"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

terça-feira, 25 de junho de 2013

O jogo das diferenças #19


ELVIS PRESLEY
Elvis Presley
[RCA Victor, 1956]

k.d.lang
Reintarnation (compilação)
[Sire, 2006]

Ao vivo #107


















Public Image Ltd. @ Casa da Música, 22/06/2013

Posso estar enganado, mas arrisco afirmar que os principais motivos para a forte afluência de público à Casa da Música terão sido essencialmente dois: a presença da "outra" banda de John Lydon depois dos Sex Pistols, e os hits moderados desses mesmos Public Image Ltd. em meados de oitentas. Isto sem esquecer os preços convidativos dos bilhetes, algo pouco usual por cá. Postas as coisas deste modo, até parece que os PiL não foram formados por Lydon como reacção aos Pistols (e principalmente a Malcolm McLaren), e que o seu principal legado não reside no primeiro par de álbuns, quando Keith Levene e Jah Wobble ainda militavam no colectivo, do mais revolucionário e influente da música popular desde finais de setentas para cá. Repito que posso estar enganado, mas foram impressões que ficaram das conversas alheias  e das reacções do público aos diferentes temas.

Sem o excelso guitarrista de então, assim como sem o baixista que fez nome a solo, Lydon socorre-se de uma formação de membros resgatados às diferentes reencarnações dos PiL. Pelo que vimos no sábado, e principalmente pelo que víramos num destes Primaveras, não se pode dizer que esteja mal acompanhado, já que estes se revelam músicos competentes, embora sem o rasgo de génio dos companheiros originais. Mas não é por isso que deixam de percorrer um alinhamento abrangente, incluindo os temas mais significativos daqueles dois discos essenciais. Os resultados da execução merecem, no entanto, uma apreciação algo dividida. Se num primeiro instante podemos desculpar os PiL do baixo volume do som, não sei se por inépcia do técnico responsável (começa a tornar-se um mau hábito...), se por opção dos senhores xoninhas da CdM, temos de lhes apontar o facto de os temas apresentados soarem demasiado semelhantes entre si. As razões para tal serão duas: os maneirismos vocais de John Lydon, com o habitual efeito da projecção da voz, e o protagonismo dado à pulsão do baixo. Por outro lado, esta última opção tem como ganho o realçar do apelo dançante da música dos PiL, algo que rendeu carreiras de milhões a muita boa gente ligada àquela coisa do neo-post-punk

Ao fim de quase duas de concerto, penso que esta opinião dividida é também a da maior parte do público, pelo menos tendo como fonte mais algumas das conversas acidentalmente ouvidas. Numa noite de dualidades, o próprio John Lydon, principal estrela da companhia, esteve em dois modos: ora com uma cordialidade que o tem caracterizado nos últimos tempos (não sabemos se com algum cinismo à mistura), ora com amostras da aplaudida irascibilidade que era imagem de marca de outrora.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Mixtape #24: Here Is A Sunrise, Ain't That Enough?



Embora não pareça, hoje é dia de solstício, o dia mais longo do ano, aquele no qual começa oficialmente o Verão. Como já é tradição neste dia, aqui no April Skies oferecemos uma hipotética banda sonora para vos acompanhar durante a estação quente. Sim, porque acreditamos que as temperaturas hão-de subir e o astro Sol há-de brilhar durante dias a fio. São ao todo 20 temas pop de gente que parece estar bem com a vida, divididos quase igualitariamente por coisas novas mas que podiam não o ser, e coisas bastante mais antigas mas com a frescura das novas. Na expectativa que seja do vosso agrado, desejo a todos um Verão tão silly quanto possível.

[Link]

01. KIDS ON A CRIME SPREE - "Creep The Creeps" (2013)
02. THE CORAL - "1000 Years" (2010)
03. BLEACHED - "Outta My Mind" (2013)
04. VERONICA FALLS - "Teenage" (2013)
05. YO LA TENGO - "Tom Courtenay" (1995)
06. BEACHES - "Send Them Away" (2013)
07. TEMPLES - "Shelter Song" (2012)
08. THE BYRDS - "I'll Feel A Whole Lot Better" (1965)
09. THE MANTLES - "Hello" (2013)
10. TEENAGE FANCLUB - "Ain't That Enough" (1997)
11. MIKAL CRONIN - "Peace Of Mind" (2013)
12. BLUEBOY - "The Joy Of Living" (1994)
13. ALLAH-LAS - "Don't You Forget It" (2012)
14. BIG STAR - "September Gurls" (1974)
15. THE PASTELS - "Check My Heart" (2013)
16. THE CHILLS - "Heavenly Pop Hit" (1990)
17. COMET GAIN - "You Can Hide Your Love Forever" (2000)
18. MINKS - "Ophelia" (2011)
19. BLACK TAMBOURINE - "By Tomorrow" (1991)
20. UNREST - "Angel I'll Walk You Home" (1992)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

O amanhã não é radioso
















Quando aqui falamos da Escócia, normalmente é para vos trazer notícias de uma das muitas bandas indie-pop que por lá pululam, que fazem das highlands o terreno por excelência da coisa. Renegando as tradições da pátria, os Boards of Canada são autênticos estranhos em terra estranha. Desde há mais de duas décadas, que estes dois irmãos criados em meio rural se especializaram numa electrónica analógica, na qual os sons crípticos, algum misticismo, e regressões à infância convivem pacificamente. Isto sem esquecer uma aura campestre que advirá das origens dos rapazes. Partindo da inspiração em bandas sonoras, os seus discos, normalmente longos, têm vindo a tornar-se referência, contando já com uma vasta descendência que não será preciso nomear. Se nos primeiros anos da existência foram extremamente prolíficos, deles já não tínhamos notícias desde há oito anos, precisamente desde a edição de The Campfire Headphase, provavelmente o mais desapontante dos seus registos.

Cultores de um certo mistério, desapareceram completamente de cena durante o hiato. Foi ainda quase sem darem sinais prévios que lançaram Tomorrow's Harvest, recebido com pompa tanto pela duração da ausência, como pela retoma da melhor forma. Para trás deixaram as sugestões bucólicas, propondo agora um mergulho num universo urbano e apocalíptico, naquele que deverá ser o álbum mais negro do seu catálogo. Às trevas junta-se uma intensidade emocional, mesmo apesar da ausência de palavras, ao mesmo nível da do magistral Geogaddi (2002). Há, obviamente, uma reactualização da sonoridade, isto sem que, desde os primeiros instantes tenhamos a certeza inequívoca de ser um disco com a marca registada Boards of Canada. Tanto na cadência das batidas, como na atmosfera carregada, há sinais que indicam que Tomorrow's Harvest só pode ser um disco surgido na era pós-dubstep, absorvendo e desenvolvendo algo a partir do trabalho de Burial e aparentados. Completa-se assim um ciclo, quando os mestres buscam inspiração nos seguidores, e o mundo ganha mais uma óptima companhia para noites de viagem interior.

 
"Reach For The Dead" [Warp, 2013]

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Good cover versions #75



















SANDIE SHAW _ "Hand In Glove" [Rough Trade, 1984]
[Original: The Smiths (1983)] 
 
Hand in Glove by Sandie Shaw on Grooveshark

Assim como sempre soube apontar o dedo acusador, algo que se tem agudizado com a idade ao ponto do ridículo, Morrissey nunca se coibiu de proclamar aos quatro ventos os seus heróis, normalmente em declarações de paixão assumida. Quando, à frente dos The Smiths, lhe foi possível exprimir a sua devoção pelos ícones para fora do quarto, o mundo ficou a saber da obsessão quase doentia por algumas figuras algo esquecidas da música popular. Uma das suas paixões, ficámos a saber, era Sandie Shaw, a cantora que se distinguiu por ser a primeira britânica a vencer o concurso de canções da Eurovisão e logrou uma série de êxitos posteriores, antes de uma travessia do deserto que só terminaria com a intervenção de Morrissey & C.ª

Aproveitando a influência adquirida pela recepção aos The Smiths, ainda não um fenómeno retumbante mas a caminhar para lá, Morrissey entrou em contacto com Shaw, tentando-a convencer a gravar versões das suas canções, à escolha. Com a banda ainda a dar os primeiros passos, o letrista via-se ainda a si e a Johnny Marr como uma dupla de escritores de canções, na senda dos hitmakers de sessentas. Ela declinou várias investidas, talvez influenciada pelo negativismo que normalmente era associado à música dos The Smiths, e só com a intervenção de Geoff Travis, patrão da Rough Trade Records, acedeu a fazer uma versão daquele que tinha sido o primeiro single da banda que acabaria por se tornar a mais importante da década de 1980.

Já com duas versões ligeiramente diferentes editadas pelos autores (uma no single, outro no álbum de estreia), "Hand In Glove" ganha nova vida e novas cores na interpretação de Sandie Shaw. Tendo como banda de suporte os próprios The Smiths - excluindo Morrissey, claro -, impôs ligeiras alterações à letra, alegadamente uma das muitas da banda sobre solidão, e com eventuais referências homossexuais nunca devidamente extraídas da sua subjectividade. Porém, as principais diferenças residem na parte da música, agora sem a presença da harmónica de Johnny Marr, e com este a alterar radicalmente os acordes de guitarra, uma espécie de cascata de melancolia pluviosa no original, uma festa melódica na versão. Isto, somado à voz de menina de Sandie Shaw, ainda na posse da frescura do tempo em que se apresentou ao mundo de pés descalços, faz de "Hand In Glove" uma canção nova, com uma efusividade radiosa que não julgaríamos possível a partir de tal original. É também, na sua época, uma rara recuperação do classicismo pop da década de 1960, alvo de muitos maus tratos com as "manias futuristas" de oitentas.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Há 20 anos era assim #5









SLOWDIVE
Souvlaki
[Creation, 1993]




Na música popular, todo e qualquer fenómeno, tendência, ou onda, tende a ser algo por conveniência abrangente, integrando bandas com pouca familiaridade entre si, mas que, por obra e graça do destino, coincidiram na mesma era cronológica. Nestes artificialismos criados por imprensa e público, a vaga shoegazing, que varreu o Reino Unido nos primeiros anos da década de 1990, não é um caso diferente. Se não, tomemos como exemplos comparativos as duas principais bandas associadas à coisa: os Ride e os Slowdive. Se aqueles tinham uma propensão para a explosão sónica e se inspiravam nos Byrds e outros psicadelismos de sessentas, estes últimos reactualizavam o idílio dos Cocteau Twins, ao qual adicionavam uma versão suave do teor sexual dos My Bloody Valentine, sobretudo nas vozes enlevadas de Neil Halstead e Rachel Goswell.

Foi sob estas premissas que os Slowdive se estrearam nos álbuns em 1991, um disco promissor mas ainda com algumas pontas soltas que pareciam acusar a tenra idade dos seus criadores. Neste particular, e voltando os "concorrentes" Ride, desde os primeiros registos que surpreenderam pela firmeza das suas ideias, algo de surpreendente em gente tão jovem. No caso do quinteto de Reading foram necessários dois anos para atingir este pico, os suficientes para a concepção do arrebatador Souvlaki. Talvez pressentindo que tinha algo de grandioso em mãos, a banda convidou Brian Eno para o papel de produtor, pedido que este declinou. No entanto, o mestre do ambient não deixou de dar uma mãozinha, cedendo sintetizadores e ainda alguns tratamentos texturais num par de temas. Um deles é "Sing", que o próprio Eno co-compôs, que na sua placidez, e à semelhança de outros temas dominados pela voz de Goswell (oiça-se o quase sinistro "Machine Gun"), denuncia a tal filiação cocteauniana, embora com temas relativamente mais densos que os da seminal banda escocesa. O outro é "Souvlaki Space Station", e é um dos temas mais aventureiros do reportório dos Slowdive, um festim de sons sintetizados, pedais de efeitos e voz com o encanto das sereias. Embora diferentes na execução, o primeiro socorrendo-se de efeitos de poder anestésico, o segundo integralmente acústico, "Alison" e "Dagger" são feitos da mesma paz bucólica, outra característica dos Slowdive que dificilmente detectávamos em bandas associadas ao shoegazing. Como nem só de calma idílica se faz Souvlaki, em "When The Sun Hits" os Slowdive conseguem mostrar à concorrência que também sabem ser explosivos, surpreendendo com uma torrente sónica que a as guitarras cristalinas iniciais não faziam adivinhar. Embora atípico no todo, é um momentos altos do disco.

Pela descrição, e sobretudo pela audição deste segundo álbum, é normal que nos questionemos se não seriam os Slowdive corpo estranho na Creation Records da época. Não fariam eles mais sentido no catálogo da concorrente 4AD? A ter sido um erro de casting, seria devidamente corrigido com os Mojave 3, banda posterior que integra Neil Halstead e Rachel Goswell, e que desenvolveria o bucolismo que já aflorava em Souvlaki, e ganhava contornos mais definidos no subsequente e derradeiro Pygmalion (1995).

Alison by Slowdive on Grooveshark

Machine Gun by Slowdive on Grooveshark

Souvlaki Space Station by Slowdive on Grooveshark

When the Sun Hits by Slowdive on Grooveshark

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Polimania















Foto: Robert Semmer

No compartimento das boas memórias ainda reside aquela primeira parte de um concerto dos Liars, quando uma banda totalmente desconhecida deixou deslumbrada mais de metade da assistência. Chamavam-se Deerhunter, e no cardápio traziam aquilo que haveriam de ser os temas do shoegazy Cryptograms (2007) à mistura com os espasmos noisy de um primeiro álbum. Logo nesse dia procurei aprofundar o conhecimento com a aquisição de uma cópia promocional daquele segundo longa-duração, com perto de meio ano de avanço relativamente à sua edição oficial. De então para cá, a banda alargou largamente o número de devotos com Microcastle (2008) e Halcyon Digest (2010), discos preenchidos por uma pop sonhadora com laivos de psicadelismo atmosférico. Para dar vazão a uma evidente hiperactividade, bem como ao complexo de múltipla personalidade, nos intervalos entre álbuns foram lançado música avulsa, muitas das vezes para oferta gratuita. Isto já para não falar dos projectos paralelos do vocalista Bradford Cox e do guitarrista Lockett Pundt: Atlas Sound e Lotus Plaza, respectivamente. Parecendo contraditório, o que é certo é que, na sua inconstância estética, os Deerhunter têm sido uma das bandas mais coerentes das nascidas no século em curso.

Se um par de álbuns seguidos sob um prisma semelhante era demasiada imobilidade para uma banda tão habituada à mudança, o novo Monomania trata de dar novo volte-face no percurso dos Deerhunter, talvez o mais radical de todos os registados. Não sendo propriamente o disco garage que os próprios anunciaram e alguns outros rotularam, é verdade que se caracteriza por um crueza suja, registada em baixa-fidelidade, que não lhe conhecíamos. Normalmente, as guitarras são ríspidas e distorcidas, e a voz de Bradford Cox, na sua habitual esconjura dos demónios, assume-se como quase animalesca. A ter sido premeditado, diria que Monomania são os Deerhunter a lutar contra si próprios, e contra o rótulo que lhes foi colado por via da discografia recente. Um pouco à semelhança do que aconteceu com os vizinhos georgianos R.E.M. com Monster, o seu disco "sujo" depois da aceitação do mainstream. No caso de Monomania, um par de temas mais intimistas esconde-se no meio da dissonância dominante, resgatando ainda alguma da fantasmagoria do passado recente. Talvez seja pouco para muitos dos acólitos da anterior encarnação da banda, que eventualmente poderão ser alienados pela dificuldade de assimilação do novo álbum. Já os pacientes, com a insistência nas audições, poderão desfrutar de outro excelente disco de uma das mais peculiares bandas do nosso tempo.

 
"Monomania" [4AD, 2013]

quinta-feira, 13 de junho de 2013

First exposure #56

















LACE CURTAIN

Reunindo gentes proveniente das ramificações do submundo punk australiano, um devaneio electrónico para altos voos nocturnos, para que não digam que isto é só guitarra-baixo-bateria.

Formação: Mikey Young (voz, gtr, tcls); Dave West (tcls); James Vinciguerra (tcls, btr)
Origem: Melbourne, Victoria [AU]
Género(s): Electronica, Synth-Pop, Italo-Disco, Mutant-Disco, Post-Punk, Kraut
Influências / Referências: Fad Gadget, The Juan MacLean, Django Django, !!!, Suicide, NEU!


"Falling (II)" [Mexican Summer, 2013]

terça-feira, 11 de junho de 2013

Singles Bar #85








MANIC STREET PREACHERS
Motorcycle Emptiness
[Columbia, 1992]



Sempre disse que os Manic Street Preachers nunca foram uma banda de músicos excepcionais, nem sequer particularmente original, mas a seu favor têm uma entrega à causa rock'n'roll invulgar, algo do qual não duvidamos da genuinidade. Ao contrário das novas bandas de hoje em dia, que são de imediato motivo das maiores parangonas, levaram anos a aprimorar com sucessivos singles que passaram mais ou menos despercebidos até nos circuitos independentes. Subiram a pulso e gradualmente, e mal chegados lá acima, fizeram questão de espalhar o seu manifesto, que incluía aquela arrogância que encontramos apenas nas grandes bandas e que a maioria das novas tem mais falta de engenho do que propriamente vergonha para ostentar.

Logo ao primeiro longa-duração, não se fizeram rogados e atiraram logo com um álbum duplo com o plano pouco secreto da conquista do mundo. Generation Terrorists não logrou tal feito, mas pelo menos conquistou um grupo de devotos alienados dos ditames do rebanho da maioria. Grupo esse que cresceria exponencialmente quando "Motorcycle Emptiness" foi lançado como single, já o quinto a ser extraído do álbum. Este tema, tantas vezes vilipendiado pelos muitos detractores dos Manics pela sua sobreexposição, tem todas as características para ser elevado àquela restrita categoria dos hinos rock. Com um riff orelhudo e um refrão em jeito slogan, algo a que a militância política da banda nos habituou, é um tema imediato e que se dispõe a ser entoado por grandes massas a plenos pulmões. A letra, escrita pela dupla Richey Edwards e Nicky Wire, tendo como ponto de partida um poema do irmão deste último, é do mais poeticamente subtil por eles criado. Inspirando-se no livro Rumble Fish, da escritora S.E. Hinton, os dois letristas apelam a uma juventude, solitária e alienada, que se vê confrontada com um mundo submisso às regras do consumismo. Tem o teor político habitual nos Manics, mas tem também aquele lado tão humanista que era característica dos escritos do desaparecido Richey, ele próprio um dos mais ilustres alienados da geração de noventas. Impressionante é também a paixão que James Dean Bradfield, na altura na posse de todo o vigor da juventude, coloca ao cantar algo que não é da sua própria autoria. Tenho de vos confessar que, ainda hoje, de cada vez que escuto "Motorcycle Emptiness", preferencialmente no esplendor dos mais de seis minutos da versão do álbum, sou sacudido por arrepios, não só pelas memórias de outrora que suscita, mas também pela carga emocional que a canção ainda é capaz de provocar. Um eterno rebelde do género romântico, eu...


segunda-feira, 10 de junho de 2013

Do amor e outros demónios

















De algo que Alex Zhang Hungtai já não se livra é das comparações aos pioneiros Suicide. Não que essa forte influência seja algo que o rapaz, nascido em Taiwan mas residente na cidade canadiana de Montreal, que grava desde há meia dúzia de anos como Dirty Beaches tente sequer desmentir. Com efeito, no brilhante Badlands (2011), são notórios os ecos do trabalho daquela dupla nova-iorquina, com a mesma obsessão por um Elvis decadente num lote de canções turvas que parecem saídas da Twin Peaks imaginada por David Lynch. No entanto, antes de o arrumar nesse espartilho redutor, é necessário ouvir o seu trabalho prévio ao disco que o projectou para um público mais vasto, substancialmente mais experimental e abstracto, bem como os registos de pequeno formato que desde então tem lançado em quantidade assinalável.

Se ainda assim não ficarem convencidos de que o rapaz tem algo mais para dar, sugiro a audição do novo Drifters/Love Is The Devil, disco duplo, mas não excessivamente longo, essencialmente gravado em Berlim, que abre muitas novas possibilidades a uma carreira que - acreditem - já experimentou diversas linguagens. Menos próximo do formato canção que o antecessor, o novo álbum exige maior paciência na sua assimilação, algo que com o tempo e correndo bem pode evoluir para autêntica devoção. Ainda assim, recorrendo mais amiúde à voz, talvez a metade intitulada Drifters seja mais imediata. É, no entanto, um lote de canções de forte densidade, uma espécie de synthpop nocturno e sufocante a tender para o industrial quando recorre à colagem de "sons de campo". Este factor, somado ao título, às várias referências a cidades, e às diferentes línguas utilizadas, sugere ser um registo de memórias de viagens. Já Love Is The Devil, quase integralmente instrumental, explora todas as potencialidades cinemáticas da música de Zhang Hungtai, ele que, registe-se, já compôs música para diversos projectos independentes. Mesmo na quase total ausência de palavras, a melancolia reinante e as múltiplas sugestões de solidão levam-nos a acreditar que esta metade seja uma catarse de algum desgosto amoroso. Não sendo o conjunto dos dois discos a mais fácil audição para quem ficou preso a Badlands, estou em crer que a já robusta falange de seguidores aqui no rectângulo luso possa alargar-se. Saibam porquê a seguir:

"Casino Lisboa" [Zoo Music, 2013]

domingo, 9 de junho de 2013

Discos pe(r)didos #70









PAILHEAD
Trait EP
[Wax Trax, 1988]




Raramente aqui vos trago discos de pequeno formato, mas esta rara opção justifica-se pela importância histórica de que os lançamentos em causa se revestem, na circunstância com a particularidade de ser o único registo do projecto em questão. A importância de Trait mede-se tanto pela influência que haveria de ter na produção musical subsequente, de outrem e até dos músicos envolvidos, ao propor um cruzamento do hardcore com a música industrial, como pelo improvável encontro único de alguns vultos da face mais marginal da música rock norte-americana: Ian MacKaye e os Ministry

A origem dos Pailhead remonta a uma abordagem por parte de Al Jourgensen, o principal mentor dos Ministry, àquele que outrora fora o líder dos Minor Threat e na altura tinha os Fugazi ainda em estado embrionário, com o intuito de lhe mostrar esboços do trabalho que andava a desenvolver. Consta que MacKaye, ciente do passado daquele com um synthpop de gosto dúbio dos tempos em que trabalhava nnma loja de discos, não ficou particularmente entusiasmado com a proposta, mas mesmo assim acabou por aceder ao pedido. Maravilhado com o que ouviu, de imediato acrescentou a uma faixa instrumental a letra de "I Will Refuse", um dos seus muitos gritos de revolta contra o establishment e os comportamentos gregários que já o tinham desiludido com o elitismo unidimensional da comunidade hardcore, ora falado, ora berrado, pelo meio de cavalgadas de batidas programadas e guitarras cortantes. O tema haveria de ser lançado em single juntamente com o lado B "No Bunny", este uma afirmação da individualidade e substancialmente mais orgânico.

Para o lançamento em CD daquele que foi o seu único EP, os Pailhead acrescentaram os temas do single prévio aos quatro que o compõem. Nesta meia dúzia de faixas que constituem o seu escasso mas significativo reportório, nota-se uma vontade de experimentar diferentes tonalidades, sempre com o objectivo de inovar em vista. por exemplo, "Man Should Surrender" é mais um manifesto de rebeldia, impressionante pelo baixo possante de Paul Barker e a bateria maquinal de Bill Rieflin, afrontados pelos riffs abrasivos de Al Jourgensen. Feito de matéria idêntica, com as suas alusões à distopia, "Anthem" pauta-se por uma velocidade substancialmente mais refreada. Em "Don't Stand In Line", cujo título não deixa margem para duplos significados, a cadência com constantes paragens de fracções de segundo, propõe um ritmo de dança espasmódica. Por fim, a subversão da canção de amor de "Ballad" é, simultaneamente, brilhante e irónico. Com gravações de chamadas de suposta ajuda pessoal, alternadas por uns singelos versos de MacKaye, denuncia a fraude deste tipo de negócio, ao mesmo tempo que nos apresenta uns Pailhead no seu esplendor experimental, com colagens que remetem para algumas aventuras do período pós-punk.

Espécie de tubo de ensaio para desenvolvimentos posteriores, Trait está na base tanto do trabalho dos Lard, o projecto que juntou os Ministry e Jello Biafra, assim como no trabalho mais relevante dos primeiros. Já para não falar nas centenas de sub-produtos que, de meados de noventas até ao presente, usaram a fórmula até à náusea. Ouvido à distância de um quarto de século, e apesar dos referidos abusos do formato, Trait ainda ostenta toda a sua singularidade, só presente em discos genuínos e altamente pioneiros.

I Will Refuse by Pailhead on Grooveshark
 
Man Should Surrender by Pailhead on Grooveshark

Ballad by Pailhead on Grooveshark

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Marcado a vermelho
















Há coisa de um quarto de século, para os órfãos dos The Smiths, o romantismo pop encontrava nos The House of Love dignos sucessores. Neles pontificavam igualmente um letrista/vocalista (Guy Chadwick) e um jovem guitarrista (Terry Bickers) excepcionais. Descobertos pelo ouvido clínico de Alan McGee, que através da sua Creation Records lhes lançou um par de singles fulgurantes e um óptimo álbum de estreia em 1988, cedo despertaram a cobiça das multinacionais, que viam neles uma banda capaz de atingir a grandeza dos irlandeses U2. A mudança de escalão não foi benéfica, com um segundo álbum substancialmente inferior ao de estreia, e as tensões entre os dois principais elementos a agudizarem-se numa espiral de drogas. Bickers abandonou o barco em circunstâncias pouco amistosas, deixando a banda incapaz de responder a hegemonia Madchester, com um terceiro registo pouco mais que medíocre. A redenção chegaria, talvez tarde demais, quando "o momento" dos House of Love parecia já ter passado, com o muito menosprezado tratado de pop melancólica que é Babe Rainbow (1992), eventualmente a sua obra-prima, cujo insucesso levou Chadwick a colocar um ponto final na carreira da banda.

Lambidas as feridas do passado, resolvidos os problemas de drogas e de egos, e talvez contaminados pela onda de reuniões, sem propriamente se fazer anunciar, Guy Chadwick e Terry Bickers decidiram voltar a trabalhar juntos sob a designação The House of Love. Foi com alguma surpresa, mais pelo inesperado que pela sua qualidade, que lançaram Days Run Away (2005), um disco sensaborão de temas indistintos que apenas serviu para turvar as boas memórias de uma vasta horda de fiéis. Rapidamente o disco e a reunião caíram no esquecimento, o que fez com que só muitos anos depois e sem grande alarido tenham lançado o sucessor She Paints Words In Red. O que é uma pena, pois este é disco que honra o melhor do passado da banda na viragem de oitentas para noventas. Suprido de alguma da urgência da juventude que aflorava naquele, diria até que funciona como uma versão amadurecida de Babe Rainbow, com um conjunto de temas sóbrios, ternos e calorosos. A voz e as letras de Chadwick exibem a sapiência apreendida com os anos; Terry Bickers, mais preocupado com a sublimação das melodias que com os pedais de efeitos, cumpre todos os requisitos que fizeram dele um dos mais notáveis - embora discreto - guitarristas da sua geração. Feito de uma pop de travo clássico, este é o disco dos House of Love em que a devoção pelos Beatles se torna mais evidente. Em particular no trabalho de Bickers, que, qual George Harrison, não se coíbe de embelezar alguns temas com floreados de aroma oriental. Certo e sabido é que She Paints Words In Red não irá alterar o rumo do mundo, mas seria uma tremenda injustiça se, pelo menos nos quadrantes afectos às grandes canções pop, neste tempo que elas escasseiam, não obtivesse alguns louvores de entusiasmo.

 
"A Baby Got Back On Its Feet" [Cherry Red, 2013]

terça-feira, 4 de junho de 2013

Na mina de ouro

















Com as facilidades de, no presente, se escutar ou até adquirir música gratuitamente, começam a escassear as vezes em que sou surpreendido por concertos de bandas das quais mal ouvi falar. Longe vão os tempos em que a programação criteriosa da ZdB permitia idas a concertos quase às cegas, com a garantia quase absoluta de vir de lá regalado com mais uma descoberta. A memória remeteu-me para esses tempos há poucos dias, por ocasião do Primavera Sound de Barcelona, mais concretamente com o concerto dos Parquet Courts, norte-americanos de Brooklyn dos quais até aí conhecia apenas o nome.

Pesquisas posteriores levaram-me a saber que um dos vocalistas deste quarteto (Andrew Savage) é uma das metades da esquizofrenia fusionista dos Fergus & Geronimo, o que faz todo o sentido se tivermos em conta que também os Parquet Courts são dados ao absurdo bem-humorado. No entanto, nestes últimos, a vertente rock, com acento post-hardcore, leva a primazia sobre a descendência da música negra daqueles. Em Light Up Gold, o segundo álbum que tem rodado com insistência nos últimos dias, a banda faz questão de nos remeter para o período dourado do indie-rock ianque de noventas, mais concretamente para a secura quase sarcástica de bandas como os Pavement ou os Archers of Loaf dos primórdios. Neste disco, inicialmente editado em finais do ano passado mas já relançado com maior visibilidade em 2013, os temas curtos e directos vivem da tensão da repartição das vocalizações de Savage com Austin Brown, em constante duelo com as guitarras, ríspidas e secas. A estrutura dos temas, normalmente uma espécie de punk abastardado da família arty, bem como a sua habitual curta duração, também nos relembram as primeiras aventuras dos seminais Wire. Convém esclarecer que, não obstante as referências mais ou menos óbvias, mas combinadas com sobeja subtileza, Light Up Gold é algo mais que a soma das partes, arriscando-se, inclusive, a ser eleito um dos discos mais personalizados destes recentes tempos de constante retorno.

Borrowed Time by Parquet Courts on Grooveshark
 
Stoned and Starving by Parquet Courts on Grooveshark
[Dull Tolls, 2012 / What's Your Rupture?, 2013]

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Ao vivo #106


Foto: Tonje Thilesen/Pitchfork Media

Primavera Sound 2013 @ Parc del Fòrum - Barcelona, 22-26/05/2013
Optimus Primavera Sound 2013 @ Parque da Cidade - Porto, 30/05-01/06/2013

Se ainda houver alguém desse lado, com certeza não estranhará a longa ausência, já que nas últimas semanas decorreu a temporada dos grandes festivais ibéricos. Este ano, excepcionalmente, a pausa foi preenchida com jornada dupla: primeiro a autêntica maratona na capital da Catalunha, depois a etapa mais modesta, mas igualmente digna de nota, na Cidade Invicta. Não obstante algumas irritações derivadas de algumas opções das respectivas organizações (a progressiva "comercialização" do festival catalão, as questões logísticas no Porto), a dupla edição do Primavera Sound foi, uma vez mais, um autêntico maná para quem gosta de música ao vivo. Nas dezenas de concertos a que assisti houve obviamente desilusões, algumas revelações,  o realizar de alguns sonhos antigos, mas, mais importante que tudo, um número considerável de espectáculos dignos de entrar para o restrito grupo dos "concertos de uma vida". Na falta de tempo para vos descrever cada um em pormenor, deixo-vos com os tops de preferências desta dupla aventura primaveril.

Barcelona:

  1. MY BLOODY VALENTINE
  2. BLUR
  3. BOB MOULD
  4. PARQUET COURTS
  5. DEERHUNTER (em dose dupla)
  6. COME
  7. WU-TANG CLAN
  8. DO MAKE SAY THINK
  9. THE JESUS AND MARY CHAIN
  10. TAME IMPALA
  11. THE BABIES
  12. DEATH GRIPS
  13. KURT VILE & THE VIOLATORS
  14. MERCHANDISE (em dose dupla)
  15. LOS PLANETAS


Porto:

  1. MY BLOODY VALENTINE
  2. BLUR
  3. METZ
  4. LOS PLANETAS
  5. DINOSAUR JR.
  6. SAVAGES
  7. DEERHUNTER
  8. THE BREEDERS
  9. DANIEL JOHNSTON
  10. NEKO CASE