"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

R.I.P.


DAVY JONES
[1945-2012]

Morreu hoje, vítima de ataque cardíaco, Davy Jones, vocalista e guitarrista britânico dos norte-americanos The Monkees, autêntico fenómeno pop extremamente popular junto do público adolescente em meados da década de 1960. Foi também actor e músico a solo, actividades que intercalou com os vários regressos da banda que lhe deu a fama.

Ideia dos realizadores Bob Rafelson e Bert Schneider, os Monkees poderão ser vistos como a primeira boy-band. O intuito inicial da sua formação era contrariar o alastrar nos Estados Unidos da chamada British Invasion, e em particular dos Beatles. Aliás, consta até que tenha sido o filme A Hard Day's Night que tenha estado na base da ideia da dupla criadora. Promovidos, entre 1966 e 1968, por um programa de televisão com o nome da própria banda, os Monkees acabariam por se tornar autênticos campeões de vendas, rivalizando, inclusive, com os próprios fab four.

Porém, da sua obra musical, interessa sobretudo reter aquela que surgiu posteriormente à aventura televisiva. É nesta fase que a música da banda ganha "seriedade", embarcando no espírito aventureiro da época. É também nesta fase que sobressai como escritor de canções o guitarrista Michael Nesmith, autor de quase todos os temas à excepção daqueles que eram encomendados a consagrados compositores. Como qualquer banda daquela era, os Monkees foram também tocados pelo espírito do psicadelismo, tal como tão bem se exemplifica no delirante filme Head e respectiva banda sonora. Do dito, recordemos, não sem algum assombro, o tema principal, saído da pena da dupla Gerry Goffin e Carole King.

"Porpoise Song (Theme From Head)" [Colgems, 1968]

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Dias de todos os santos
















Há perto de quatro anos, os All the Saints apresentavam-se ao mundo, longe de imaginar que seriam uma das últimas apostas da saudosa Touch and Go, uma das mais interessantes editoras norte-americanas que cessou a edição de música nova derivado da crise financeira. Traziam na bagagem o álbum Fire On Corridor X, um interessante disco orientado numa linha sónica que não enjeitava um piscar de olho ao psicadelismo. Apesar de ainda denotar alguma indefinição, não deixava de ser indicador de uma banda a ter sob olhar atento.

Nada faria prever, mesmo atendendo à súbita posição contratual do trio de Atlanta, que o sucessor seria de gestação tão lenta. Escutado com alguma insistência o novíssimo Intro To Fractions, posso afiançar-vos que valeu a pena a longa espera. Partindo dos pressupostos do antecessor, o novo álbum é, contudo, um trabalho de maior coesão. Para tal muito contribui o reforço de um negrume opressivo, sublinhado na voz de Matt Lambert, ora afogada nas texturas densas, ora de uma expressividade lancinante. Como um monólito de elevada opacidade sob o qual se vislumbram assomos de melodia, Intro To Fractions introduz ainda um apelo kraut inaudito, cortesia da bateria maquinal de Jim Crook. Resumindo, uma das raras pedradas no charco neste ano de 2012 que teima em descolar da mediania.

"Half Red, Half Way" [Souterrain Transmissions, 2012]

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Ao vivo #80
















Megafaun + Alto! @ MusicBox, 24/02/2012

Dos Megafaun não tinha propriamente um conhecimento profundo. Sabia, por exemplo, que são o trio (ao vivo um quarteto, com a adição de um baixista) composto pelos antigos companheiros de banda de um tal Justin "Bon Iver" Vernon. Em termos musicais o contacto resumia-se a umas audições superficiais do último álbum (homónimo, do ano passado), um disco percorrido por uma indie-folk com alguns apontamentos de sons acidentais.

Alguma curiosidade despertada por esse trabalho, somada de uma certa "fome de palcos", foi o suficiente para me fazer acorrer ao concerto da passada sexta-feira, com uma moldura humana acima do expectável. Aos primeiros sons há alguma surpresa, com a banda a demonstrar um cariz técnico que não era tão evidente no disco citado. Nesta fase inicial, os longos delírios instrumentais, com atenção a cada pormenor, são entrecortados pelas partes cantadas, às vezes a três vozes, de uma melancolia planante. Na parte intermédia do concerto, a banda deriva para territórios mais conservadores, tanto de uma country fiel às raízes, como de um southern rock que, no melhor, faz lembrar os My Morning Jacket e, no pior, os Eagles. Daí a banda retoma a faceta com que abriu a noite, reganhando um público progressivamente desligado e deixando fluir a beleza das harmonias vocais intercaladas pelo primor técnico.

Se o final do concerto propriamente dito foi em estado de graça, melhor foi aquela espécie de encore que os Megafaun tinham reservado. Primeiro com o impagável baterista a assumir o protagonismo num autêntico número de variedades que incluiu um "Fuck you, I won't do what you tell me" do qual poucos souberam extrair a ironia implícita. E depois quando caminharam para o meio da assistência, qual band of gypsies, entoando um repetitivo "Come on ease your mind" a que o público respondeu em coro. Lá no alto, vislumbravam-se os olhares de preocupação do staff da casa perante um dos momentos mais punk a que Lisboa assistiu recentemente. A banda, indiferente a tal reprovação, e possuída pelo entusiasmo de tão tardio horário, como foi feita referência, parecia querer perpetuar a coisa pela noite dentro. Caso tal tivesse acontecido, só sairia enriquecida a vida nocturna do agora tão concorrido Cais do Sodré.

Mais insólita do que a prestação dos cabeças de cartaz foi a escolha da banda da primeira parte, os portugueses Alto! que, ao que parece, devem ter alguns amigos nos lugares certos que tratam destes favores. Em antagonismo com o que se seguiria, são praticantes de um garage-rock devedor dos MC5, Blues Explosion, e quejandos, muito em voga por cá, como no passado já fiz referência. Pobremente personalizados, são também uma mescla de outros sons sessentistas, como os indesejáveis The Doors, trazidos a lume pelo irritante órgão que, no começo, até ameaça aproximações a uns Television Personalities (era bom, era...). 

Se muitas vezes já denunciei a falta de atitude em palco de muitas bandas nacionais, no caso em apreço tenho de confessar a falta de pachorra para o excesso dela. Em particular do vocalista que, ao longo da contenda e em jeito ensaiado, desfila um rol de clichés do rock "físico": ele enrola o cabo do microfone à volta do pescoço, ele solta palavrões forçados, ele põe a mão na genitália, ele parece estar num ginásio para patetas... E por falar em patetices, o que dizer daquele salto para o meio do público, de microfone em punho, ainda o número de circo mal tinha começado? Claro está que não faltou o grupinho de seguidores próximos, que lá à frente se agitava com o frenesim de quem assiste ao nascimento do rock'n'roll...

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O jogo das diferenças #4

THE KINKS
The Kink Kontroversy
[Pye, 1965]

SLEATER-KINNEY
Dig Me Out
[Kill Rock Stars, 1997]

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

To be or not to be
















A formação dos You Can Be A Wesley remonta a finais da década passada, quando todos os seus quatro jovens integrantes estudavam na Universidade de Boston. Ainda numa fase imatura, editaram o álbum Heard Like Us (2009), um pequeno disco que serviu de cartão de visita e para afinar algumas agulhas. Não causou grande alarido, esse conjunto de canções de uma indie-pop efusiva e algo estridente na qual se escondiam tímidas harmonias vocais.

Perante a discrição desse primeiro lançamento, a banda tem desde então optado pela edição de pequenos formatos. O último dos quais é Nightosfere, um EP de seis faixas lançado em edição de autor em finais do ano transacto. Dada a evolução entretanto desenvolvida, será de esperar que um próximo disco já mereça a edição(distribuição por parte de uma editora. É que, não sendo propriamente a salvação da pop, Nightosfere é digno de umas quantas audições com assinalável agrado. Por um lado, tem o gosto pela praia de uns Best Coast, com a voz falsamente inocente de Saara Untracht-Oakner (agora vocalista quase exclusiva) a denotar algumas afinidades tanto com a de Bethany Cosentino como com a Tanya Donelly. Por outro, as camadas densas das guitarras remetem para os ambientes tensos de uns Deerhunter. Deste balanço de contrastes, os YCBAW extraem alguns óptimos apontamentos de uma pop simultaneamente atípica e convencional.

"Old In Florida" [edição de autor, 2011]

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

First Exposure #42
















BLEACHED*

Formação: Jennifer Clavin (voz, gtr, tcls); Jessica Clavin (bx)
Origem: Los Angeles, Califórnia [US]
Género(s): Indie-Pop, Noise-Pop, Fuzz-Pop, Punk-Pop, Twee-Pop
Influências / Referências: Best Coast, Mika Miko, Vivian Girls, Shop Assistants, Dum Dum Girls, Ramones, No Age, Wavves

Ouvir

(*) Dupla de irmãs que fizeram parte das extintas Mika Miko.

"Think Of You" [Art Fag, 2011]

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Mil imagens #27


Daniel Johnston - Noise, Nova Iorque, 1990
[Foto: Michael Macioce]

Sweety sweet
















Lá mais para o fim da Primavera, e se tudo correr conforme o previsto, no espaço de uma semana, espero cruzar-me duas vezes com  os Spiritualized, uma das bandas de estimação cá da casa. Será uma espécie de desforra pela longa espera pelo primeiro encontro, ocorrido ainda não há quatro anos. Na altura, o revitalizado Jason "Spaceman" Pierce já trará para o palco algumas das canções de Sweet Heart Sweet Light, o novo disco agendado para dentro de um mês exacto. É já o sétimo álbum desde o corte de relações com Peter "Sonic Boom" Kember, que ditou o inevitável fim dos Spacemen 3, e tal como a editora que o lança no mercado (Double Six, nova subsidiária da Domino Records), promete agitar as águas neste ano de 2012.

Se o anterior e mui recomendável Songs In A&E (2008) se baseava na experiência de proximidade da morte do seu autor, Sweet Heart... recolhe inspiração nas vivências da rodagem pelos palcos da totalidade de Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space (1997), o clássico da expiação da dor-de-corno que perdura como a obra maestra de Pierce. Por outro lado, e segundo o próprio, o novo disco resulta também de uma dieta musical centrada em The Beach Boys e Dennis Wilson, pelo que é de esperar um trabalho de uma maior leveza do que o habitual. Algo compreensível, agora que Pierce parece ter ultrapassado alguns graves problemas pessoais que, desde a estreia nas lidas musicais ainda adolescente, se reflectiam na música. Não faltarão, contudo, as habituais canções de súplica ao divino, tais como esta já apresentada em locais como, por exemplo, uma igreja irlandesa:

"So Long You Pretty Things" - live, 04/12/2011

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Mixtape: Especial Mouco / April Skies - Nothing Left To Lose


Foto: Fugazi (Bert Queiroz)

1991 - The Year Punk Broke é já um verdadeiro chavão quando aplicado aos meandros da dita música alternativa norte-americana. Tudo porque, no ano em questão, um disco intitulado Nevermind irrompeu pelo mainstream adentro e trouxe o underground à superfície, algo impensável até então. Se o "fenómeno" é explicado habitualmente por um vago "a música certa no momento certo", atribuindo parte da responsabilidade ao acaso, o que é certo é que, nos anos que antecederam a ascensão dos Nirvana, centenas de bandas diminutas cruzaram os states de costa a costa, tocando em salas igualmente diminutas, para plateias diminutas, e sujeitando-se muitas vezes a condições de vida sub-humanas. Desde período preparatório poucas das bandas lograram beneficiar da abertura de portas propiciada por Nevermind, embora todas, em diferentes gradientes, tenham tido o seu impacto nos anos formativos do jovem Cobain.

Aproveitando a proximidade dos aniversários dos seus administradores, o Mouco e o April Skies juntam esforços, pelo segundo ano consecutivo, para mais uma iniciativa conjunta, na forma de uma compilação temática. Este ano, e à razão de dez escolhas por cabeça, conforme discriminado, traçamos um retrato a quatro mãos desse 80s american underground, semi-invisível mas na génese da última revolução musical digna de nota. Depois de descarregar a prenda, façam o favor de a escutar com o volume no máximo.


01. WIPERS _ "Nothing Left To Lose" (AS)
02. THE REPLACEMENTS _ "I Will Dare" (M)
03. BIG DIPPER _ "She's Fetching" (AS)
04. BUTTHOLE SURFERS _ "Human Cannonball" (AS)
05. MISSION OF BURMA _ "Academy Fight Song" (M)
06. BIG BLACK _ "Kerosene" (M)
07. PUSSY GALORE _ "Pig Sweat" (M)
08. HÜSKER DÜ _ "Could You Be The One?" (AS)
09. MINUTEMEN _ "Viet Nam" (M)
10. THE AFGHAN WHIGS _ "Retarded" (M)
11. SAVAGE REPUBLIC _ "Next To Nothing" (AS)
12. BLACK FLAG _ "My War" (M)
13. BITCH MAGNET _ "Joan Of Arc" (AS)
14. DINOSAUR JR. _ "Freak Scene" (M)
15. MEAT PUPPETS _ "Oh, Me" (AS)
16. BEAT HAPPENING _ "Cast A Shadow" (M)
17. GALAXIE 500 _ "When Will You Come Home" (M)
18. MY DAD IS DEAD _ "Too Far Gone" (AS)
19. FUGAZI _ "Give Me The Cure" (AS)
20. SCRAWL _ "I Feel Your Pain" (AS)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Singles Bar #72








SCRITTI POLITTI
The 'Sweetest Girl'
[Rough Trade, 1981]




No caldeirão do post-punk, e embora não sejam das propostas musicalmente mais radicais, os Scritti Politti, são, seguramente, uma das bandas com uma agenda política mais inflexível. Green Gartside, o mentor e líder incontestado, era (e ainda é) um simpatizante dos ideais de esquerda, imiscuídos com alguns conceitos do situacionismo retirados da leitura constante de literatura panfletária com uma avidez que só acontece nas idades mais jovens. A própria banda chegou a viver em espécies em comunas, nas quais muitas vezes eram esquecidas necessidades básicas de sobrevivência como comer ou dormir.

Um dia, e sem abdicar das crenças ideológicas, Gartside fartou-se da miséria e decidiu que queria ser rico e famoso. Apaixonou-se pela soul e por outras expressões da música negra e iniciou a sofisticação de alguma pop britânica de oitentas, "movimento" que conheceria o apogeu em meados da década. A primeira manifestação desta nova atitude foi The 'Sweetest Girl', single cujo tema-título ousava ser uma canção de amor, e daquelas com todos os condimentos de lamechice do género. Mas é também uma autêntica revolução pop, com o ritmo de quase reggae desacelerado e quebrado nas intromissões do piano de Robert Wyatt, o amigo convidado também da ala esquerda. A voz de Green, essa é a matriz para toda a blue-eyed soul que lhe haveria de suceder. Igualmente seguidor deste novo modus operandi, com coros soul femininos incluídos, o lado B "Lions After Slumber" retém ainda alguns resquícios da radicalidade de outrora. Mais anguloso, por oposição a lazeira lasciva do tema principal, tem ainda a particularidade de não ter refrão, reduzindo a letra a seis minutos de statements do género "my qualquer-coisa".


"The 'Sweetest Girl'"


"Lions After Slumber"

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Façam soar as pandeiretas!
















Apesar do curto período de vida, e de nunca terem chegado sequer a gravar um álbum, os Black Tambourine têm o seu nome gravado a ouro no livro da música independente norte-americana. Foram, sem concorrência à altura, uma espécie de fundadores, em território dos states, de uma linguagem indie-pop em linha com as bandas adjacentes à C86 britânica. Amigos do fuzz, seguidores das bandas de miúdas ligadas a Phil Spector, e admiradores da simplicidade inane dos Ramones, tal qual os inspiradores The Pastels ou Shop Assistants, deixaram para a posteridade não mais que cerca de uma dezena de temas. Desde a extinção, em 1991, com alguns membros a transitar para os igualmente recomendáveis Velocity Girl, não pararam de surgir as bandas a reconhecer-lhes o papel tutelar, com especial incidência na última meia dúzia de anos, prolífera na recuperação destas sonoridades indie/twee/lo-fi (olá The Pains of Being Pure at Heart!, olá Vivian Girls, olá Dum Dum Girls!). 

Há coisa de dois anos, por alturas da reedição aumentada da compilação com a sua obra integral, o quarteto reuniu-se fugazmente para gravar um tema nela incluída, na circunstância uma versão de "Dream Baby Dream", dos Suicide. O encontro parece ter reacendido a velha chama, pois a banda acaba de anunciar o regresso para uma série de concertos, para já apenas planeados para a terra natal. Mas as boas notícias não ficam por aqui, pois como forma de financiar as deslocações, visto que já nem todos os membros residem na área de Washington, D.C., a banda prepara-se para editar OneTwoThreeFour, um EP em formato de duplo 7", recheado com quatro versões de originais dos adorados Ramones. Na lista de vozes convidadas incluem-se Rose Melberg e Dee Dee (Dum Dum Girls). Resta cruzar os dedos para que uma alma caridosa se lembre de os incluir no cartaz de certo e determinado festival europeu. Enquanto sonhamos acordados, let's look at the trailer! E depois recuemos uns bons vinte aninhos...

OneTwoThreeFour Radio Spot [Slumberland, 2012]

"For Ex-Lovers Only" [Slumberland, 1992]

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O vermelho e o negro














Há pouco mais de um ano, chegaram sem pré-aviso e irromperam ruidosamente, firmando-se desde logo como uma das propostas mais interessantes no quadrante de bandas actuais que fazem do shoegaze matéria de estudo. Na bagagem traziam Sports, um disco denso e de um negrume opressivo que disfarçava alguma tendência para a "baixa-fidelidade" com a clareza de intenções. Falamos, obviamente, dos Weekend, um trio de São Francisco que gerou devoção imediata neste pasquim virtual.

Dado o impacto que aquele disco teve neste que vos escreve, não posso deixar de me penitenciar por apenas agora, com quase meio ano de atraso, saber da existência de Red, um EP de cinco temas preparatório de um segundo álbum que se perfila no horizonte. A impressão que fica de audições repetidas é a de que, sem descaracterizar a personalidade da estreia, os Weekend vão desenvolvendo a sua peculiar linguagem musical. Isto quer dizer que toda a aura negra ficou intacta, não obstante o véu difuso que cobria os temas ter perdido toda a opacidade e permitir agora vislumbrar canções estruturadas de corpo inteiro. Oiça-se, por exemplo, o inaugural "Sweet Sixteen", que inicia com batida marcial e sons fantasmagóricos, mas evolui para um estado de contemplação próximo de uns Deerhunter, se estes fizessem mais uso abusivo dos pedais de efeitos. Ou então o sublime "Hazel", dream-noise-pop da melhor safra que põe os Weekend em condições de competir com muitos dos shoegazers originais. Para esta evolução muito contribuem as opções de gravação, fazendo com que, na mistura final, a voz de Shaun Durkan se imponha acima da barreira sónica. Só podem, portanto, ser altas as expectativas para o segundo álbum, depois desta meia dezena de temas que já me fizeram esquecer a semi-desilusão recente com os compinchas A Place To Bury Strangers.


"Hazel" [Slumberland, 2011]

Discos pe(r)didos #61








PERNICE BROTHERS
The World Won't End
[Ashmont, 2011]




Iniciado nas lides musicais como membro dos Scud Mountain Boys, banda pioneira do chamado alt-country, Joe Pernice, mudou radicalmente de azimutes quando formou os Pernice Brothers. Com esta nova banda, que justifica o nome por também incluir o irmão Bob, igualmente transferido dos SMB, leva já década e meia de dedicação a uma pop de recorte clássico com travo agridoce. Nesta empreitada, e apesar de o reconhecimento não extravasar uns quantos devotos, nos quais me incluo, merece figurar no panteão dos grandes artesãos de canções da América actual.

Depois da estreia auspiciosa com o delicioso Overcome By Happiness (1998), ninguém poderia prever ser Joe Pernice capaz de se superar ao segundo disco. Pelo caminho ficou um par de discos, um em nome próprio, outro como Chappaquiddick Skyline, apenas porque a obsessão pela perfeição do nosso escritor de canções não os considerou ao nível de puder ostentar a chancela Pernice Brothers. Sem desprimor para essas obras laterais, é imperativo afirmar que valeu a pena a espera, pois The World Won't End resulta como um dos mais louváveis compêndios pop, facção happy/sad, que o novo século gerou até à data. 

Envolto numa toada de tristeza enternecedora, The World Won't End não abre mão de uma certa dose de ironia, só possível graças à capacidade de Joe Pernice em conjugar as palavras. A título de exemplo, atente-se em "The Ballad Of Bjorn Borg", que usa a conhecida megalomania do ex-tenista sueco como analogia para o alheamento relativamente ao próximo comum em muitos casais. Ou então na ultra-refinada "Working Girls (Sunlight Shines)", que consegue incutir leveza num tema que fala de uma jovem que considera o suicídio como hipótese. Aqui também há que ter em conta a voz de Pernice, calorosa e afável, tal como o trabalho da banda, irrepreensível na criação das melodias mais luminosas e carregadas de sacarina. No mesmo comprimento de onda nos restantes temas, The World Won't End vai discorrendo os sentimentos mais indesejáveis sem grandes parcimónia. Tais como o remorso ("Our Time Has Passed"), a amargura ("7:30"), a descrença ("She Heightened Everything"), a depressão ("Cronulla Breakdown"), ou novamente o vislumbre do suicídio ("Bryte Side"). Na outra face da moeda, temas como "Let That Show" e "Shaken Baby", enaltecem, respectivamente, valores como a amizade e o amor incondicional.

Muitas vezes percorrido por um sentir soft-rock, por via do uso frequente de refinados arranjos e da elegância formal, The World Won't End firma-se indubitavelmente do lado do bom-gosto pela simplicidade dos processos. Sem qualquer tipo de adereço supérfluo, e com uma espécie de jangle-pop de arestas limadas, os Pernice Brothers privilegiam a eficácia melódica das canções com assinalável contenção, em desfavor das exibições de exagerado virtuosismo.


"Working Girls (Sunlight Shines)"


"7:30"


"Let That Show"

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sounds like teen spirit
















Se bem se lembram, Roddy Bottum era o exuberante teclista de dreadlocks dos Faith No More. De personagem com tal cadastro não seria expectável que estivesse na génese de uma banda como os Imperial Teen, representantes da expressão indie tout court em solo norte-americano, vai para mais de década e meia. Se na Europa a visibilidade do quarteto é diminuta, nos states natais, a mão cheia de álbuns editados em intervalos irregulares é o garante de um culto sólido e consideravelmente numeroso.

O mais recente lançamento é o novíssimo Feel The Sound, um disco imbuído de uma frescura pop tal que julgávamos impossível em músicos que há muito entraram na "ternura dos quarenta". Relativamente aos antecessores, o novo álbum lima algumas arestas e dá especial protagonismo aos teclados. Uma vez mais, a alternância de vozes boy/girl são a pedra de toque para o poder de sedução no conjunto de canções que fazem da melodia uma prioridade. Não é que o todo seja a oitava maravilha do mundo, mas é coisa para nos manter entretidos durante um par de semanas. E, quem sabe, digna de ser recuperada lá mais para a frente, quando chegar o tempo quente. Portanto, um bálsamo nestes tempos em que os outrora incensados The New Pornographers parecem ter guinado de vez.


"Runaway" [Merge, 2012]

Good cover versions #62
















HAPPY MONDAYS _ "Step On" [Factory, 1990]
[Original: John Kongos, como "He's Gonna Step On You Again" (1971)]

Do grupo dos principais países de expressão inglesa, a África do Sul será aquele que tem menor visibilidade em termos de sucessos musicais à escala global, o que constitui um paradoxo com a riqueza musical do continente africano. A tal facto não será alheio o (demasiado) longo período que o país viveu sob o jugo do apartheid, que redundaria num quase total isolamento do resto do mundo. Contudo, aquele que deverá ser o maior hit da pop sul-africana data precisamente do apogeu desse regime tenebroso. Pertence a John Kongos, um músico (branco) que, em inícios de setentas arrecadou alguma notoriedade nas principais tabelas de vendas, sobretudo graças a "He's Gonna Step On You Again", um tema a meio caminho entre as guitarradas pré-glam típicas da época e a herança musical africana. Esta última característica está bem patente nos loops de fitas pré-gravadas com batidas tribais, um truque de gravação raro à época mas não totalmente inédito.

Há muito afastado dos holofotes, Kongos não esperaria, de todo, ser trazido à ordem do dia em pleno fervor Madchester, muito menos pela mão dos Happy Mondays, a banda paradigmática do hedonismo que assolou aquela cidade britânica na viragem dos oitentas para noventas. Como alunos mal comportados que foram, os Mondays não poderiam deixar de subverter o tema original, logo a começar pelo encurtamento do título. Shaun Ryder, o folião-mor, fez questão de "enriquecer" a letra com aquele calão tão peculiar que só ele próprio - e um ou outro compincha de "fumos" - entende. O resto fica a cargo da máquina rítmica da banda, tão eficaz que se apoderou de "Step On" e fez dela uma canção completamente nova. Inicialmente pensada para integrar uma compilação comemorativa do 40.º aniversário da editora Elektra, a versão foi trocada pela banda, que pressentiu o seu potencial, por uma do tema "Tokoloshe Man" (também original de Kongos). Neste raro momento de lucidez, os Mondays deram, eventualmente, o passo mais acertado na gestão da sua caótica carreira.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Contra a parede
















Quando foram apresentados ao mundo, os A Place To Bury Strangers vinham rotulados de "banda mais ruidosa de Nova Iorque", algo a que o trio, com sucesso, tentou provar no par de álbuns em cadastro. Ao vivo, então, o assalto sónico é de tal magnitude que nos faria querer fugir para um abrigo se por acaso não estivêssemos enredados numa espécie de transe estático. Nos genes têm os incontornáveis Mary Chain, porém com um certo sentir "gótico", e envoltos num manto difuso, evocam tanto os Sisters of Mercy dos primórdios, como os Love and Rockets.

Antes de darem à estampa o terceiro atentado decibélico, os APTBS vão experimentado algumas evoluções sonoras. Um tubo de ensaio é Onwards To The Wall, o novíssimo EP de cinco temas que só parcialmente corresponde aos pergaminhos dos seus autores. Mantendo as premissas dos trabalhos anteriores, a dupla inicial de temas abre as melhores perspectivas, trazendo ainda à liça a propulsão kraut que antes estava mais dissimulada. A porca torce o rabo no tema-título, demasiado próximo do negrume estudado de uns tais She Wants Revenge para fazer soar sinais de alarme. Mais dado às cavalgadas monstruosas sob denso nevoeiro, o par restante de temas é típico APTBS que quase nos faz perdoar tal pecado.

"So Far Away" [Dead Oceans, 2012]

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

(Quase) fora da toca
















De Jana Hunter ouvimos pela primeira vez falar como um dos nomes associados ao chamado freak-folk, tendência em voga dos alvores para meados da década passada. Foi, inclusive, uma espécie de protegida de Devendra Banhart, mais ou menos proclamado o guru da coisa. Lembro-me ainda de a ter visto ao vivo, aqui há uns anos, numa noite não mais que suficientemente agradável, dada a simplicidade extrema das canções apresentadas. Porém, foi há frente do colectivo Lower Dens que a moça nos seduziu em definitivo. Tudo por causa desse assombro de disco que dá pelo título de Twin- Hand Movement (2010), chegado tarde aos meus tímpanos, mas sempre a tempo de entrar sem contestação no top five do último triénio. Ao dito, poderia aplicar-se a célebre frase de Pessoa sobre determinado refrigerante se não fosse caso de entranhamento imediato.

Para 2012, e para gáudio de uma imensa minoria devota, o quarteto de Baltimore tem reservado o segundo álbum. Chama-se Nootropics e chega logo no começo de Maio, possivelmente para dar algum tom sombrio à Primavera. O primeiro avanço, chamado "Brains", já aí anda e leva-nos a crer que sim. Uma espécie de sonho atormentado, o novo tema segue as premissas do anterior registo, isto é, combustão lenta, melodias elípticas, e a voz de mistério de Jana a emergir, qual espécie inocente de Nico mas com cordas vocais treinadas. Uma ligeira diferença detectável relativamente às opções do passado recente é uma maior agrura das guitarras, com sublinhado na distorção. Para além de ser um tema que eleva as expectativas, é bom saber que é "descarregável", livre e gratuitamente, aqui. Basta clicar. 


"Brains" [Ribbon, 2012]

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

R.I.P.


MIKE KELLEY
[1954-2012]

Morreu, presumivelmente ontem, Mike Kelley, artista pluridisciplinar e percussionista da formação original dos Destroy All Monsters (DAM). Ainda oficiosamente, julga-se que tenha cometido suicídio. 

Com os DAM, nascidos na Detroit em chamas depois da passagem dos MC5 e The Stooges e activos entre meados da década de 1970 e da de 1980, Kelley ajudou a trilhar caminho tanto para o punk como para o noise. Contudo, a orientação musical da banda, muito dada a experimentação e à performance, abarcava muitas outras linguagens para se circunscrever  apenas a esses dois "géneros". Em nome próprio, deixou gravado um par de álbuns hoje perdido na obscuridade. A vida pós-DAM foi essencialmente dedicada a uma vasta gama de disciplinas artísticas, das artes gráficas às artes plásticas, passando pela arte performativa, sempre com uma abordagem pouco ortodoxa. Por exemplo, são dele os "bonecos" que ilustram o artwork do álbum Dirty, dos Sonic Youth.

Destroy All Monsters _ "You're Gonna Die" [IDBI, 1978]