"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Here, there and everywhere















Pressinto não ser o único que há algum tempo deixou de seguir a facção dos "cantautores" (ou singer-songwiters, como se diz em americano), não tanto pelo fastio com a quantidade, mas mais pela falta de quem sobressaia da normalidade. Sou até capaz de localizar o momento do desinteresse no tempo, ali pela altura em que Ryan Adams perdeu o freio, ou quando Cat Power se rendeu ao estrelato e a xaropada, isto para agradar às meninas e aos meninos. Podem trazer-me o nome do consensual Bill Callahan à baila, que eu ripostarei que o trabalho de relevo desse está muito mais lá atrás, ainda não encaixado na categoria. Ou então invocar Will Oldham, que eu direi que esse extravasa a catalogação.

Vivemos nas nossas convicções e na nossa descrença, até que somos tentados pela dúvida quando tomamos contacto com a música de Sharon Van Etten, nem que para isso ela tenha de gravar três álbuns. A revelação, quase uma epifania, aconteceu precisamente ao terceiro, o excepcional Tramp (2012), seguramente um dos mais alarmantes discos da dor-de-corno de que há memória no passado recente, pela forma como a autora expõe as entranhas. É um trabalho ainda tenuemente enraizado na folk que, salvas as devidas distâncias estéticas, nos momentos de maior secura, faz-nos lembrar uma Polly Jean Harvey que há muito perdemos.

Ao quarto registo, o novo Are We There, Sharon ainda navega nas mesmas águas, o que significa que a matéria-prima das onze canções ainda é o complexo universo dos afectos, com acento tónico nas agruras dos mesmos. Até aí, nada de surpreendente. O que talvez não prevíssemos é que seria capaz de igualar o nível qualitativo do antecessor ou, talvez, até de o superar. Pode até ser do efeito da novidade, mas por enquanto sou da opinião que a superação acontece neste novo álbum. Por estranho que possa parecer, este disco é mais simples que Tramp, mas simultaneamente mais variado. A simplicidade advém da restrição dos adereços, que reduz cada tema ao básico essencial; a variedade deve-se à proliferação das canções ao piano, que agora reparte com a guitarra a maior fatia do suporte instrumental. O protagonismo, porém, é da voz de Sharon, com enorme contenção, mas com uma visceralidade nas palavras que chega para ter a força do grito mais lancinante. Are We There é também um disco que, sem se desligar das origens da autora, deixa enfraquecer os laços com a folk. E assim vai Sharon Van Etten, agora e sempre a debater-se com os demónios interiores, mas segura de que já conquistou espaço próprio e uma personalidade no contexto da música actual. Parece-me que isso é algo que ainda não podemos afirmar acerca de uma Angel Olsen, só para citar outra "cantautora" actual caída nas boas graças, à qual ainda falta decidir-se pela tentação à hiper-produção "modernaça", ou pela canção mais descarnada de cunho intimista.

Your Love is Killing Me by Sharon Van Etten on Grooveshark
[Jagjaguwar, 2014]

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