THE RAINCOATS _ "Lola" [Rough Trade, 1979]
[Original: The Kinks (1970]
Em toda a história da música popular não haverá, certamente, banda que melhor exprima a englishness que os Kinks. Nas suas canções está bem patente o saudosismo de Ray Davies, o vocalista e dandy incorrigível por uma Inglaterra que, na visão do próprio, se desintegrou. Neste contexto, "Lola", por sinal um dos seus temas mais populares, é corpo estranho. É uma canção assumidamente cómica, que conta detalhadamente o encontro e consequente envolvimento de um jovem, presumivelmente pacóvio, com um travesti. Pela letra, subentende-se que o nosso protagonista, verde em matéria de relações amorosas, é desconhecedor do verdadeiro sexo da sua "amada", a tal Lola do título. No campo musical, é também uma canção de importância significativa, muito por culpa do riff do guitarrista Dave Davies, provavelmente dos mais emblemáticos da história do rock, e que assinala o início da deriva dos Kinks rumo a uma sonoridade mais árida.
Atendendo a tal temática, "Lola" assenta como uma luva no reportório das Raincoats, talvez a banda feminina mais desafiadora em matéria de "questões do género" surgidas no Reino Unido post-punk, facção que engloba ainda The Slits, Delta 5, ou Au Pairs. Na sua formação de sempre contam com Gina Birch e a portuguesa emigrada Ana da Silva, ambas com papel fulcral e activista na afirmação do papel da mulher no rock. Com uma pop fracturada, e deliberadamente amadora, por oposição ao virtuosismo do original, fazem desta uma versão estranha, autenticamente desconstruída na cadência atípica dos ritmos. Nas entrelinhas, ainda que mais dissimulada que na música das suas comadres, as Raincoats deixam entrever alguma influência da música jamaicana, algo muito em voga à data, desde que John Lydon e os seus PiL confessaram a adoração pelo reggae e pelo dub. Como curiosidade refira-se que esta interpretação das Raincoats aproveita a letra da versão single dos Kinks, na qual "cherry cola" substitui o "Coca-Cola" da versão do álbum, manobra fundamental ao airplay radiofónico atendendo ao veto da BBC relativamente às referências a marcas comerciais.
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