"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 30 de julho de 2014

First exposure #68














Foto: Sebastian Nevols

GIRL BAND

O primeiro embate com uma das novas bandas mais excitantes do planeta deu-se num palco do último Primavera Sound, cenário óptimo para aferir da brutalidade do quarteto. À falta das raparigas, são a certeza de que ainda pode haver bastante interesse na exploração do post-punk mais obtuso. Em jeito de resumo, digamos que são o elo de ligação da Inglaterra pós-Pistols com a descendência do underground norte-americano de Our Band Could Be Your Life.

Formação: Dara Kiely (voz); Alan Duggan (gtr); Daniel Fox (bx); Adam Faulkner (btr)
Origem: Dublin [IE]
Género(s): Indie-Rock, Post-Punk, Noise-Rock
Influências / Referências: Public Image Ltd., Liars, Nirvana, The Jesus Lizard, Mclusky, Pavement

http://girlbanddublin.bandcamp.com/

"Lawman" [Any Other City, 2014]

terça-feira, 29 de julho de 2014

Singles Bar #95









THE HOUSE OF LOVE
Destroy The Heart
[Creation, 1988]




Com um nome como The House of Love, retirado de um título da escritora francesa Anaïs Nin, adivinha-se a carga erótica contida nas canções da banda que mais agitou o meio indie de finais de oitentas. Essa era uma característica antagónica ao teor normalmente assexuado dos temas dos The Smiths, dos quais os londrinos chegaram a ser apontados como herdeiros junto de um público letrado e sensível. A apurar o olho clínico que se lhe reconhece, Alan McGee detectou-lhes o potencial, e juntou-os à família Creation Records, então na eminência de se tornar a mais excitante editora independente do Reino Unido. Com este selo lançaram dois temas retumbantes em formato single, ambos prenhes de um romantismo exacerbado: "Shine On", que seria posteriormente regravado numa versão mais pomposa mas inferior, e "Christine", espécie de ponte entre a jangle pop e o shoegaze. Lançaram ainda um álbum homónimo, que inclui o último destes temas, cuja óptima recepção deixou as multinacionais em alerta para a inevitável mudança de divisão.

Como carta de despedida da Creation, "Destroy The Heart" é o justo reconhecimento por quem primeiro acreditou na banda, já que é o mais fulgurante dos muitos temas bestiais que os House of Love registaram nesta primeira fase. Numa urgência condensada em menos de três minutos, o vocalista Guy Chadwick e o guitarrista Terry Bickers justificam as comparações à dupla criativa Morrissey/Marr, o primeiro num hiper-romantismo bigger than life, o último capaz de uma gama de riffs variados e crepitantes. Porém, num registo mais vivaz do que era comum nos de Manchester, e muito por culpa da bateria cavalgante, os House of Love estão perto de inaugurar o estilo celebratório do clássico primeiro álbum dos Stone Roses. Apenas perto porque a matéria de que é feito "Destroy The Heart" é algo grave, um pouco à semelhança do que faziam os Hüsker Dü da fase derradeira, depois da fúria hardcore ter dado lugar à tendência para a pop profusamente emocional e passivo-agressiva. Contrastando com a grandiloquência entremeada pelo fade in inicial e o mais abrupto fade out do final, o vídeo promocional é de um minimalismo alarmante, algo em voga no circuito indie de então, e que os House of Love já haviam experimentado para promover o tema "Christine".


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Who's in control?
















Penso que não é preciso ser-se um visitante assíduo deste pasquim para já se ter percebido que, por cá, já fizemos as pazes com a Austrália. Com efeito, já não é de hoje que andamos a celebrar que, num ápice, a grande ilha tenha sido pasto de um bom número das maiores aberrações musicais do passado recente, e se tenha tornado terra fértil nos mais obtusos - por norma, os mais estimulantes - projectos. O que de lá tem vindo, nos últimos dois/três anos, tem ainda a particularidade de ter a rejeição das convenções como único denominador comum. Portanto, não é fácil estabelecer paralelismos, por exemplo, entre os Total Control e qualquer dos seus contemporâneos australianos. Foi este colectivo que, em 2011, quis (e conseguiu!) transportar a new-wave para o espaço sideral. O disco em questão chamava-se Henge Beat, e era um bom argumento para quem defende que ainda há alguma palavra a dizer em matéria da exploração do caldeirão post-punk.

Ainda melhor argumento para aquela tese é o novo Typical System, disco que nos leva a crer que a banda tenha dissecado ao pormenor do tríptico de álbuns inicial e fundamental dos britânicos Wire. As afinidades estéticas até nem são propriamente evidentes, mas há também nestes novos Total Control uma vontade de subverter as convenções da canção pop que é de assinalar. Em consequência, é um disco extremamente variado, característica que poderá também ser efeito das diferentes sensibilidades envolvidas, já que os elementos da banda ainda se ocupam com projectos paralelos bastante díspares, que vão da electrónica tout court ao hardcore mais ortodoxo, passando pelo rock mais sujo e disfuncional. Não se adivinhando se por por postura arty, se por militância convicta, Typical System tem em si algo de niilista, quer nos processos pouco óbvios, quer nas frases do tipo slogan que quase todas as canções repetem. Um passo à frente do seu antecessor, refreia o frenesim electrónico numa espécie de minimal wave revisitada, devidamente alternada com um bom número de temas mais orgânicos e abrasivos. Nestes, há nos Total Control uma austeridade que os aproxima da tensão dos Iceage. Mas, se os dinamarqueses são uma espécie de poseurs impenetráveis, os de Melbourne são condescendentes com o ritmo, nomeadamente por meio de um pulsar motorik que marca o compasso de quase todos os dez temas. Resumindo a coisa para os cépticos, Typical System é um disco de fontes facilmente identificáveis, mas combinadas com uma argúcia nada óbvia, algo só ao alcance das bandas com sangue na guelra. Como tal, tem a particularidade, de renovar a frescura e revelar novos detalhes a cada audição.

[Iron Lung, 2014]


segunda-feira, 21 de julho de 2014

Cuidado com os rapazes!

















Se é verdade que aquela explosão "alternativa" do começo de noventas foi catalizadora de novas formas de rock-FM, tão bafientas como as anteriores, também é justo reconhecer que permitiu alguma visibilidade a bandas de valia que, de outra forma, estariam confinadas à ultra-obscuridade. Neste segmento inserem-se os californianos Geraldine Fibbers, nos quais pontificava a cantora Carla Bozulich, ela que tinha um passado ligado a projectos post-punk na linha provocatória de uma Lydia Lunch. Com esta a nova banda, mais formal enquanto tal, a frontwoman manteve a postura, mas enveredou por uma estética que reconhecia a country como pedra basilar. Com a entrada do guitarrista Nels Cline (actualmente nos Wilco), registou-se uma aproximação aos cânones rock, porém, com uma intensificação da veia experimental. Cantora e guitarrista haveriam de levar a transgressão dos conceitos pré-estabelecidos a um extremo nos breves Scarnella. Ainda e sempre na companhia do fiel seu fiel escudeiro, Carla Bozulich abraçaria de novo a country em The Red Headed Stranger (2003), releitura integral do clássico de Willie Nelson que caiu nas boas graças de alguns sectores mais atentos. No entanto, a obra maestra estaria para chegar ao terceiro álbum, de título genérico Evangelista (2006), e que fez dela a primeira artista não canadiana a editar pela Constellation Records. Com a ajuda de músicos ligados aos colectivos Thee Silver Mt. Zion e Godspeed You! Black Emperor, este era um disco de canções descarnadas e intensas, com o cunho cinemático característico dos convidados. A boa recepção a este trabalho, e a química entre músicos dele resultante, haveria de fazer com que Evangelista passasse a ser nome de banda, até esta data com três álbuns que são a progressão natural do trabalho inicial.

Entretanto, e desconhecendo-se o futuro da banda que lhe tem dado ocupação nos últimos anos, Carla Bozulich regressa aos discos em nome próprio com o novo Boy, anunciado pela própria como o seu álbum pop. Vindo de uma artista transgressora como ela, já se antevê a subjectividade que tal descrição pode conter. Com efeito, e apesar do esforço pela aproximação aos standards da canção, este é mais um trabalho de uma visceralidade alarmante. Ainda que não atentemos no conteúdo das palavras duras, pressente-se no tom hiper-dramático de Bozulich uma espécie de feminismo radical, qual animal ferido e, por consequência, pouco confiante no género oposto. A espaços, pela postura desafiadora e pelas abordagens despudoradas à sexualidade, é impossível não estabelecer afinidades com os universos de Patti Smith ou de Polly Jean Harvey. No entanto, Carla Bozulich é mais reverente que qualquer uma daquelas ao imenso caldeirão do americana. Consequentemente, Boy tanto pode ir beber aos blues e ao gospel como à folk apalachiana, embora sempre com uma tendência para a desconstrução própria de um Tom Waits por via dos inúmeros adereços improváveis. Assim, o ribombar da percussão atípica, o ranger das serras tocadas com arco, as cordas arranhadas, as guitarras desalinhadas e desafinadas, ou os apontamentos de uma electrónica tensa, espreitam sem pré-aviso por cada recanto de Boy. Por esta altura, julgo que já estarão perfeitamente convencidos de que este está longe de ser um disco pop, de qualquer artista. Mas é, seguramente, um dos trabalhos ainda assim mais próximos das convenções da autora e, por isso, porta de entrada recomendável no maravilhoso mundo (negro) de Carla Bozulich.

"Deeper Than The Well" [Constellation, 2014]

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Discos pe(r)didos #78









JOSEF K
The Only Fun In Town
[Postcard, 1981]




Se a breve história da lendária Postcard Records fosse esquematizada num triângulo, este teria de ser obrigatoriamente um triângulo invertido. Nos vértices do topo estariam os Orange Juice e os Aztec Camera, enquanto aos Josef K caberia o vértice inferior. Não querendo com esta figuração menorizar os últimos, o que é certo é que lhes faltava alguma da ousadia pop dos outros para os distinguir na manada post-punk. Por outro lado, não ostentavam a ambição pelo sucesso dos seus pares, algo que não sintonizava com os sonhos grandiosos do "patrão" Alan Horn para o Sound of Young Scotland. As diferenças de filosofia dos Josef K com aquelas bandas talvez não se fiquem a dever às origens geográficas (eram os intrusos de Edimburgo no seio da nata pop de Glasgow), mas antes a questões de postura deliberada (estudada?) e a diferentes fontes de referência.

Talvez por não serem uma máquina de singles - o formato pop por excelência -  tão evidente, o que é certo é que foi aos Josef K que calhou a sorte do único álbum lançado na existência primordial da Postcard. E até se deve acrescentar que The Only Fun In Town não foi propriamente um disco de parto fácil, já que a sua edição aconteceu a dois tempos: primeiro numa pequena tiragem, de título genérico Sorry For Laughing, com uma mistura demasiado "limpa" para as pretensões da banda; depois a versão definitiva, gravada ao vivo em estúdio num par de dias. Daqui retiramos a conclusão de que eram os Josef K gente inamovível nos seus princípios, uma pequena vaidade a que muitos personagens post-punk gostavam de se dar, apesar dos orçamentos disponíveis serem limitadíssimos. Ouvidos de enfiada, e à parte as diferenças de alinhamento, os dois registos não demonstram divergências significativas ao nível da estridência, mas para a posteridade ficou oficializada a versão concebida segundo as vontades da banda.

Curiosamente, "Sorry For Laughing", que havia sido o título escolhido para o disco rejeitado, é também o título do tema mais representativo dos Josef K, e aquele que encerra a escassa meia hora de duração de The Only Fun In Town. Nos seus pouco mais de três minutos de frenesim presta-se vassalagem à herança dos Velvet Underground, porém com a guitarra desalinhada de Malcolm Ross num galope que contrasta com o torpor narcótico daqueles. Esclareça-se desde já: por princípio, os Josef K eram gente avessa os aditivos da decadência do circo rock. As suas fontes de alienação eram outras, sobretudo baseadas em autores modernistas, como Camus, Dostoieveski e, claro está, Kafka, ou não fosse o nome da banda emprestado pelo protagonista d'O Processo. Por conseguinte, com uma dose razoável de pretensiosismo, os Josef K eram gente de uma austeridade pouco comum no meio pop-rock, algo apenas concebível no período temporal da sua existência. Como nem só de referências literárias se constrói uma reputação, também tinham heróis musicais, que para além dos citados Velvets, materializavam-se sobretudo nos Television, outro símbolo da subversão da linguagem rock com origem em Nova Iorque. A titulo de exemplo oiçam-se "Revelation", "The Angle", ou "Heart Of Song", com a secura da voz de Paul Haig numa colocação em tudo semelhante à do dandy Tom Verlaine. Já na guitarra, Malcolm Ross é incapaz do mesmo rigor técnico do "mestre", mas não o podemos acusar de não o tentar, com constantes invectivas de arestas rugosas.

Eventualmente pelo idêntico apreço pelos livros, é comum estabelecerem-se pontos de contacto entre os Josef K e os Joy Division. No entanto, os escoceses eram jovens apenas austeros, como que isolados do mundo numa bolha de presunção, enquanto os de Manchester (ou pelo menos o seu vocalista) eram gente positivamente perseguida por uma densa nuvem negra. Porém, há que reconhecer afinidades, quanto mais não seja no baixo profundo dos frenéticos "Fun 'N' Frenzy" e "Crazy To Exist", que apesar disso não ostentam qualquer indício de frieza, antes uma estranha propensão funky ao sabor daqueles tempos, assim numa nebulosa entre os Orange Juice, os Gang of Four, e os Talking Heads. O que ligava as duas bandas era, sobretudo, um respeito mútuo, e a quase valsa lúgubre do fabuloso "It's Kinda Funny" até foi escrita por Paul Haig em jeito de exéquia pela morte de Ian Curtis.

Tendo implodido logo em 1982, os Josef K não lograram mais do que um culto considerável nos países do Benelux, comum a outras bandas da época. Portanto, ficaram longe das aproximações aos tops de vendas dos comparsas da Postcard. Contudo, se tanto os Orange Juice como os Aztec Camera se podem gabar de dar início a uma nova era pop que vigorou em oitentas, o legado dos Josef K também é reconhecido no restrito mundo indie canónico, nomeadamente em muitas bandas nascidas e geradas pela emblemática C86, e tanto em termos estéticos como na filosofia un-rock que lhes era característica.

Sorry for Laughing by Josef K on Grooveshark

It's Kinda Funny by Josef K on Grooveshark

Crazy to Exist by Josef K on Grooveshark

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Here, there and everywhere















Pressinto não ser o único que há algum tempo deixou de seguir a facção dos "cantautores" (ou singer-songwiters, como se diz em americano), não tanto pelo fastio com a quantidade, mas mais pela falta de quem sobressaia da normalidade. Sou até capaz de localizar o momento do desinteresse no tempo, ali pela altura em que Ryan Adams perdeu o freio, ou quando Cat Power se rendeu ao estrelato e a xaropada, isto para agradar às meninas e aos meninos. Podem trazer-me o nome do consensual Bill Callahan à baila, que eu ripostarei que o trabalho de relevo desse está muito mais lá atrás, ainda não encaixado na categoria. Ou então invocar Will Oldham, que eu direi que esse extravasa a catalogação.

Vivemos nas nossas convicções e na nossa descrença, até que somos tentados pela dúvida quando tomamos contacto com a música de Sharon Van Etten, nem que para isso ela tenha de gravar três álbuns. A revelação, quase uma epifania, aconteceu precisamente ao terceiro, o excepcional Tramp (2012), seguramente um dos mais alarmantes discos da dor-de-corno de que há memória no passado recente, pela forma como a autora expõe as entranhas. É um trabalho ainda tenuemente enraizado na folk que, salvas as devidas distâncias estéticas, nos momentos de maior secura, faz-nos lembrar uma Polly Jean Harvey que há muito perdemos.

Ao quarto registo, o novo Are We There, Sharon ainda navega nas mesmas águas, o que significa que a matéria-prima das onze canções ainda é o complexo universo dos afectos, com acento tónico nas agruras dos mesmos. Até aí, nada de surpreendente. O que talvez não prevíssemos é que seria capaz de igualar o nível qualitativo do antecessor ou, talvez, até de o superar. Pode até ser do efeito da novidade, mas por enquanto sou da opinião que a superação acontece neste novo álbum. Por estranho que possa parecer, este disco é mais simples que Tramp, mas simultaneamente mais variado. A simplicidade advém da restrição dos adereços, que reduz cada tema ao básico essencial; a variedade deve-se à proliferação das canções ao piano, que agora reparte com a guitarra a maior fatia do suporte instrumental. O protagonismo, porém, é da voz de Sharon, com enorme contenção, mas com uma visceralidade nas palavras que chega para ter a força do grito mais lancinante. Are We There é também um disco que, sem se desligar das origens da autora, deixa enfraquecer os laços com a folk. E assim vai Sharon Van Etten, agora e sempre a debater-se com os demónios interiores, mas segura de que já conquistou espaço próprio e uma personalidade no contexto da música actual. Parece-me que isso é algo que ainda não podemos afirmar acerca de uma Angel Olsen, só para citar outra "cantautora" actual caída nas boas graças, à qual ainda falta decidir-se pela tentação à hiper-produção "modernaça", ou pela canção mais descarnada de cunho intimista.

Your Love is Killing Me by Sharon Van Etten on Grooveshark
[Jagjaguwar, 2014]

terça-feira, 15 de julho de 2014

O jogo das diferenças #30


SONIC YOUTH
Goo
[DGC, 1990]

THE TWILIGHT SAD
Killed My Parents And Hit The Road
[FatCat, 2008]

segunda-feira, 14 de julho de 2014

R.I.P.


TOMMY RAMONE
[1949-2014]

Com a morte de Thomas Erdelyi, imortalizado como Tommy Ramone, na passada sexta-feira, deixou o mundo dos vivos o último resistente da formação original dos Ramones. Portanto, fazia parte do gang dos quatro responsáveis pelo seminal álbum homónimo de estreia de 1976, na origem das sementes punk que se disseminariam logo a seguir no Reino Unido, e também percursor da ingenuidade que estaria na base da vaga twee pop que eclodiria no mesmo território na segunda metade de oitentas. A fórmula, caracterizada pela simplicidade dos "três acordes", mais não era do que a aceleração de canções baseadas no espírito pop dos Beach Boys e dos girl groups de sessentas ligados a Phil Spector.

Judeu de ascendência húngara, Erdelyi tinha já alguma experiência de estúdio como engenheiro de som quando se juntou aos restantes Ramones: Joey, Johnny e Dee Dee. Curiosamente, o seu papel original na banda foi o de manager, que acumulou com o de baterista quando se percebeu da inaptidão de Joey Ramone, que transitaria para vocalista, para a rapidez dos tempos das canções. Simultaneamente, foi co-produtor dos três primeiros álbuns da banda, precisamente aqueles em que fez parte da sua formação. Abandonou o seu lugar no quarteto em 1978, cedendo o lugar a Marky Ramone. Como manager, convenceu Phil Spector a produzir End Of The Century (1980), escolha óbvia atendendo à devoção dos Ramones pelas pérolas pop criadas por aquele. Ele próprio regressou à cadeira da produção para Too Tough To Die (1984), eventualmente o último trabalho indispensável da banda. Sensivelmente pela mesma altura, produziu Tim (1985), disco superlativo dos The Replacements, então coqueluches do circuito das college radios norte-americanas. O afastamento definitivo dos Ramones não foi totalmente pacífico, e coincidiu com o começo do declínio, até à caricatura hard rock em que se transformaram algures na década de 1990. Por acaso, tem sido Marky, o substituto de Tommy, que em nome próprio, mas com o legado da banda que lhe deu fama, quem tem vindo a perpetuar a longa agonia dos Ramones ao serviço do circo rock'n'roll, ao qual eram primordialmente figuras estranhas. 

No momento do luto por Tommy Ramone, constato que, por ironia do destino, foram apenas necessários treze escassos anos para que o cancro (e a heroína, no caso de Dee Dee), dizimasse a totalidade dos membros originais da banda que melhor personificou a eterna adolescência. Now, I wanna sniff some glue.

Blitzkrieg Bop by Ramones on Grooveshark
[Sire,1976]

I Wanna Be Your Boyfriend by Ramones on Grooveshark
[Sire, 1976]

Rockaway Beach by Ramones on Grooveshark
[Sire, 1977]

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Good cover versions #84















PAUL QUINN & EDWYN COLLINS - "Pale Blue Eyes" [Swamplands, 1984]
[Original: The Velvet Underground (1969)]

Perdoem-me a heresia, mas, sem qualquer desprimor para os dois primeiros trabalhos dos The Velvet Undeground, ultimamente ando mais inclinado para atribuir ao terceiro - e homónimo - álbum o estatuto de obra magna da banda. É certa e sabida a herança ao nível da influência do "disco da banana" (1967), embora tenhamos que reconhecer que em certa medida é um exercício de estilo da decadência encenado por Andy Warhol, o qual ainda impingiu à banda a presença gélida de Nico, com a inerente aura fatal. Também é verdade que White Light/White Heat (1968) é o apogeu da experimentação dos Velvets, por via da formação académica de John Cale, embora seja um disco que, pelas suas características, exija predisposição para a audição.

Já o terceiro The Velvet Undeground, e primeiro após a partida do erudito galês, é o disco em que Lou Reed se liberta de quaisquer as amarras, assume o comando absoluto, e revela-se como mestre escritor de canções. Ao todo são dez as canções, ternas, melancólicas, românticas, e reduzidas à essência, e entre elas sobressai "Pale Blue Eyes". Quase o paradigma da pura canção de amor, este tema é desprovido de qualquer adiposidade, reduzindo-se à linha de guitarra delicada, à pandeireta apenas para marcar compasso, e à voz de Reed num estado de encantamento que lhe era desconhecido. O simplismo da produção, quase como se o tema tivesse sido gravado dentro de um armário, é uma mais-valia ao nível do intimismo e da proximidade com o ouvinte.

Entre os muitos herdeiros - e talvez dos primeiros reconhecidos como tal - dos Velvets destaca-se Edwyn Collins, que ao leme dos Orange Juice cometeu a proeza de conjugar o minimalismo dos nova-iorquinos com os ritmos funk e soul. Seu já velho comparsa dos tempos de escola em Glasgow, colaborador pontual nos coros dos Orange Juice, e vocalista dos promissores mas efémeros Bourgie Bourgie, Paul Quinn tem a voz indicada para extrair de "Pale Blue Eyes" a essência da beleza em forma de canção pop. A versão que ambos fazem é reverente, é certo, mas ao mesmo tempo muito personalizada, aspirando à grandiosidade por oposição à discrição do original. Collins remete-se à guitarra, que fiel ponto por ponto exala uma surpreendente luminosidade que estava totalmente ausente da quase letargia da génese. O resto, que aqui se traduz pelo papel principal, é a voz de Quinn, cantor dado ao dramatismo acentuado, que realça o romantismo da canção, não sem injectar também algo de iminentemente trágico.



terça-feira, 8 de julho de 2014

Mil imagens #50



Paul Weller (The Jam) - Japão, 1979
[Foto: Pennie Smith]

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Animal à solta
















Embora o termo indie ainda seja usado e abusado nos tempos que correm, raramente o vemos associado ao verdadeiro conceito de independência surgido na Grã-Bretanha post-punk de finais de setentas. Talvez o grande cisma tenha ocorrido em plena explosão "alternativa" da primeira metade da década de 1990, quando um bom número de produtos subitamente vendáveis não resistiram à tentação das ofertas da indústria. Como consequência, a independência genuína foi remetida a um nicho underground, do qual raramente eclodem projectos com franca visibilidade, sem que para isso tenham de sacrificar os princípios. O caso recente mais notório é o dos nova-iorquinos Parquet Courts, que tiveram a ousadia de lançar o seu primeiro álbum (American Specialities, de 2011) apenas em registo cassete de tiragem bastante limitada. Já nos formatos convencionais, Light Up Gold (2012) tinha a particularidade, tal como o antecessor, de ser auto-editado. Fruto do passa-palavra, este segundo álbum, com artwork fiel aos princípios do-it-yourself, mereceu aprovação dos Parquet Courts para uma distribuição mais alargada por parte da What's Your Rupture? apenas porque também editora embarca em idênticos processos aos da banda, nomeadamente com o lançamento frequente de 7" de tiragem limitadíssima.

Relativamente ao disco que fez dos Parquet Courts uma das bandas mais excitantes da actualidade, muitos, com algum cepticismo, o reduziram a um descendente directo dos Pavement. É um facto que o tom de Andrew Savage em muito se assemelha à ironia quase dandy de um Stephen Malkmus, mas menosprezar aquele ennui - característico e algo em desuso - próprio da era post-hardcore revela alguma preguiça nas análises. As comparações talvez refreiem com o novo Sunbathing Animal, apenas com ecos tímidos daqueles patronos indie, e a querer apontar à emulação de alguns históricos da cidade que acolheu os Parquet Courts, vindos do Texas. Assim, um bom número dos treze temas é ensombrado pelo fantasma dos Television, incluindo longos devaneios instrumentais de rigor assinalável e tiradas curtas e secas ao melhor estilo da displicência de um Tom Veralaine. Menos presente, mas também facilmente detectável é o minimalismo atonal de uns Velvet Underground. Não se fixando exclusivamente em Nova Iorque, os Parquet Courts dão um salto à Londres arty dos Wire, mais por via da secura que domina o disco, do que propriamente pela via estética. Antes de se julgar Sunbathing Animal como apenas mais um somatório de boas referências, convém referir que o cunho pessoal da banda está ainda bem patente na mesma deriva post-harcore que caracterizava o antecessor. Talvez mais cerebral que enérgico, este novo álbum tem ainda um bom número de petardos da adrenalina que fizeram dos Parquet Courts uma das maiores revelações em cima de um palco a que assisti nos últimos anos.

Dear Ramona by Parquet Courts on Grooveshark
[What's Your Rupture?, 2014]