"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O jogo das diferenças #26


THE BEATLES
Help!
[Parlophone, 1965]

THE CHILLS
Brave Words
[Flying Nun, 1987]

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Sad but true

















Ainda me lembro das primeiras músicas ouvidas das Dum Dum Girls, na altura ainda um projecto pessoal de Dee Dee Penny, ela que no fundo tem sido o rosto e a única força criativa daquilo que passou a ser entendido como uma banda. Apesar da baixa fidelidade desses temas, já se pressentia na autora a capacidade para se destacar na escrita de boas canções no numeroso contingente que tanto piscava o olho às memórias indie pós-C86, como aos girl-groups de sessentas. O álbum I Will Be (2010) confirmou essas expectativas, algo que o He Gets Me High, o excelente EP de 2011, fez questão de superar. Depois veio o declínio, precoce como é comum nos nossos dias. E até lhe perdoamos o excesso de pompa dramática do segundo álbum (Only In Dreams, de 2011), seguramente derivada de acontecimentos menos felizes na vida pessoal da sua criadora. O pior foi End Of Daze (2012), um inconsequente e polido EP com único ponto a favor numa versão das esquecidas Strawberry Switchblade, comprovando o ouvido clínico de Dee Dee nesse aspecto.

Já desconfiados, ouvimos o novíssimo álbum Too True e concluímos que, afinal, as Dum Dum Girls são algo tão fake como as milhentas bandas actuais que acusamos de regurgitar e reembalar produto reconhecível para vender como se de novo se tratasse. Desde logo pela reincidência na colaboração com Sune Rose Wagner, ele que com os dinamarqueses The Raveonettes se tornou um mestre nestas coisas da "música plástica". Sem abdicar em absoluto das guitarras enevoadas, talvez para não chocar em demasia os seguidores indie chic, Dee Dee navega agora no mar colorido que fazia a programação dos primeiros tempos da MTV. Portanto, Too True é um desfile de truques daquela new wave requentada para as massas que há trinta anos fazia as delícias do público americano. Assim, tanto pode estar próximo da inconsequência middle of the road de uma Pat Benatar ("Rimbaud Eyes"), como da versão feminina com cio de um Billy Idol ("In The Wake Of You"). O flirt "gótico", que já se adivinhava pela indumentária habitual de Dee Dee, evidencia-se em "Lost Boys And Girls Club", o primeiro single que cairia como ginjas numa prequela da saga Twilight realizada por John Hughes. Para além da expressividade da voz, talvez o grande ponto positivo de Too True seja a novidade surfy de "Cult Of Love". Mas isso são apenas os primeiros dois minutos em trinta possíveis, o que é manifestamente pouco.

 
"Lost Boys And Girls Club" [Sub Pop, 2013]

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Há 20 anos era assim #10









KRISTIN HERSH
Hips And Makers
[4AD, 1994]




Com a saída motivada pela insatisfação pelo seu papel "secundário" de Tanya Donelly, houve quem temesse pelo futuro dos Throwing Muses, uma das bandas mais peculiares do espectro indie de oitentas em geral, e do catálogo da 4AD em particular. A própria Kristin Hersh, meia-irmã daquela e detentora da parte de leão na autoria das canções da banda, parece ter ficado incomodada com o abandono. O primeiro reflexo foi Red Heaven (1992), o mais furiosamente rock dos discos dos Muses até então, ao qual se seguiu o anúncio de um período sabático. O maior sinal de alerta, contudo, chegou com a edição do primeiro álbum a solo de Hersh, praticamente gravado em regime auto-suficiente.

A primeira constatação de Hips And Makers é a de que não poderia estar mais afastado da abrasão eléctrica de Red Heaven, já que é um disco essencialmente acústico. Estranha-se até que a produção tenha sido entegue a Lenny Kaye, habituado a acompanhar a visceralidade Patti Smith e normalmente afecto à sujidade rock. Este é também um trabalho delicado, de profundo intimismo, no qual cedo percebemos que as tiras perturbadoras que povoavam as letras de Kristin Hersh nos Muses afinal tinham um cunho pessoal. Recorde-se que foi por esta altura que a autora revelou que sofria de doença bipolar. O francamente fantasmagórico "Your Ghost" dá o mote, com um violoncelo soturno a sublinhar uma melancolia ancorada na sensação de perda. Michael Stipe, que na altura gozava o sucesso recente e desmedido dos R.E.M. dá uma ajuda nos coros, mas nem o estrelato deste valeu a Hersh uma exposição que fosse além do culto dos fieis do costume. Na mesma toada do tema de abertura, "Houdini Blues", "Close Your Eyes", ou "The Letter", adensam o clima lúgubre, deixando no ar uma sensação de desvanecimento, sugerido pelas incríveis tonalidades variáveis da voz. Recorrendo quase em exclusivo à guitarra acústica, com umas pinceladas de violoncelo aqui, umas notas de piano acolá, Kristin Hersh ainda ousa sair da redoma do recolhimento, e assegurar a frontalidade dos Muses. Acontece no desalinhado "Sundrops" e na expressiva primeira parte de "A Loon". A faceta terna, seguramente motivada pela maternidade recente, surge representada por "Beestung", quase uma canção de embalar, e a versão infantilóide do tradicional "The Cuckoo". Já em "Teeth", ou em "Tuesday Night", é-nos permitido o papel de voyeurs da intimidade conjugal.

Sem mais alcançar o efeito surpresa da novidade introduzida por Hips And Makers, Kristin Hersh adoptou esta linha de instimismo para os seus trabalhos em nome próprio, que já são alguns e sempre com motivos de interesse. Quando à pop fracturada, misto de raiva e delicadeza angelical, ficou reservada para os discos que ainda vão saindo com a chancela Throwing Muses, que afinal não chegaram a acabar. Apenas tornaram os longos hiatos de ausência uma constante, felizmente sempre interrompidos com discos merecedores de elogios.



terça-feira, 28 de janeiro de 2014

R.I.P.


PETE SEEGER
[1919-2014]

Há vidas assim, longas e plenas. Como foi a de Pete Seeger, que ontem morreu com 94 anos, a maior parte deles dedicadas à folk, tornando-se uma autêntica lenda da música de raiz americana.

Para ficar com o seu nome gravado no livro das memórias da música popular, teria bastado a Pete Seeger a autoria - a partir do Livro de Eclesiastes - de "Turn, Turn, Turn!", tema originalmente editado pelo trio The Limeliters, e posteriormente gravado próximo da perfeição na versão popularizada pelos The Byrds. Mas houve muito mais incidências, numa carreira iniciada na década de 1940, essencialmente com canções inspiradas pelas atrocidades da Guerra Civil Espanhola. O teor fortemente politizado da escrita de Seeger fez dele um dos principais percursores da folk interventiva, comparável em importância a Woody Guthrie. Foi, portanto, uma forte influência de Bob Dylan, de quem foi também um impulsionador nos primeiros tempos de carreira. Com a Guerra do Vietname, o discurso de Seeger agudizou-se, e as suas ligações a movimentos de ideologia comunista valerem-lhe o veto do establishment norte.americano. Talvez por isso, passou por décadas de total esquecimento, voltando à ordem do dia apenas em finais de noventas, quando a folk e o americana voltaram a ser motivo de interesse de novas gerações. Com mais vale tarde que nunca, em 2006, Bruce Springsteen dedicou-lhe um álbum inteiro de canções por si inspiradas. Poucos anos antes, já suspeitos do costume como o próprio Boss, Billy Bragg ou Ani Di Franco, haviam participado num disco de tributo.

"Where Have All The Flowers Gone?" [ao vivo em Estocolmo, 1968]

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

No reino dos cangurus















As boas novas que vão chegando da Austrália sob a forma de música levam-nos a questionar que raio de aditivos aquela gente põe na água para consumo. Por enquanto, as movimentações das bandas mais excitantes daquelas longínquas paragens apenas parecem interessar aos mais atentos ao underground, mas em breve, creio, haverá matéria para se começar a falar num "movimento" rock de tendência leftfield. Tomemos como exemplo os Blank Realm, quarteto em actividade já desde meados da década passada que tem feito um trajecto rumo a uma maior visibilidade, depois da psicadelia noisy impenetrável que caracterizava os primeiros registos.

No último Go Easy (2012), não obstante alguma bizarria deliberada, a banda fazia claros esforços por se aproximar do formato da canção estandardizada. Os progressos nesse sentido verificam-se no novíssimo e brilhante Grassed Inn, seguramente e sob qualquer prisma o disco mais acessível do catálogo. Se do anterior dizíamos nada ter em comum com os conterrâneos de Brisbane The Go-Betweens, agora temos de rever a opinião sobre os Blank Realm e reconhecer-lhes, a espaços, aquele sentir marítimo da banda lendária da terra natal. Porém, sem o hiper romantismo daqueles, pois nas letras e vozes dos irmãos Daniel e Sarah Spencer (a do rapaz bastante mais presente, desta feita) há apenas sarcasmo e cinismo, sem qualquer traço de sentimentos de afecto. Também ensombrados pelo espírito dos Velvet Underground, os Blank Realm pedem emprestada às bandas neozelandesas ligadas à Flying Nun a cartilha das canções pop deliberadamente imperfeitas, com ritmos desengonçados e guitarras rugosas. Apesar desta notória maior "facilidade", os oito temas de Grassed Inn ainda se deixam contaminar por uma ténue sujidade, algo que nos lembra amiúde os saudosos Royal Trux, nomeadamente nos jogos e na cadência das vozes masculino/feminino. Por isso, este é ainda daqueles discos - como qualquer grande disco - que exige insistentes audições até ao entranhamento. Depois disso, facilmente concluiremos que é o primeiro diamante em bruto do novo ano.

"Falling Down The Stairs" [Fire, 2014]

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Singles Bar #91









ORANGE JUICE
Felicity
[Polydor, 1982]




Pode parecer exagero, mas é praticamente indesmentível que os Orange Juice tenham estado na base de toda a excelente produção musical oriunda da Escócia desde a sua curta existência. Até diria mais: a eles pertence o mérito pela definição das regras da canção indie-pop, tal como a coisa era entendida na década de oitentas. Foram os principais pioneiros de toda uma tendência arredada das tabelas de vendas, contando com aliados como os conterrâneos Aztec Camera e Josef K. Na demanda da pureza e da perenidade pop em era dada a "futurismos" rapidamente datados, todas estas bandas contaram com a alto patrocínio de Alan Horne, fundador da lendária Postcard Records. A ideia por detrás da editora de Glasgow, baseada no exemplo da Motown, era a de lançar singles perfeitos com o objectivo de se tornar, tal como a fonte de inspiração, uma fábrica de hits. O sucesso era também a meta de Edwyn Collins, vocalista e principal compositor dos Orange Juice, mas cedo percebeu que a Postcard não dispunha dos meios nem da organização para tal.

Escrito pelo guitarrista James Kirk, "Felicity" faz parte do lote de temas originalmente lançados ainda nos tempos da independência, numa versão pouco polida e até algo rude, dadas as parcas condições que Horne tinha para oferecer. Com a ruína da Postcard, e a deslocação dos Orange Juice para uma multinacional, o mesmo tema foi recuperado, regravado em melhores condições e escolhido para single promocional do excelso álbum de estreia You Can't Hide Your Love Forever. Foi apenas um de vários hits menores para a banda, mas paradigmático de uma proposta que se destacava de qualquer tendência vigente à época. Reverentes às suas influências, os Orange Juice conciliavam aqui o inconciliável: por um lado a guitarra desengonçada e chocalhada dos Velvet Underground, por outro o pulsar do ritmo funk dos Chic. Outras músicas negras, nomeadamente a soul, estão patentes no tom grave e na cadência de Edwyn Collins. Na letra, embora não da sua autoria, este exprime um exacerbado romantismo ingénuo, talvez enganador se atentarmos no cinismo latente, imagens de marca da sua própria escrita omnipresentes em toda a obra da banda. Ao largo, uma miríade de bandas tirava e notas e esperava para acontecer, norteada pelos princípios dos Orange Juice. Do vasto rol, só a título de exemplo, destacamos duas que poderiam não ter acontecido tal como as conhecemos, não fossem canções como "Felicity": The Smiths e The Wedding Present. Não será por acaso que estes últimos reconheceram a reverência gravanso a sua própria versão do tema.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

The lady sings punk















Consta que, ainda adolescente, Kathleen Hanna percebeu que seria de luta o seu estatuto de mulher na sociedade. Na vida adulta, a amizade com Kurt Cobain seria apenas um faît divers caso não tivesse sido ela a dar origem ao título do tema que mudaria para sempre a face da música popular. No entanto, o seu maior legado musical são as Bikini Kill, banda integralmente feminina que fundou em 1990. A importância do quarteto nascido na fervilhante "cena" do noroeste americano extravasa as fronteiras da própria música, sendo determinantes ao nível comportamental, na atitude a partir daí assumida por inúmeras rock girls num universo tendencialmente machista. Inspirada pela figura tutelar de uma Joan Jett, pelo espírito de independência de um Calvin Johnson, e pela postura interventiva de uns Fugazi, Hanna esteve na origem do movimento que ficou conhecido como riot grrrl. A partir do aparecimento das Bikini Kill, e dos seus concertos de confronto aos clichés do establishment macho, é infindável o rol de bandas de tendência feminista, atitude punky, e discurso vitriólico a reconheceram-lhe a influência e, sobretudo, o encorajamento: dos Huggy Bear aos Gossip, das Sleater-Kinney às Pussy Riot.

Logo após o fim das Bikini Kill, em 1997, Kathleen Hanna fundou as Le Tigre. Nesta nova aventura, manteve o tom politizado nas letras mas flectiu na linguagem musical. Agora, a proposta era substancialmente mais dançável, com ligação directa à tendência funk do período pós-punk. Talvez inadvertidamente, Hanna acabaria uma vez mais por estar à frente de algo e ser seguida por um rebanho nas opções, nomeadamente o sem número de revivalistas post-punk que na década passada surgiram como cogumelos. Actualmente, mais contida, integra uma banda mista, mais ainda maioritariamente feminina: The Julie Ruin. O nome deriva de o único álbum a solo, no curto hiato entre as duas bandas anteriores, e a sonoridade, embora mais próxima das convenções pop/rock, não esquece tanto o reboliço das Bikini Kill, como o apelo dançante das Le Tigre. Aqui e ali, a voz ainda é irrequieta, e o discurso, embora mais refinado, não perdeu a contundência.

Obviamente que uma figura com semelhante trajecto tem de suscitar forte admiração em certos sectores femininos, ou até mesmo idolatria. Que o diga a realizadora Sini Anderson, autora do recente documentário The Punk Singer, inteiramente dedicado a Kathleen Hanna. Para o dito, foram recolhidos depoimentos do marido Adam Horovitz (Beastie Boys) e de inúmeras companheiras de armas, entre elas Corin Tucker e Carrie Brownstein (Sleater-Kinney), Joan Jett, e Kim Gordon (Sonic Youth). Já com algumas semanas de rodagem lá fora, o filme tem sido apontado como excessivamente reverente à sua figura central, mas também extremamente revelador até para os mais versados na vida e obra de Hanna. Independentemente do que se diz, gostaríamos de o ver por cá, pois não é todos os dias que figuraças apenas ao nível underground merecem tamanhas mordomias.

 
[IFC Films, 2013]

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

People have the power
















Já ninguém pode negar que os anos mais recentes têm sido de autêntica revitalização da soul, com a edição de discos aconselháveis em número como já não se verificava há décadas. Este pequeno movimento, fruto sobretudo do crescente interesse de um público adulto e branco, tem o sentimento de sobra que faltou àquele período fugaz no inícios de oitentas, algo lamechas, que rapidamente abriu caminho às mega-estrelas carpideiras do R&B para consumo das massas. No epicentro deste belo revivalismo tem estado a nova-iorquina Daptone Records, editora com uma atitude laboriosa e devota desde os alvores deste novo século. Às custas deste pequeno grupo de geeks da soul, já tivemos o prazer de travar conhecimento com o maravilhoso Charles Bradley, homem com uma história incrível que teve o reconhecimento do seu talento já sexagenário. Também o "esquecido" Lee Fields é actualmente alvo de uma justíssima redescoberta graças às boas gentes da Daptone.

Sem qualquer demérito para os citados, porém, a estrela da companhia é Sharon Jones, também ela iniciada nas lides discográficas já numa idade madura, embora não tanto como a de Bradley. Sempre acompanhada dos fieis The Dap-Kings, banda que integra os fundadores da Daptone e outros músicos que acompanharam Lee Fields nos anos da invisibilidade, tem lançado discos a bom ritmo e de bom nível desde a fundação da editora. O último deles, já o quinto álbum de originais, é o novíssimo Give The People What They Want, gravado com alguma urgência depois de ter sido diagnosticado à cantora um tumor pancreático. Fazendo das fraquezas forças, podemos afirmar que Sharon Jones arranca aqui o seu melhor trabalho, também o mais pessoal e menos politizado do catálogo. Embora o título remeta directamente para um velho tema dos The O'Jays, típico da soul "progressiva" da década de 1970, a sonoridade deste novo álbum está completamente desligada dessas "modernices", já que o respeito pela soul da velha escola - a de sessentas - é absoluto. O habitual comentário social resume-se praticamente a um par de temas, deixando mais espaço para os assuntos do coração. Por isso, a voz de Sharon Jones é menos ostensiva do que o costume, mas também mais maleável e virtuosa na sua contenção, desafiando o meio dominado pelos homens, tal como o fez Aretha Franlin décadas antes dela. Sem a querer pôr ao nível da Diva, o que é certo é que Jones navega com notável à-vontade por diferentes registos, sobretudo a southern soul, mas também com digressões pelo classicismo de Filadélfia e pelo sentir pop da Motown. No elogio a Give The People What They Want é também imperioso referior o trabalho dos Dap-Kings, em perfeita sintonia com a cantora, com arranjos extremamente cuidados e luxuriantes, sopros abundantes e profusamente groovy, e ainda coros altamente harmoniosos, estes cortesia das Dapettes.

 
"Retreat!" [Daptone, 2013]

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Black hole sun















Já desde inícios da década passada que os adeptos do género musical normalmente associado ao conservadorismo devem andar a lamentar que já não se façam "metaleiros" como antigamente. Foi por essa altura que começámos a ouvir falar de bandas como Isis, Pelican, ou Red Sparowes, cujo visual em pouco coincidia com o do headbanger típico. Gente com uma sensibilidade que não se resumia às historietas de fantasia e feitiçaria do heavy metal primordial, esta adornava a sua música com elementos afins com o post-rock ou o shoegaze, uma tendência que ficaria baptizada como post-metal. Aquilo que era novidade, rapidamente passou a saturação e a esgotamento de ideias, algo que os pontas-de-lança Isis terão percebido, decidindo terminar funções com dignidade. Ainda que fugaz e algo subterrâneo, este pequeno "movimento" foi o suficiente para chamar a atenção da comunidade indie para sonoridades mais extremas, bem como para alargar horizontes ao consumidor habitual de metal.

Se os citados já tinham chocado as falanges conservadoras, o que dizer agora então do Deafheaven, colectivo californiano que gira em torno do vocalista George Clarke e do guitarrista e compositor Kerry McCoy? Bem, olhando para a dupla nuclear, corremos sérios riscos de os tomar por um bando de geeks da electrónica. Nada de mais errado, pois a matéria prima dos Deafheaven é algo de tão extremo como o black metal, esventrado no superlativo segundo álbum Sunbather, cuja rodela se esconde sob uma capa de perfeita simplicidade que pouco ou nada tem a ver com o imaginário das bandas congéneres do norte da Europa. Também a música do disco, verdadeiramente épico, não se resume aos guinchos maléficos e à cacofonia e distorção extremas, já que, tal como nos casos acima citados, também pede emprestadas as dinâmicas do post-rock e as texturas idílicas do shoegaze. Assim, após o impacto inicial, é sem surpresas que alternamos entre picos de uma vertigem infernal e planícies contemplativas, com guitarras lânguidas e até pianos delicados, sem que se note qualquer incompatibilidade nessas mudanças de registo súbitas. Por outro lado, o conteúdo "lírico" não é a habitual manifestação de misantropia associada ao black metal, mas sim algo de profundamente melancólico e, diria até, ligeiramente romântico. Seguindo o exemplo de pioneiros fusionistas como os Godflesh ou os Neurosis, e a veia experimentalista destes, os Deafheaven não demonstram qualquer receio de correr riscos, juntando à paleta algo de tão inesperado como a spoken word, materializado em leituras de Milan Kundera, à mistura com samples de negociações com dealers (!) e de ladainhas de pregadores de rua. Certo de que o improvável cocktail de Sunbather irá, por motivos diferentes, criar repulsa tanto no público do metal como no de outras tendências mais ortodoxas, não menos certo estou que possa também derrubar preconceitos de ambos os lados. Desde que haja ouvidos polidos para tal, claro está.

[Deathwish Inc., 2013]

domingo, 12 de janeiro de 2014

O jogo das diferenças #25


DAVID BOWIE
The Next Day
[Columbia, 2013]

GIRLS NAMES
The Next Life EP
[Slumberland, 2013]

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Biscoito com canela

















Não se apresenta como tarefa fácil, prosseguir uma carreira depois de, durante uma década inteira, se ter estado à frente de uma das bandas de maior referência desse período. Que o diga Stephen Malkmus, que depois ter encabeçado os Pavement, pior do que ter perdido a relevância, é já votado à indiferença por muitos dos que o idolatravam na banda que o notabilizou. Tratamento algo injusto, se atentarmos que os álbuns que já leva em nome próprio (na maior parte acompanhado pelos The Jicks), e que já são em maior número que os dos Pavement, não sendo propriamente excepcionais, estão longe de serem considerados maus discos, embora Face The Truth (2005) não ande assim tão longe. Por outro lado, nos anos mais recentes, à medida que a banda de companhia foi interagindo mais no processo criativo, há mesmo que reconhecer que os discos ficaram a ganhar no nível qualitativo. São os casos de Real Emotional Trash (2008), delírio jam impregnado de rock setentista, e principalmente do último Mirror Traffic (2011), ainda a percorrer as mesmas referências, mas mais concentrado no canção canónica.

O período de graça estende-se ao novíssimo Wig Out At Jagbags, também a navegar nas águas do freak rock dado à técnica da década de 1970, mas com uma maior soltura que o anterior. À falta de melhor elogio, o apuro técnico de Malkmus e dos The Jicks é (mais uma) resposta a quem gracejava com as supostas limitações dos Pavement enquanto executantes. Felizmente, o álbum tem outras e mais significativas qualidades que a mestria dos músicos. Com as sucessivas audições, e com o necessário distanciamento para evitar comparações com um glorioso passado, cada um dos doze temas revela uma frescura que já não julgávamos possível nestes autores, convencendo-nos de que cada um dos muitos detalhes é factor de enriquecimento dos mesmos. Próximo de completar meio século de vida, Malkmus cede nuns quantos temas a um registo introspectivo que deixa adivinhar que a maturidade é uma inevitabilidade. Porém, estes são apenas uma das facetas do disco, pois a corrosão sarcástica próxima do absurdismo ainda é matéria abundantemente explorada pelo enfant terrible incorregível. Portanto, este é mais um trabalho motivador de muitos sorrisos trocistas, mas também de uma leveza quase pop que o aproxima da obra de uns The Sea and Cake, estes há muito em torno da quase perfeição do formato canção, que fazem questão de disfarçar sob o rigor da técnica.

 
"Cinnamon And Lesbians" [Matador, 2014]

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Do you like Paul Verlaine?
















Embora não seja matéria abundantemente aflorada nas enciclopédias pop, é indesmentível o contributo do chamado Dunedin Sound da Nova Zelândia, criado à volta da lendária Flying Nun Records, no moldar de uma sonoridade da "América alternativa" de noventas. Embora obscura, esta referência está tão presente em bandas como os Pavement ou os Superchunk quanto o estão as iminências post-punk britânicas. À cabeça, é obrigatório referir nomes como Tall Dwarfs, The Clean e The Chills, bandas com uma linguagem muito própria, com laivos de psicadelismo e em regime de baixa fidelidade, embora recuperadora de toda a rebeldia rock que as precedeu, dos Velvet Underground aos Modern Lovers, de Captain Beefheart aos Television. Estes últimos tiveram especial impacto na música dos The Verlaines, banda normalmente não apontada como pioneira como as citadas, mas talvez com maior projecção extra-muros que aquelas. Ainda se encontram activos no presente, depois de inúmeras alterações no line-up, sempre à volta do constante líder Graeme Downes, e a editar com uma regularidade que faz inveja aos seus pares.

Depois dos seminais Toy Love, que por sinal se extinguiram ainda antes da fundação da Flying Nun, são, com alguma surpresa, os Verlaines os contemplados no programa de reedições da editora neozelandesa previsto pela norte-americana Captured Tracks. E logo em pacote duplo, no qual se estranha a não inclusão de Bird Dog (1987), segundo e mais representativo álbum da banda que lhe valeu intensa rotação nas college radios americanas, mesmo antes dos The Chills terem augurado semelhante proeza. Ao invés, a opção recaiu sobre o debute Hallelujah All The Way Home (1985), disco ainda algo imberbe, com canções em estado bruto, dado o seu registo num jangle algo rudimentar. Mais apelativo será Juvenilia, compilação originalmente editada em 1987 e que reúne a totalidade dos temas até então editados em singles e EPs. É um documento que, além de abrangente, permite aferir os progressos da banda, da rudeza inicial ao engrandecimento das canções posterior, sempre altamente romantizadas e aproximarem-se tenuemente do pompa da big music. No alinhamento sobressai "Death And The Maiden", canção pop de primeira água e um quase-hit. É da letra desse tema que se extrai o título acima, referência ao poeta francês que originou o nome da banda mas também o nome artístico adoptado por Tom Verlaine, líder dos Television, denunciado o forte cunho literário das composições de Graeme Downes, bem como os seus tutores musicais. Oiçam, e de seguida corram a comprar, se não ambos os discos, pelo menos o imprescindível Juvenilia.

 
"Death And The Maiden" [Flying Nun, 1983]

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

First exposure #62

















THE BALCONY STARS

Liverpool às voltas com o seu passado, principalmente as memórias da aurora pós-punk dos "outros" fab four.

Formação: variável, à volta do núcleo Alan Sullivan (voz) e Andy Pringle (gtr)
Origem: Liverpool, Inglaterra [UK]
Género(s): Pop, Indie-Pop, Psych-Pop, Post-Punk
Influências / Referências: Echo & The Bunnymen, The Wild Swans, The Psychedelic Furs, Joy Division, British Sea Power, Palma Violets

http://thebalconystars.bandcamp.com/

 
"She's Going Down" [Eighties Vinyl, 2013]

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Good cover versions #80












JOANNA GRUESOME - "Tugboat" [Fortuna POP!, 2013]
[Original: Galaxie 500 (1988)]

Poucos terão conseguido pregar as inanidades da idade jovem como os Galaxie 500 e ao mesmo tempo soar tão convincentes. A proeza ganha maior dimensão se referirmos que o trio de Boston era bastante limitado nos recursos, arrastando as canções à volta de pouco mais que um acorde. Eram também uma banda devota às referências, logo à cabeça os Velvet Underground, que endeusavam e homenageavam no recurso recorrente à reverberação e à distorção. Só aceitando a genuinidade da sua música se explica o culto crescente com o passar dos anos, algo que lhes escapou durante o curto período da sua existência. "Tugboat", aquele que foi o seu cartão de visita, é paradigmático daquelas características. Canção de uma beleza espectral, tem na letra simplista uma declaração do ennui juvenil de ingenuidade alarmante. Na parte final, tem espaço bastante para o devaneio instrumental, algo a que recorriam frequentemente, em jeito de catarse.

Só com grande dificuldade conseguimos detectar pontos de contacto da contenção dos Galaxie 500 com os galeses Joanna Gruesome, estes uma miscigenação dos sonhos sónicos dos My Bloody Valentine do primeiro álbum com a irreverência riot grrrl. Talvez só mesmo o afecto comum pela distorção, algo no qual estes são explosivos, enquanto aqueles eram recatados. Porém, esta quase total ausência de afinidades não implica que os de Cardiff não honrem "Tugboat", numa muito bem conseguida revisão. Como óptima versão que é, tem as duas características fundamentais para tal: respeita o original e tem as marcas identitárias da banda que dela se apodera. Isto, traduzido em miúdos, quer dizer que, após um começo contido, que nos apresenta a vocalista Alanna McArdle num pouco habitual registo amansado, a versão rebenta em repetidas explosões e espirais de guitarras ruidosas e desalinhadas. Na ausência de um refrão propriamente dito, estes escapes sónicos fazem as vezes de tal com toda a naturalidade.



sábado, 4 de janeiro de 2014

R.I.P.



PHIL EVERLY
[1937-2014]

Morreu ontem em Los Angeles, perto de completar 75 anos, Phil Everly, uma das metades da dupla de sucesso The Everly Brothers, juntamente com o irmão Don. O sucesso precoce dos dois irmãos despontou na década de 1950, quando o rock'n'roll ainda gatinhava e ao qual eles adicionavam umas pitadas de country. A outra característica para o reconhecimento imediato, mesmo a principal, foi o enorme talento da dupla para as harmonias vocais, muito em voga à época.

Iniciados nas lides musicais ainda crianças, no seio da Everly Family, cedo os dois irmãos se destacaram dos progenitores, não só pelo referido dom inato, mas também pelo invulgar jeito entre os cantores da altura para escrever as suas próprias canções. Porém, os maiores sucessos datam da época em que estiveram ligados a Felice e Boudleaux Bryant, o casal de hitmakers responsável pela escrita de clássicos como "Wake Up Little Susie", "All I Have To Do Is Dream", ou "Bird Dog". Também a gravação de versões foi uma constante na carreira dos Everly Brothers, chegando inclusive a dar maior visibilidade a temas originalmente gravados por estrelas da dimensão de Elvis Presley ou Roy Orbison. O sucesso retumbante da dupla, assinalado também pelo hit "Crying In The Rain" (1962), foi refreando com o avançar dos sixties, à medida que as propostas pop mais sofisticadas iam chegando de Inglaterra. A separação ocorreu em 1973 e prolongou-se por uma década de trabalhos a solo, até que o estranho revivalismo motivado pela tendência de alguns teen movies de oitentas motivou o regresso. Até ontem, os Everly Brothers mantinham-se activos, com aparições esporádicas em concertos que o saudosismo de todas as eras que estes nossos tempos possibilita.

Bye Bye Love by The Everly Brothers on Grooveshark
[Cadence, 1957] 

All I Have to Do Is Dream by The Everly Brothers on Grooveshark
[Cadence, 1958]

Crying in the Rain by The Everly Brothers on Grooveshark
[Warner Bros., 1962]

Directo às estrelas

















Nestes tempos em que raros são os que resistem à febre dos regressos, Neil Halstead tem rejeitado liminarmente qualquer oferta para a reunião dos Slowdive. Seguramente seriam muitos a celebrar o regresso da banda que foi, talvez, a face mais visível da facção contemplativa da vaga shoegazer, remetendo para segundo plano uma já longa carreira à frente dos Mojave 3, bem como um trio de discos a solo. Para já, também o bucolismo contaminado pela folk destes projectos fica em banho-maria, pois Halstead concentra todos os esforços nos Black Hearted Brother, nos quais divide protagonismo com Mark Van Hoen e Nick Holton. O primeiro foi membro fundador dos Seefeel e desenvolveu propostas electrónicas como The Locust, enquanto o último tem currículo mais obscuro, principalmente nos meandros da psych-folk. Todos os três já se cruzaram anteriormente nos trabalhos uns dos outros.

Talvez derivado da dinâmica possibilitada pelas afinidades já exploradas nas colaborações prévias, não foram precisos muitos meses para que os Black Hearted Brother dessem frutos, concretamente um belíssimo álbum lançado já na recta final do ano findo. Intitulado Stars Are Our Home, este trabalho é reflexo óbvio da comunhão de sensibilidades dos seus intervenientes, mormente dos Slowdive do derradeiro Pygmalion (1995) e dos Seefeel da mesma altura, quando as ferramentas electrónicas e as texturas ambientais assumiam a mesma importância dos pedais de efeitos das guitarras. Por conseguinte, é um disco que arrisca o experimentalismo sem, contudo, perder a noção de canção pop. Nas texturas, densas mas penetradas por uma luz intensa, as guitarras são a matéria primária, enquanto a manipulação electrónica representa um condimento muito peculiar e fundamental. Da dúzia de temas para audição preferencial num único fôlego resulta uma espécie de psicacelismo positivo, que não enjeita a deriva espacial que o título sugere. Quando comparado com propostas na mesma área há uma boa vintena de anos, dos Flying Saucer Attack ou dos Spiritualized, Stars Are Our Home contrapõe ao negativismo daqueles um estranho optimismo, materializado na vontade de nos embalar num manto idílico.

 
"My Baby Just Sailed Away" [Slumberland / Sonic Cathedral, 2013]

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Mixtape #26: Strictly Reserved For You



Tenham lá calma que as festas ainda não terminaram!... Pelo menos no April Skies, que comemora hoje mais um aniversário de emissões regulares: o sétimo. Seguindo um hábito que começa a tornar-se tradição, a prenda fica por nossa conta. Assim, aproveitando o fim de ano ainda fresco, e para rematar esta coisa dos balanços, hoje temos para vos oferecer 20 canções das melhores que por aqui se ouviram durante os últimos doze meses. Na selecção não há nada de dinossauros ou vacas-sagradas, mas parece-me, ainda assim, haver motivos de sobra para merecer uma ou duas escutadelas da vossa parte. Ora arrisquem lá clicar no link indicado, seguir os passos habituais, e depois digam coisas.

[Link]

01. DEAN WAREHAM - Love Is Colder Than Death
02. THE CHILLS - Molten Gold
03. PREFAB SPROUT - The Best Jewel Thief Of The World
04. EDWYN COLLINS - Too Bad (That's Sad)
05. CHARLES BRADLEY - Strictly Reserved For You
06. THE PASTELS - Summer Rain
07. MIKAL CRONIN - Weight
08. SEBADOH - I Will
09. WAXAHATCHEE - Misery Over Dispute
10. PARQUET COURTS - Borrowed Time
11. SCOTT AND CHARLENE'S WEDDING - Lesbian Wife
12. JOANNA GRUESOME - Sugarcrush
13. MERCHANDISE - Anxiety's Door
14. DEERHUNTER - Sleepwalking
15. GRANT HART - Is The Sky The Limit?
16. MAVIS STAPLES - I Like The Things About Me
17. VERONICA FALLS - Broken Toy
18. YO LA TENGO - Ohm
19. MY BLOODY VALENTINE - Only Tomorrow
20. DIRTY BEACHES - Like The Ocean We Part