"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Há 20 anos era assim #9









THE AFGHAN WHIGS
Gentlemen
[Elektra, 1993]




Só há coisa de ano e meio, por ocasião de um par de concertos a coberto da reunião da saudade, é que me dei conta da real dimensão do culto dos norte-americanos The Afghan Whigs, concertos esses presenciados por milhares de devotos que nos tempos gloriosos da banda viviam a sua paixão num isolamento que só as facilidades de comunicação dos novos tempos esbateram. Empacotado no contingente grunge - seja lá o que isso for -, e ao contrário de muitos dos seus contemporâneos, este quarteto de Cincinnati, Ohio, percorreu a década de noventas como eterna promessa adiada de rebentamento junto de um público mais vasto, ficando sempre aquém do reconhecimento que a excelência da sua obra gravada merecia. Convenhamos que o trajecto e as opções musicais arriscadas também não ajudaram, numa época em que, após o empolgamento inicial, rapidamente se esteriotiparam os critérios da divulgação radiofónica. Os primeiros passos deram-se ainda sob os auspícios da rudeza do american underground dos eighties, com um par de álbuns com selo da Sub Pop que fizeram deles a primeira banda a editora de fora da zona de Seattle. No derradeiro disco com aquela editora (Congregation, de 1992), antes da partida para as multinacionais, o típico som dos Afghan Whigs começa a ganhar forma, com as influências soul a penetrarem na dominância da dureza rock.

A cedência definitiva à deriva soul deu-se com Gentlemen, o quarto álbum que é quase unanimemente considerado a obra-prima, que não poderia ter escolhido melhor lugar de gestação que os Ardent Studios de Memphis, local de gravação de várias lendas da música negra. Não obstante o sentir soul que o percorre, este ainda um disco másculo, de uma crueza rock de revolver as entranhas, que deve muita da sua força bruta ao interessante diálogo das guitarras: os riffs cortantes de Rick McCollum e os adornos rítmicos do também vocalista e compositor principal Greg Dulli. É nesta dinâmica que reside o poder abrasivo do tema-título, do soberbo "Debonair", ou do trepidante "Know You Know", ou a envolvência de "Be Sweet". Em certa medida, poderemos catalogar Gentlemen como um disco conceptual, no qual Dulli discorre invariavelmente sobre o fracasso das relações amorosas. Fá-lo com uma raiva tão sincera que não duvidamos da sua genuinidade, por força da desilusão sobrepondo muitas vezes o lado carnal ao sentimental, algo bem explícito em tiradas como "Ladies, let me tell you about myself / I got a dick for a brain / And my brain is gonna sell my ass to you" ("Be Sweet"). Pelo meio de sugestões várias de refúgios alcoólicos, Dulli chega ao extremo da visão desencantada, quase infernal, da vida a dois com uma comparação como a sugerida por "What Jail Is Like". Por esta altura já chegamos à conclusão que um título como Gentlemen só pode ser irónico, já para não dizer que começa a pairar um sentimento de misoginia. Esta ideia é desfeita na segunda metade do disco, em particular em "My Curse", um belíssimo lamento em lume brando cantado pela convidada Marcy Mays, conhecida pela militância feminista como vocalista das Scrawl. Se dúvidas restarem, Dulli sujeita-se à redenção em "I Keep Coming Back", o mesmo ritmo lento num tema algo soturno. Mais surpreendente como negação da rispidez que caracteriza a maior parte de Gentlemen é "Brother Woodrow / Closing Player", o delicado instrumental de encerramento que é guiado por uma secção de cordas.

Nestes temas mais atípicos pressente-se uma veia cinemática, algo que os Afghan Whighs sublimariam no par de discos subsequentes, com maior incidância em Black Love (1996), um autêntico filme negro em cenários nocturnos e enevoados. Já o derradeiro 1965 (1998) pauta-se por uma maior ternura, ainda e mais intensamente ensombrado pela soul, algo que conheceria novos desenvolvimentos nos Twilight Singers, projecto posterior de Greg Dulli. Escusado será dizer que cada um destes dois discos é mais uma pequeno tesouro injustiçado pela falta de reconhecimento das massas.

Gentlemen by The Afghan Whigs on Grooveshark

Debonair by The Afghan Whigs on Grooveshark

My Curse by The Afghan Whigs on Grooveshark

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