PAILHEAD
Trait EP
[Wax Trax, 1988]
Raramente aqui vos trago discos de pequeno formato, mas esta rara opção justifica-se pela importância histórica de que os lançamentos em causa se revestem, na circunstância com a particularidade de ser o único registo do projecto em questão. A importância de Trait mede-se tanto pela influência que haveria de ter na produção musical subsequente, de outrem e até dos músicos envolvidos, ao propor um cruzamento do hardcore com a música industrial, como pelo improvável encontro único de alguns vultos da face mais marginal da música rock norte-americana: Ian MacKaye e os Ministry.
A origem dos Pailhead remonta a uma abordagem por parte de Al Jourgensen, o principal mentor dos Ministry, àquele que outrora fora o líder dos Minor Threat e na altura tinha os Fugazi ainda em estado embrionário, com o intuito de lhe mostrar esboços do trabalho que andava a desenvolver. Consta que MacKaye, ciente do passado daquele com um synthpop de gosto dúbio dos tempos em que trabalhava nnma loja de discos, não ficou particularmente entusiasmado com a proposta, mas mesmo assim acabou por aceder ao pedido. Maravilhado com o que ouviu, de imediato acrescentou a uma faixa instrumental a letra de "I Will Refuse", um dos seus muitos gritos de revolta contra o establishment e os comportamentos gregários que já o tinham desiludido com o elitismo unidimensional da comunidade hardcore, ora falado, ora berrado, pelo meio de cavalgadas de batidas programadas e guitarras cortantes. O tema haveria de ser lançado em single juntamente com o lado B "No Bunny", este uma afirmação da individualidade e substancialmente mais orgânico.
Para o lançamento em CD daquele que foi o seu único EP, os Pailhead acrescentaram os temas do single prévio aos quatro que o compõem. Nesta meia dúzia de faixas que constituem o seu escasso mas significativo reportório, nota-se uma vontade de experimentar diferentes tonalidades, sempre com o objectivo de inovar em vista. por exemplo, "Man Should Surrender" é mais um manifesto de rebeldia, impressionante pelo baixo possante de Paul Barker e a bateria maquinal de Bill Rieflin, afrontados pelos riffs abrasivos de Al Jourgensen. Feito de matéria idêntica, com as suas alusões à distopia, "Anthem" pauta-se por uma velocidade substancialmente mais refreada. Em "Don't Stand In Line", cujo título não deixa margem para duplos significados, a cadência com constantes paragens de fracções de segundo, propõe um ritmo de dança espasmódica. Por fim, a subversão da canção de amor de "Ballad" é, simultaneamente, brilhante e irónico. Com gravações de chamadas de suposta ajuda pessoal, alternadas por uns singelos versos de MacKaye, denuncia a fraude deste tipo de negócio, ao mesmo tempo que nos apresenta uns Pailhead no seu esplendor experimental, com colagens que remetem para algumas aventuras do período pós-punk.
Espécie de tubo de ensaio para desenvolvimentos posteriores, Trait está na base tanto do trabalho dos Lard, o projecto que juntou os Ministry e Jello Biafra, assim como no trabalho mais relevante dos primeiros. Já para não falar nas centenas de sub-produtos que, de meados de noventas até ao presente, usaram a fórmula até à náusea. Ouvido à distância de um quarto de século, e apesar dos referidos abusos do formato, Trait ainda ostenta toda a sua singularidade, só presente em discos genuínos e altamente pioneiros.
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