há 20 anos era assim #9









THE AFGHAN WHIGS
Gentlemen
[Elektra, 1993]




Só há coisa de ano e meio, por ocasião de um par de concertos a coberto da reunião da saudade, é que me dei conta da real dimensão do culto dos norte-americanos The Afghan Whigs, concertos esses presenciados por milhares de devotos que nos tempos gloriosos da banda viviam a sua paixão num isolamento que só as facilidades de comunicação dos novos tempos esbateram. Empacotado no contingente grunge - seja lá o que isso for -, e ao contrário de muitos dos seus contemporâneos, este quarteto de Cincinnati, Ohio, percorreu a década de noventas como eterna promessa adiada de rebentamento junto de um público mais vasto, ficando sempre aquém do reconhecimento que a excelência da sua obra gravada merecia. Convenhamos que o trajecto e as opções musicais arriscadas também não ajudaram, numa época em que, após o empolgamento inicial, rapidamente se esteriotiparam os critérios da divulgação radiofónica. Os primeiros passos deram-se ainda sob os auspícios da rudeza do american underground dos eighties, com um par de álbuns com selo da Sub Pop que fizeram deles a primeira banda a editora de fora da zona de Seattle. No derradeiro disco com aquela editora (Congregation, de 1992), antes da partida para as multinacionais, o típico som dos Afghan Whigs começa a ganhar forma, com as influências soul a penetrarem na dominância da dureza rock.

A cedência definitiva à deriva soul deu-se com Gentlemen, o quarto álbum que é quase unanimemente considerado a obra-prima, que não poderia ter escolhido melhor lugar de gestação que os Ardent Studios de Memphis, local de gravação de várias lendas da música negra. Não obstante o sentir soul que o percorre, este ainda um disco másculo, de uma crueza rock de revolver as entranhas, que deve muita da sua força bruta ao interessante diálogo das guitarras: os riffs cortantes de Rick McCollum e os adornos rítmicos do também vocalista e compositor principal Greg Dulli. É nesta dinâmica que reside o poder abrasivo do tema-título, do soberbo "Debonair", ou do trepidante "Know You Know", ou a envolvência de "Be Sweet". Em certa medida, poderemos catalogar Gentlemen como um disco conceptual, no qual Dulli discorre invariavelmente sobre o fracasso das relações amorosas. Fá-lo com uma raiva tão sincera que não duvidamos da sua genuinidade, por força da desilusão sobrepondo muitas vezes o lado carnal ao sentimental, algo bem explícito em tiradas como "Ladies, let me tell you about myself / I got a dick for a brain / And my brain is gonna sell my ass to you" ("Be Sweet"). Pelo meio de sugestões várias de refúgios alcoólicos, Dulli chega ao extremo da visão desencantada, quase infernal, da vida a dois com uma comparação como a sugerida por "What Jail Is Like". Por esta altura já chegamos à conclusão que um título como Gentlemen só pode ser irónico, já para não dizer que começa a pairar um sentimento de misoginia. Esta ideia é desfeita na segunda metade do disco, em particular em "My Curse", um belíssimo lamento em lume brando cantado pela convidada Marcy Mays, conhecida pela militância feminista como vocalista das Scrawl. Se dúvidas restarem, Dulli sujeita-se à redenção em "I Keep Coming Back", o mesmo ritmo lento num tema algo soturno. Mais surpreendente como negação da rispidez que caracteriza a maior parte de Gentlemen é "Brother Woodrow / Closing Player", o delicado instrumental de encerramento que é guiado por uma secção de cordas.

Nestes temas mais atípicos pressente-se uma veia cinemática, algo que os Afghan Whighs sublimariam no par de discos subsequentes, com maior incidância em Black Love (1996), um autêntico filme negro em cenários nocturnos e enevoados. Já o derradeiro 1965 (1998) pauta-se por uma maior ternura, ainda e mais intensamente ensombrado pela soul, algo que conheceria novos desenvolvimentos nos Twilight Singers, projecto posterior de Greg Dulli. Escusado será dizer que cada um destes dois discos é mais uma pequeno tesouro injustiçado pela falta de reconhecimento das massas.

Gentlemen by The Afghan Whigs on Grooveshark

Debonair by The Afghan Whigs on Grooveshark

My Curse by The Afghan Whigs on Grooveshark

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Autumn almanac















Pode ser apenas cisma minha, mas dificilmente me demovem de que o fascínio em torno dos Mazzy Star, principalmente o do público feminino, é em boa parte devido à maneira bonitinha de fazer as coisas. Não é que os três álbuns que deixaram espalhados pela década de noventas promovam grandes variações, mas julgo que no meio pacifismo idílico, sobretudo presente no segundo e no terceiro, há algo mais, sendo facilmente discernível uma sensação permanente de desgraça, embalada por uma densidade com laivos de psicadelismo. Pela parte que me toca, sem desprimor para os outros discos, deles prefiro o debutante She Hangs Brightly (1990), marcado pela crueza árida que se tornou menos presente nos registos posteriores, à medida que as opções de produção apostavam realçar o encanto de Hope Sandoval, uma espécie de musa fatal em ambiente quase lynchiano.

Neste 2013 de todos os regressos, e dezassete anos depois do silêncio, os Mazzy Star regressam aos álbuns com Seasons Of Your Day, e fazem-no como se o tempo tivesse parado. Tal como os Galaxie 500 ligeiramente antes, também estes criadores de algumas das mais belas canções indutoras da preguiça, verdade seja dita que dos Mazzy Star jamais tenham prometido revoluções, mas não deixa de ser surpreendente a capacidade do novo disco de nos transportar para outro tempo das nossas vidas. Para tal, julgo que terá contribuído a quase invisibilidade da dupla nuclear neste hiato, apenas com aparições esporádicas no caso de Hope Sandoval, e absoluta no de David Roback. Gostaria, no entanto, de registar que, mormente na sua parte inicial, Seasons Of Your Day é um disco mais despido que os anteriores, fazendo do regime acústico o predilecto. No entanto, lá mais para a segunda metade, com vincada marca folk, Roback mostra-se ainda capaz de tecer densos novelos para os cantos da negra fantasmagoria de Hope. Resumindo, não vêm daqui quaisquer novidades, apenas mais um lote de excelentes novas canções de tons outonais, especialmente bem-vindas na estação do ano que agora começa.

 
"California" [Rhymes of An Hour, 2013]

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Singles Bar #88









PERE UBU
30 Seconds Over Tokyo
[Hearthen, 1975]




Reza a lenda, e assim o conta o líder de sempre David Thomas, que a inspiração dos primórdios dos Pere Ubu partia das experiências vividas nas viagens nocturnas entre a Cleveland de origem e a gigantesca Detroit. Nessas idas e vindas, consta, ocorriam normalmente avistamentos de fenómenos estranhos, de UFOs ou apenas de ocorrências não explicáveis pela lógica, consoante as crenças de cada um. Com esta matéria de trabalho, obviamente, a música daí resultante reflectiria uma boa dose de estranheza, combinada com uma subversão dos conceitos pré-estabelecidos que, quase quatro décadas volvidas, a facção arty do rock norte-americano ainda não conseguiu assimilar totalmente toda a irreverência de uma das suas bandas mais inovadoras.

Tudo começou com 30 Seconds Over Tokyo, um single invulgar, tão esquivo aos estereótipos vigentes em meados de setentas que teve de ser lançado em regime de auto-edição. Para além de Thomas, os Pere Ubu desta autêntica pedrada no charco incluíam outros agitadores que futuramente viriam a tornar-se figuras de referência junto das tendências leftfield da música popular, tais como Allen Ravenstine (sintetizador) e Tim Wright (baixo). Ainda hoje, os primeiros segundos de uma das muitas audição do tema principal causam o mesmo impacto de algo pioneiro. A receita não consiste em mais que a combinação de diferentes ingredientes, confeccionados por estudiosos da coisa rock. Assim, partindo de uma base garage-rock, arrastado para um torpor zombie, junta-se um riff circular com algo de sabbathiano e um ritmo que vai beber ao reggae, interrompendo a toada repetitiva em mais do que um intervalo de delírio dissonante. A atmosfera sinistra é corroborada pela lenga-lenga proferida por David Thomas, relato de efeito surrealista, com distorção da voz incluída, de bombardeamentos aéreos. Ligeiramente mais convencional, mas apenas para os parâmetros pereubianos, o tema do lado B - "Heart Of Darkness" - faz-se também do recurso à repetição, mas em igual medida de tensão kraut e do negrume que o título sugere, servindo de matriz para inúmeras manifestações arty que tiveram lugar durante o período pós-punk.

30 Seconds Over Tokyo by Pere Ubu on Grooveshark
 
Heart Of Darkness by Pere Ubu on Grooveshark