"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Cuidado com os rapazes!

















Se é verdade que aquela explosão "alternativa" do começo de noventas foi catalizadora de novas formas de rock-FM, tão bafientas como as anteriores, também é justo reconhecer que permitiu alguma visibilidade a bandas de valia que, de outra forma, estariam confinadas à ultra-obscuridade. Neste segmento inserem-se os californianos Geraldine Fibbers, nos quais pontificava a cantora Carla Bozulich, ela que tinha um passado ligado a projectos post-punk na linha provocatória de uma Lydia Lunch. Com esta a nova banda, mais formal enquanto tal, a frontwoman manteve a postura, mas enveredou por uma estética que reconhecia a country como pedra basilar. Com a entrada do guitarrista Nels Cline (actualmente nos Wilco), registou-se uma aproximação aos cânones rock, porém, com uma intensificação da veia experimental. Cantora e guitarrista haveriam de levar a transgressão dos conceitos pré-estabelecidos a um extremo nos breves Scarnella. Ainda e sempre na companhia do fiel seu fiel escudeiro, Carla Bozulich abraçaria de novo a country em The Red Headed Stranger (2003), releitura integral do clássico de Willie Nelson que caiu nas boas graças de alguns sectores mais atentos. No entanto, a obra maestra estaria para chegar ao terceiro álbum, de título genérico Evangelista (2006), e que fez dela a primeira artista não canadiana a editar pela Constellation Records. Com a ajuda de músicos ligados aos colectivos Thee Silver Mt. Zion e Godspeed You! Black Emperor, este era um disco de canções descarnadas e intensas, com o cunho cinemático característico dos convidados. A boa recepção a este trabalho, e a química entre músicos dele resultante, haveria de fazer com que Evangelista passasse a ser nome de banda, até esta data com três álbuns que são a progressão natural do trabalho inicial.

Entretanto, e desconhecendo-se o futuro da banda que lhe tem dado ocupação nos últimos anos, Carla Bozulich regressa aos discos em nome próprio com o novo Boy, anunciado pela própria como o seu álbum pop. Vindo de uma artista transgressora como ela, já se antevê a subjectividade que tal descrição pode conter. Com efeito, e apesar do esforço pela aproximação aos standards da canção, este é mais um trabalho de uma visceralidade alarmante. Ainda que não atentemos no conteúdo das palavras duras, pressente-se no tom hiper-dramático de Bozulich uma espécie de feminismo radical, qual animal ferido e, por consequência, pouco confiante no género oposto. A espaços, pela postura desafiadora e pelas abordagens despudoradas à sexualidade, é impossível não estabelecer afinidades com os universos de Patti Smith ou de Polly Jean Harvey. No entanto, Carla Bozulich é mais reverente que qualquer uma daquelas ao imenso caldeirão do americana. Consequentemente, Boy tanto pode ir beber aos blues e ao gospel como à folk apalachiana, embora sempre com uma tendência para a desconstrução própria de um Tom Waits por via dos inúmeros adereços improváveis. Assim, o ribombar da percussão atípica, o ranger das serras tocadas com arco, as cordas arranhadas, as guitarras desalinhadas e desafinadas, ou os apontamentos de uma electrónica tensa, espreitam sem pré-aviso por cada recanto de Boy. Por esta altura, julgo que já estarão perfeitamente convencidos de que este está longe de ser um disco pop, de qualquer artista. Mas é, seguramente, um dos trabalhos ainda assim mais próximos das convenções da autora e, por isso, porta de entrada recomendável no maravilhoso mundo (negro) de Carla Bozulich.

"Deeper Than The Well" [Constellation, 2014]

Sem comentários: