"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Discos pe(r)didos #78









JOSEF K
The Only Fun In Town
[Postcard, 1981]




Se a breve história da lendária Postcard Records fosse esquematizada num triângulo, este teria de ser obrigatoriamente um triângulo invertido. Nos vértices do topo estariam os Orange Juice e os Aztec Camera, enquanto aos Josef K caberia o vértice inferior. Não querendo com esta figuração menorizar os últimos, o que é certo é que lhes faltava alguma da ousadia pop dos outros para os distinguir na manada post-punk. Por outro lado, não ostentavam a ambição pelo sucesso dos seus pares, algo que não sintonizava com os sonhos grandiosos do "patrão" Alan Horn para o Sound of Young Scotland. As diferenças de filosofia dos Josef K com aquelas bandas talvez não se fiquem a dever às origens geográficas (eram os intrusos de Edimburgo no seio da nata pop de Glasgow), mas antes a questões de postura deliberada (estudada?) e a diferentes fontes de referência.

Talvez por não serem uma máquina de singles - o formato pop por excelência -  tão evidente, o que é certo é que foi aos Josef K que calhou a sorte do único álbum lançado na existência primordial da Postcard. E até se deve acrescentar que The Only Fun In Town não foi propriamente um disco de parto fácil, já que a sua edição aconteceu a dois tempos: primeiro numa pequena tiragem, de título genérico Sorry For Laughing, com uma mistura demasiado "limpa" para as pretensões da banda; depois a versão definitiva, gravada ao vivo em estúdio num par de dias. Daqui retiramos a conclusão de que eram os Josef K gente inamovível nos seus princípios, uma pequena vaidade a que muitos personagens post-punk gostavam de se dar, apesar dos orçamentos disponíveis serem limitadíssimos. Ouvidos de enfiada, e à parte as diferenças de alinhamento, os dois registos não demonstram divergências significativas ao nível da estridência, mas para a posteridade ficou oficializada a versão concebida segundo as vontades da banda.

Curiosamente, "Sorry For Laughing", que havia sido o título escolhido para o disco rejeitado, é também o título do tema mais representativo dos Josef K, e aquele que encerra a escassa meia hora de duração de The Only Fun In Town. Nos seus pouco mais de três minutos de frenesim presta-se vassalagem à herança dos Velvet Underground, porém com a guitarra desalinhada de Malcolm Ross num galope que contrasta com o torpor narcótico daqueles. Esclareça-se desde já: por princípio, os Josef K eram gente avessa os aditivos da decadência do circo rock. As suas fontes de alienação eram outras, sobretudo baseadas em autores modernistas, como Camus, Dostoieveski e, claro está, Kafka, ou não fosse o nome da banda emprestado pelo protagonista d'O Processo. Por conseguinte, com uma dose razoável de pretensiosismo, os Josef K eram gente de uma austeridade pouco comum no meio pop-rock, algo apenas concebível no período temporal da sua existência. Como nem só de referências literárias se constrói uma reputação, também tinham heróis musicais, que para além dos citados Velvets, materializavam-se sobretudo nos Television, outro símbolo da subversão da linguagem rock com origem em Nova Iorque. A titulo de exemplo oiçam-se "Revelation", "The Angle", ou "Heart Of Song", com a secura da voz de Paul Haig numa colocação em tudo semelhante à do dandy Tom Verlaine. Já na guitarra, Malcolm Ross é incapaz do mesmo rigor técnico do "mestre", mas não o podemos acusar de não o tentar, com constantes invectivas de arestas rugosas.

Eventualmente pelo idêntico apreço pelos livros, é comum estabelecerem-se pontos de contacto entre os Josef K e os Joy Division. No entanto, os escoceses eram jovens apenas austeros, como que isolados do mundo numa bolha de presunção, enquanto os de Manchester (ou pelo menos o seu vocalista) eram gente positivamente perseguida por uma densa nuvem negra. Porém, há que reconhecer afinidades, quanto mais não seja no baixo profundo dos frenéticos "Fun 'N' Frenzy" e "Crazy To Exist", que apesar disso não ostentam qualquer indício de frieza, antes uma estranha propensão funky ao sabor daqueles tempos, assim numa nebulosa entre os Orange Juice, os Gang of Four, e os Talking Heads. O que ligava as duas bandas era, sobretudo, um respeito mútuo, e a quase valsa lúgubre do fabuloso "It's Kinda Funny" até foi escrita por Paul Haig em jeito de exéquia pela morte de Ian Curtis.

Tendo implodido logo em 1982, os Josef K não lograram mais do que um culto considerável nos países do Benelux, comum a outras bandas da época. Portanto, ficaram longe das aproximações aos tops de vendas dos comparsas da Postcard. Contudo, se tanto os Orange Juice como os Aztec Camera se podem gabar de dar início a uma nova era pop que vigorou em oitentas, o legado dos Josef K também é reconhecido no restrito mundo indie canónico, nomeadamente em muitas bandas nascidas e geradas pela emblemática C86, e tanto em termos estéticos como na filosofia un-rock que lhes era característica.

Sorry for Laughing by Josef K on Grooveshark

It's Kinda Funny by Josef K on Grooveshark

Crazy to Exist by Josef K on Grooveshark

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