"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Singles Bar #67









NO AGE
Eraser
[Sub Pop, 2008]




Em tempos recentes, não haverá rótulo aplicado no meio musical mais insólito do que o chamado shitgaze. Para quem não sabe, esta caracterização é normalmente aplicada à vaga de bandas surgidas no final da década pasada, essencialmente no Ohio e na Califórnia mas com disseminação por toda a América do Norte, a operar na confluência do lo-fi com o noise. Catalogação vaga, sugere alheamento e desleixe, algo de redutor para bandas como os No Age, dupla de Los Angeles muitas vezes apontada como os padrinhos do "género". Redutor porque, na sua fórmula musical, embora rugosa e aparentemente inacabada, pressente-se risco e ambições de experimentação.

Os mais atentos já os tinham detectado com os primeiros discos em pequeno formato (reunidos na compilação Weirdo Rippers). Desde logo se anteviu neles um banda para provocar impaciência por cada novo lançamento, algo caído em desuso desde a primeira metade de noventas, no tempo em que o mundo indie oferecia uma boa mão cheia propostas interessantes a cada semana. Estava assim criado o quadro de expectativas em alta para Nouns, o primeiro álbum propriamente dito. Tanto mais que, a antecedê-lo, o 7" Eraser apresentava uns No Age incrivelmente evoluídos na sua sonoridade. Rigoroso na economia de tempo, o single oferece um total de quatro temas em pouco mais que oito minutos. De todos, é imperativo destacar o tema-título (o único incluído no álbum), verdadeira reactualização da urgência dos primeiros contactos com os Nirvana para os sons mais difusos do presente. Dividido em duas partes de durações semelhantes, tem na secção introdutória um mantra de guitarra circular que poderia, por hipótese, ter resultado das últimas experiências sonoras conhecidas dos My Bloody Valentine, se estes não tivessem enterrado definitivamente o passado jangly. Coincidindo com a entrada em cena da voz de Dean Spunt, a guitarra de Randy Randall enfurece-se e sob de tom. Embora as palavras sejam praticamente imperceptíveis, na forma acusatória com que são proferidas, deixam imaginar uma descarga de ennui juvenil acumulado. Um grito de revolta abafado e perturbado pela "imperfeição" de uma omnipresente pandeireta percutida com desdém.

Para o lado B, e um pouco à semelhança dos citados Nirvana, os No Age reservam o tributo aos seus heróis mais obscuros, sob a forma de três versões de originais que vão do power-pop ao punk mais primevo. As bandas contempladas são gente como The Nerves, Urinals e um tal de Nate Denver's Neck. Mais não são do que versões informais, provavelmente captadas num único take. Meros esboços de canções que podem ir da descarga punky ao puro abstraccionismo sónico que têm como único propósito aguçar a curiosidade do ouvinte.


terça-feira, 30 de agosto de 2011

First Exposure #35














FANZINE

Formação: Jock (voz, gtr); Ed (gtr); Kit (bx); Billy (btr)
Origem: Londres, Inglaterra [UK]
Género(s): Indie-Pop, Noise-Pop, Slacker-Rock
Influências / Referências: Yuck, Dinosaur Jr., Teenage Fanclub, Archers of Loaf, Graham Coxon, Weezer

http://www.myspace.com/fanzinetheband

"Rocket Fuel" [Transparent, 2011]

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Good cover versions #57












THE RAINCOATS _ "Lola" [Rough Trade, 1979]
[Original: The Kinks (1970]



Em toda a história da música popular não haverá, certamente, banda que melhor exprima a englishness que os Kinks. Nas suas canções está bem patente o saudosismo de Ray Davies, o vocalista e dandy incorrigível por uma Inglaterra que, na visão do próprio, se desintegrou. Neste contexto, "Lola", por sinal um dos seus temas mais populares, é corpo estranho. É uma canção assumidamente cómica, que conta detalhadamente o encontro e consequente envolvimento de um jovem, presumivelmente pacóvio, com um travesti. Pela letra, subentende-se que o nosso protagonista, verde em matéria de relações amorosas, é desconhecedor do verdadeiro sexo da sua "amada", a tal Lola do título. No campo musical, é também uma canção de importância significativa, muito por culpa do riff do guitarrista Dave Davies, provavelmente dos mais emblemáticos da história do rock, e que assinala o início da deriva dos Kinks rumo a uma sonoridade mais árida.

Atendendo a tal temática, "Lola" assenta como uma luva no reportório das Raincoats, talvez a banda feminina mais desafiadora em matéria de "questões do género" surgidas no Reino Unido post-punk, facção que engloba ainda The Slits, Delta 5, ou Au Pairs. Na sua formação de sempre contam com Gina Birch e a portuguesa emigrada Ana da Silva, ambas com papel fulcral e activista na afirmação do papel da mulher no rock. Com uma pop fracturada, e deliberadamente amadora, por oposição ao virtuosismo do original, fazem desta uma versão estranha, autenticamente desconstruída na cadência atípica dos ritmos. Nas entrelinhas, ainda que mais dissimulada que na música das suas comadres, as Raincoats deixam entrever alguma influência da música jamaicana, algo muito em voga à data, desde que John Lydon e os seus PiL confessaram a adoração pelo reggae e pelo dub. Como curiosidade refira-se que esta interpretação das Raincoats aproveita a letra da versão single dos Kinks, na qual "cherry cola" substitui o "Coca-Cola" da versão do álbum, manobra fundamental ao airplay radiofónico atendendo ao veto da BBC relativamente às referências a marcas comerciais.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Prids in the name of ex-love















Mesmo nesta era em que tudo parece estar à distância de um clique há bandas que escapam à nossa sede de novidades. Ou melhor, nesta era de excesso de oferta, é compreensível que muita boa música se obscureça na escassez de tempo disponível para a ouvir. É neste contexto que "descubro", com considerável atraso esta banda chamada The Prids, norte-americanos de Portland, cidade com muita e boa oferta musical. É preciso dizer que já levam 15 anos de existência, muitos dos quis com a coabitação pacífica do ex-casal que os lidera: David Frederickson e Mistina La Fave. Consta também, embora pouco me interesse, que, no passado, revelavam alguma inclinação para as chamadas sonoridades "góticas".

O que realmente me interessa nos The Prids é o presente. Ou melhor, o passado recente. Mais concretamente Chronosynclastic, o álbum do ano passado (apenas o terceiro) que, apesar da densidade e de algum negrume em linha com algum post-punk da alvorada de oitentas, está longe de merecer tão triste catalogação como a supra citada. Contudo, a imediata impressão que fica da audição é que este um disco mais de acordo com o indie-rock americano de inícios da década de 1990, com guitarras desalinhadas e a urgência típica do post-hardcore que encontramos nos Fugazi e em certos períodos da vivência dos Sonic Youth. O que mais sobressai, porém, é a grandiosidade emotiva e a complexidade que caracterizam a maioria das canções, a remeter obrigatoriamente para os fantásticos Built to Spill. Na maioria dos casos, por entre a muralha sónica, a harmonia eclode do enlace das vozes masculina/feminina. Como na amostra infra, por exemplo.

"I'll Wait" [Velvet Blue Music, 2010]

terça-feira, 23 de agosto de 2011

R.I.P.

Na foto: Mike Stoller, Elvis Presley e Jerry Leiber - MGM Studios, 1957

JERRY LEIBER
[1933-2011]

Jerry Leiber, letrista e produtor norte-americano, incontornável na história dos primeiros passos da história pop/rock morreu ontem em Los Angeles. Tinha 78 anos.

O seu nome surge indissociado do de Mike Stoller, o compositor com o qual fez dupla na escrita de extenso rol de temas que são hoje autênticos standards da música popular. Da pena de ambos saíram temas como "Jailhouse Rock", "Stand By Me", "Searchin'", ou "Is That All There Is?", todos eles alvo de um infindável número de interpretações mas imortalizados nas versões "definitivas", respectivamente, de Elvis Presley, Ben E. King, The Coasters, e Peggy Lee. Juntos, foram também uma equipa de produtores extremamente inovadores no seu tempo, ao ponto de impressionarem um jovem de nome Phil Spector, a dada altura aprendiz das técnicas da dupla com os resultados que todos conhecem.

Ben E. King _ "Stand By Me" [Atco, 1960]

Peggy Lee _ "Is That All There Is?" [Capitol, 1969]

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Um V na fronte

















Já esperávamos por um disco assim desde que os Mazzy Star entraram em hibernação. Ou pelo menos desde a doce preguiça daquele segundo disco dos saudosos Beachwood Sparks. Ou ainda, na melhor das hipóteses, desde o último trabalho da menina Chan Marshall antes do aburguesamento (leia-se You Are Free, de 2003). São estas, e algumas mais, as referências dos Widowspeak, um trio com sede em Brooklyn, via Chicago, no qual ando verdadeiramente viciado. As similaridades são mais evidentes com os primeiros, muito por culpa da voz de Molly Hamilton, em tudo comparável à da estonteante Hope Sandoval, se bem que substancialmente mais arejada.

Mas nem só de comparações com os citados se faz Widowspesk, o álbum que acabam de dar à estampa e que é uma afirmação de personalidade, apesar do curto período de convivência musical do trio. Assente numa country-pop de cariz outonal, é contido na melancolia, deixando que uma brisa o percorra de fio a pavio. Portanto, as paisagens desoladas que a primeira referência poderia sugerir dissipam-se rapidamente após algumas audições. Para tal, desconfia-se, contribuirá a juventude dos músicos, também expressa no ligeiro travo surfy com que contaminam cada um dos dez temas, o que coloca os Widowspeak a par de algumas das mais interessantes manifestações pop da actualidade. A título ilustrativo deixo-vos os dois temas que compõem o primeiro single promocional. O tema principal, incluído no álbum, com uma voz em estado de graça, é bem representativo da veia melódica e da reverberação quase omnipresentes. O lado B, precisamente uma versão do tema mais popular de Chris Isaak, parece ter sido escrito de propósito para os Widowspeak.


"Gun Shy" [Captured Tracks, 2011]


"Wicked Game" [Captured Tracks, 2011]

Upa, upa!

















Daniel Blumberg é um rapaz ocupado. Esqueçamos o passado pouco edificante à frente de uns tais Cajun Dance Party, e lembremos que é ele o frontman dos mui recomendáveis Yuck, autores de um disco homónimo que é tão somente do melhor que a música pop pariu nos últimos anos. Não que seja um trabalho particularmente inventivo, pois tresanda às linguagens indie da alvorada de noventas, com óbvias filiações em bandas como Teenage Fanclub, Dinosaur Jr. e similares, mas impressionante na frescura e sinceridade que patenteia numa dúzia de canções prenhes de espírito juvenil. Tem sido alvo de intensa promoção, numa preenchidíssima agenda de concertos com a qual já fui em feliz contemplado.

Não obstante a azáfama que o quarteto que lidera implica, Blumberg ainda consegue arranjar tempo para os projectos pessoais. Sob a designação Oupa, e em regime solitário, acaba de lançar Forget, um pequeno álbum que exibe uma faceta que a música dos Yuck não deixa revelar. Os temas, em número de sete, estendem-se em durações um pouco além das convenções pop. Impera uma certa melancolia contemplativa, materializada em frágeis melodias de piano e teclados texturais. A voz, normalmente em falsetto suavizado, revela intimismo e introspecção. Lançado em auto-edição, Forget não é propriamente a oitava maravilha do mundo. Mas também é verdade que não deixa de ser algo mais que mera curiosidade, para admiradores dos Yuck e não só. As ambiências criadas estão em perfeita sintonia com estes dias de ar pesado e denso.

"Physical" [Boiled Egg, 2011]

sábado, 6 de agosto de 2011

Mixtape #12 - Metal Babies & Kitty Cats







Há muito, muito tempo, antes da experimentação dos discos das "fase crescida", os Beatles faziam canções assumidamente pop, que não pretendiam levar-se demasiado a sério. Anos mais tarde, na década de 1970, inspirados por essa inocência, e também pela de contemporâneos como The Kinks e The Who, um grupo de jovens músicos desenvolveu uma linguagem musical que captava esse espírito juvenil, abordando quase invariavelmente temas tão mundanos como festas, carros, ou miúdas. Ou seja, os princípios genuínos do rock'n'roll. Essa corrente extremamente melódica ficou conhecida como power-pop, e integrava bandas como Badfinger, The Nazz, Cheap Trick, Raspberries, ou os geniais Big Star. Nas três décadas seguintes, e até ao presente, embora mais esporadicamente, a descendência dos originais power-poppers tem-se feito ouvir, sobretudo nos Estados Unidos mas também um pouco por outros pontos do globo. É nesta segunda vaga que se centra a escolha dos dezasseis temas da compilação infra, com os ingredientes adequados às férias do April Skies que agora se iniciam. E pode também colorir as vossas, caso a reclamem no link indicado antes do alinhamento. Antes da despedida e do download, deixo um sério aviso: contém melodias guitarrísticas e coros grudantes em doses que podem ser contra-indicadas ao "urbano-depressivo" mais circunspecto. 




01. NADA SURF _ "Blankest Year" [2005]
02. MATTHEW SWEET _ "Girlfriend" [1991]
03. THE dB's _ "Neverland" [1982]
04. SUPERCHUNK _ "Crossed Wires" [2009]
05. WEEZER _ "Buddy Holly" [1994]
06. SMUDGE _ "Desmond" [1994]
07. THE LEMONHEADS _ "Confetti" [1992]
08. LET'S ACTIVE _ "Easy Does" [1984]
09. THE SMITHEREENS _ "Hand Of Glory" [1986]
10. TEENAGE FANCLUB _ "Metal Baby" [1991]
11. BANGLES _ "Going Down To Liverpool" [1985]
12. THE MICE _ "Bye Bye Kitty Cat" [1986]
13. SLOAN _ "G Turns To D" [1996]
14. SUPERDRAG _ "Destination Ursa Major" [1996]
15. THE POSIES _ "Golden Blunders" [1990]
16. VELVET CRUSH _ "Drive Me Down" [1991]

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Isto é uma história de produtividade que já tem barbas













Não deve ser fácil a vida dos seguidores mais acérrimos de Robert Pollard, tal o caudal de edições com que este os presenteia. Só desde que desmantelou os Guided by Voices, no final de 2004, e entre discos em nome próprio ou com os mais variados projectos, a coisa já ultrapassa largamente as duas dezenas. O melhor de tudo isto é que, pelo menos nos casos com que tomei contacto, a média qualitativa é consideravelmente alta.

Tal como julgo que não deverá ser fácil a vida dos restantes integrantes dos Boston Spaceships (o multi-instrumentista Chris Slusarenko e o baterista John Moen, este também dos The Decemberists), permanentemente confrontados com o fantasma de uma entidade como os GBV. Mas nada que pareça afectar a produtividade do trio pois, nos três anos que leva no activo, aquele que é talvez o mais visível dos projectos actuais de Pollard conta já cinco álbuns. O mais recente é Let It Beard, um duplo definido pelos próprios como "a subconscious concept album about the sorry state of rock and roll" (mais um, portanto!). 

Mas nada disto seria grande novidade se este não fosse um fulgurante trabalho, sem qualquer ponta de exagero, capaz de ombrear com os melhores discos da extensa obra dos GBV. E, como bónus, desta feita os 26 temas não se limitam a ser meros esboços, mas sim canções de corpo inteiro. Apesar da variedade estilística, não passam, como já habitual no seu autor, de extensões da profunda adoração de Pollard por bandas como The Who e The Beatles, ainda que soem como gravados ao primeiro take. Por fim, para desfazer o cepticismo daqueles que julgam o lo-fi como algo desprovido de qualquer técnica, enumerem-se alguns dos ilustres convidados, todos com créditos firmados na arte de manusear as cordas da guitarra: J Mascis (Dinosaur Jr.), Steve Wynn (Dream Syndicate), Colin Newman (Wire), e Mick Collins (The Dirtbombs). Segue uma amostra, uma das muitas possíveis que não envergonham Pete Townshend da sua descendência:


"Tabby And Lucy" [Guided by Voices Inc., 2011]

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Loving the alien
















Há qualquer coisa de dois anos e meio chegaram de mansinho com Why There Are Mountains, um disco auto-editado e danado de bom. No dito, os Cymbals Eat Guitars remavam contra a corrente vigente, recuperando memórias do indie-rock mais emocionalmente intenso de noventas (quase sacrilégio, nesses tempos), e em particular, por via da complexidade estrutural das canções, dos Built to Spill. Ao vivo então, como tive a felicidade de comprovar, a coisa assumia uma intensidade tal que, em comparação, bandas como The Walkmen não passam de coisinha leve para ouvir em esplanadas de praia. O vocalista/guitarrista Joseph D'Agostino, em particular, é daqueles que, passe o cliché, encara cada concerto como se fosse o último.

E agora, precisamente na altura em que apenas pensamos em ócio e sol, e em nada que estimule a seriedade, parece que os Cymbals Eat Guitars estão de volta. Lenses Alien, o segundo álbum (agora com patrocínio de uma editora), chega no final do mês, mesmo a tempo de ensombrar os últimos dias de férias de muitos com uma dose de letras que, quando penetráveis, deixam discorrer um intenso negrume. A primeira amostra está disponível abaixo, e é uma clara evidência da evolução na continuidade. Ou, trocado por miúdos, um reforço da complexidade sem descaracterização dos autores. Para além da citada referência, há também uma maior evidência das tendências prog que encontramos em bandas do chamado post-hardcore como os óptimos Unwound, ou até mesmo nos Sunny Day Real Estate. E isso é bom ou é mau? É ouvir e chorar por mais, minha gente!


"Rifle Eyesight (Proper Name)" [Barsuk, 2011]

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Selo de Qualidade #3












SARAH RECORDS
Bristol, Inglaterra [UK], 1987-1995

Fundada por Clare Wadd e Matt Haynes, a Sarah Records ficará para sempre conotada com essa expressão da inocência à qual convencionou chamar-se twee-pop. O último tinha já algum currículo como editor da fanzine Are Scared To Get Happy?, uma das muitas fundamentais para a emergência indie do Reino Unido de meados de oitentas, coroada na C86, a já mítica cassete oferecida pelo New Musical Express. Um pouco à semelhança da já estabelecida Creation Records, o objectivo da Sarah era recuperar e celebrar o espírito pop de sessentas, privilegiando o single em detrimento do álbum, formato que, na opinião destes puristas, matou esse mesmo espírito. A grande diferença no trajecto das duas editoras reside precisamente na maior resistência da Sarah à tentação de editar álbuns.

Numa primeira fase, a história faz-se essencialmente de edições frequentes de três bandas: The Sea Urchins (que figuraram na citada C86), Another Sunny Day (banda especialmente indicada a quem acha The Smiths demasiado mainstream), e os escoceses The Orchids. Neste período, a "aves raras" do catálogo eram os 14 Iced Bears, já com edições noutros selos e a ensaiar timidamente a rendição ao psicadelismo, e The Springfields, banda que serviu de embrião aos power-poppers Velvet Crush e que provinha dos Estados Unidos. Com um apoio firme da rádio e da imprensa especializadas, e promovendo festas vespertinas especialmente dirigidas à "tribo dos anoraques", rapidamente a Sarah se tornou a editora de eleição para um largo número de jovens que não se reviam nos tiques sexistas normalmente associados à música que povoava as tabelas de vendas.

Depois da afirmação, o período dourado, aquele que fica marcado pelas duas grandes "vedetas" do catálogo, às quais pertence uma boa parte dos escassos álbuns editados pela Sarah - The Field Mice e Heavenly. Os primeiros são, eventualmente, a banda com uma sonoridade mais elaborada na história da editora e foram fortemente divulgados pelo influente John Peel, enquanto os últimos integravam Amelia Fletcher, antiga líder dos seminais Talulah Gosh e uma espécie de heroína na nação twee. Nesta fase convém também destacar os escoceses The Wake, banda já com um largo historial que, no início, integrou um Bobby Gillespie pré-Mary Chain e pré-Primal Scream.

Na década de 1990, com a música de guitarras a seguir outras tendências (shoegaze, grunge, lo-fi), a Sarah conheceu a perda de protagonismo e o consequente declínio. À parte a prossecução da carreira dos Heavenly, com edições regulares, neste período merecem destaque os Boyracer, relativamente mais enérgicos que o restante catálogo, os norte-americanos Aberdeen, e os deliciosos Blueboy, banda cujo nome remete inevitavelmente para os Orange Juice, outra das fontes de inspiração predilectas da brigada twee.

O fim premeditado ficou assinalado pela edição da compilação retrospectiva There And Back Again Lane (o nome de uma rua em Bristol), justamente o centésimo lançamento com selo da Sarah. Nos dias que correm, o saudosismo e o espírito da Sarah são perpetuados por um extenso rol de editoras. Entre elas, destaque para a norte-americana Slumberland Records, responsável, juntamente com a incontornável Cherry Red, por um bom número de reedições do catálogo da seminal Sarah.


12 SINGLES ESSENCIAIS


  • The Sea Urchins _ Pristine Christine [1987]
  • Another Sunny Day _ Anorak City [1988]
  • 14 Iced Bears _ Come Get Me [1988]
  • The Springfields _ Sunflower [1988]
  • Another Sunny Day _ I'm In Love With A Girl Who Doesn't Know I Exist [1988]
  • The Field Mice _ Emma's House [1988]
  • The Wake _ Crush The Flowers [1989]
  • The Field Mice _ Sensitive [1989]
  • The Orchids _ What Will We Do Next? [1989]
  • Heavenly _ I Fell In Love Last Night [1990]
  • Blueboy _ Popkiss [1992]
  • Heavenly _ P.U.N.K. Girl [1995]


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Discos pe(r)didos #56








THE CLIENTELE
Strange Geometry
[Merge, 2005]




Embora funcionado como banda de corpo inteiro, os londrinos The Clientele são, acima de tudo, o veículo para a expressão musical muito peculiar de Alasdair MacLean, vocalista, guitarrista, e compositor em exclusivo. Contando com a fase intermitente dos primórdios, levam já duas décadas de actividades, vinte anos a alimentar o estatuto de segredo mais bem guardado da pop britânica. Eu próprio me penitencio pelo pecado de só tardiamente os ter descoberto. De então para cá, tenho tentado redimir-me, explorando a fundo toda a sua discografia que, até ao momento presente, ainda não apresenta mácula.

Como disco mais representativo desse catálogo elejo Strange Geometry, o segundo álbum (há também um compilação de singles prévia que deve entrar nas contas), talvez por ser aquele que assinala a maturação do conceito The Clientele. Conceito esse que consiste numa essência pop profundamente letrada, com forte carga de dramatismo e melancolia. A dose de romantismo incurável poderia remeter para alguma twee-pop, não fosse a sobriedade adulta desta dúzia de canções apontar mais para a sofisticação pop professada por bandas de meados de oitentas como Pale Fountains e Prefab Sprout. Na actualidade, não é descabido estabelecer paralelismos com os Belle & Sebastian, embora não exista na dos londrinos uma deriva bucólica tão acentuada como na música dos escoceses.

Nem de propósito, a "epifania" ocorreu com "Since K Got Over Me", tema que abre Strange Geometry fazendo a introdução do lado mais poppy e catchy que a banda conheceu. Desde logo, nota-se um especial cuidado na produção que, acentuando a reverberação, permite à voz sentida de MacLean destacar a importância das palavras. E até ao final, com "Six Of Spades", pressente-se que essas palavras expiam os demónios de uma relação sem final feliz. Com alguma habilidade, e ao invés de dirigir o discurso à outra variável da equação amorosa, MacLean prefere centrar a escrita no cenário desse affair, mais concretamente a cidade de Londres. Com um detalhe quase cinemático, detém-se longamente sobre as ruas, os edifícios, as praças, os jardins, dando assim uma possível explicação para a "geometria" a que alude o título. O desquite com a cidade é assumido em "Losing Haringey", um tocante monólogo totalmente falado que funciona como nota de despedida, francamente exasperante, àquele cenário carregado de recordações

Ao longo de todo o alinhamento, as canções não revelam variações de maior entre si, funcionado antes como um todo, sóbrio e elegante, adornado por arranjos de cordas de extremo bom-gosto. A voz raramente se eleva, com as excepções, ainda que breves, dos picos emotivos de "When I Came Home From The Party" e "Spirit". Por outro lado, "K" (a insistência nesta letra lança suspeitas sobre a eventual referência a um nome feminino), "E.M.P.T.Y.", e "Step Into The Light" assumem algum risco pela experimentação, nomeadamente pelo uso discreto da dissonância.

Há coisa de dois anos, e gerados por declarações algo enigmáticas do próprio mentor, surgiram rumores de um possível fim dos The Clientele. Felizmente, o desmentido foi rapidamente avançado com Minotaur, o mui recomendável mini-álbum do ano passado que sacudiu alguma estagnação da fórmula musical. Talvez com o intuito de evitar algum desgaste, MacLean envolveu-se recentemente em Amor de Días, projecto conjunto com a espanhola Lupe Núñez-Fernández, vocalista do duo Pipas.


"Since K Got Over Me"


"(I Can't Seem To) Make You Mine"


"Losing Haringey"