SLOWDIVE
Souvlaki
[Creation, 1993]
Na música popular, todo e qualquer fenómeno, tendência, ou onda, tende a ser algo por conveniência abrangente, integrando bandas com pouca familiaridade entre si, mas que, por obra e graça do destino, coincidiram na mesma era cronológica. Nestes artificialismos criados por imprensa e público, a vaga shoegazing, que varreu o Reino Unido nos primeiros anos da década de 1990, não é um caso diferente. Se não, tomemos como exemplos comparativos as duas principais bandas associadas à coisa: os Ride e os Slowdive. Se aqueles tinham uma propensão para a explosão sónica e se inspiravam nos Byrds e outros psicadelismos de sessentas, estes últimos reactualizavam o idílio dos Cocteau Twins, ao qual adicionavam uma versão suave do teor sexual dos My Bloody Valentine, sobretudo nas vozes enlevadas de Neil Halstead e Rachel Goswell.
Foi sob estas premissas que os Slowdive se estrearam nos álbuns em 1991, um disco promissor mas ainda com algumas pontas soltas que pareciam acusar a tenra idade dos seus criadores. Neste particular, e voltando os "concorrentes" Ride, desde os primeiros registos que surpreenderam pela firmeza das suas ideias, algo de surpreendente em gente tão jovem. No caso do quinteto de Reading foram necessários dois anos para atingir este pico, os suficientes para a concepção do arrebatador Souvlaki. Talvez pressentindo que tinha algo de grandioso em mãos, a banda convidou Brian Eno para o papel de produtor, pedido que este declinou. No entanto, o mestre do ambient não deixou de dar uma mãozinha, cedendo sintetizadores e ainda alguns tratamentos texturais num par de temas. Um deles é "Sing", que o próprio Eno co-compôs, que na sua placidez, e à semelhança de outros temas dominados pela voz de Goswell (oiça-se o quase sinistro "Machine Gun"), denuncia a tal filiação cocteauniana, embora com temas relativamente mais densos que os da seminal banda escocesa. O outro é "Souvlaki Space Station", e é um dos temas mais aventureiros do reportório dos Slowdive, um festim de sons sintetizados, pedais de efeitos e voz com o encanto das sereias. Embora diferentes na execução, o primeiro socorrendo-se de efeitos de poder anestésico, o segundo integralmente acústico, "Alison" e "Dagger" são feitos da mesma paz bucólica, outra característica dos Slowdive que dificilmente detectávamos em bandas associadas ao shoegazing. Como nem só de calma idílica se faz Souvlaki, em "When The Sun Hits" os Slowdive conseguem mostrar à concorrência que também sabem ser explosivos, surpreendendo com uma torrente sónica que a as guitarras cristalinas iniciais não faziam adivinhar. Embora atípico no todo, é um momentos altos do disco.
Pela descrição, e sobretudo pela audição deste segundo álbum, é normal que nos questionemos se não seriam os Slowdive corpo estranho na Creation Records da época. Não fariam eles mais sentido no catálogo da concorrente 4AD? A ter sido um erro de casting, seria devidamente corrigido com os Mojave 3, banda posterior que integra Neil Halstead e Rachel Goswell, e que desenvolveria o bucolismo que já aflorava em Souvlaki, e ganhava contornos mais definidos no subsequente e derradeiro Pygmalion (1995).
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