"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Classe de 2013


À semelhança de anos anteriores, o ano que hoje termina, foi parco em discos marcantes, daqueles que vamos ouvir com quase igual assiduidade e idêntico entusiasmo no espaço de uma década. Neste particular, diria até, que foi um ano bastante pobre. E foi também um ano de desilusões, de gente que não conseguiu manter em álbum o nível que os pequenos formatos prometiam (olá Savages! olá King Krule!). Mas, por outro lado, foi recheado de discos com relativo interesse, portanto, bastante equilibrado em matéria de edições. Foi este o factor que dificultou a escolha dos álbuns preferidos dos ano, e que levou a que, de modo a criar injustiças irremediáveis, a lista do ano corrente seja aumentada em dez exemplares, dos trinta para os quarenta. É uma lista que reflecte os resultados variáveis dos vários regressos improváveis (mas desejados), num ano pródigo em finais de longos exílios. É também a mais ecléctica de todas as listas de fim de ano aqui publicadas, muito por culpa da crescente inspiração do mundo "electrónico", mas também do vigor da nova soul, ou até da renovação do hip-hop, depois de anos de estagnação. Senão, vejamos:

40 ÁLBUNS















  1. MAVIS STAPLES - One True Vine
  2. DEAN BLUNT - The Redeemer
  3. JULIA HOLTER - Loud City Song
  4. TIM HECKER - Virgins
  5. MIKAL CRONIN - MCII
  6. PARQUET COURTS - Light Up Gold
  7. THESE NEW PURITANS - Field Of Reeds
  8. PREFAB SPROUT - Crimson/Red
  9. MY BLOODY VALENTINE - m b v
  10. DEERHUNTER - Monomania
  11. BOARDS OF CANADA - Tomorrow's Harvest
  12. EDWYN COLLINS - Understated
  13. EARL SWEATSHIRT - Doris
  14. THE PASTELS - Slow Summits
  15. CHARLES BRADLEY - Victim Of Love
  16. ICEAGE - You're Nothing
  17. GROUPER - The Man Who Died In His Boat
  18. HOOKWORMS - Pearl Mystic
  19. SPEEDY ORTIZ - Major Arcana
  20. FOREST SWORDS - Engravings
  21. GRANT HART - The Argument
  22. SCOTT AND CHARLEN'S WEDDING - Any Port In A Storm
  23. SUPERCHUNK - I Hate Music
  24. JOANNA GRUESOME - Weird Sister
  25. THROWING MUSES - Purgatory/Paradise
  26. BROADCAST - Berberian Sound Studio
  27. RHYE - Woman
  28. WAXAHATCHEE - Cerulean Salt
  29. FAT WHITE FAMILY - Champagne Holocaust
  30. THEE OH SEES - Floating Coffin
  31. JULIAN COPE - Revolutionary Suicide
  32. PUBLIC SERVICE BROADCASTING - Inform - Educate - Entertain
  33. WIRE - Change Become Us
  34. DIRTY BEACHES - Drifters/Love Is The Devil
  35. PRIMAL SCREAM - More Light
  36. MERCHANDISE - Totale Nite
  37. MAZZY STAR - Season Of Your Day
  38. SCOUT NIBLETT - It´s Up To Emma
  39. VERONICA FALLS - Waiting For Something To Happen
  40. SEBADOH - Defend Yourself


10 SINGLES / EPs / MINI-ÁLBUNS















  1. DEAN WAREHAM - Emancipated Hearts
  2. THE CHILLS - Molten Gold
  3. BURIAL - Rival Dealer
  4. PARQUET COURTS - Tally All The Things That You Broke
  5. DEAN BLUNT - Stone Island
  6. KIDS ON A CRIME SPREE - Creep The Creeps
  7. INGA COPELAND - Don't Look Back, That's Not Where You're Going
  8. BEST COAST - Fade Away
  9. GIRLS NAMES - The Next Life
  10. ALEX CALDER - Time


10 REEDIÇÕES / COMPILAÇÕES















  1. SONGS: OHIA - The Magnolia Electric Co.
  2. BOBBY WOMACK - Everything's Gonna Be Alright: The American Singles 1967-76
  3. SHUGGIE OTIS - Inspiration Information / Wings Of Love
  4. THE THREE O'CLOCK - The Hidden World Revealed
  5. HONEY LTD. - The Complete LHI Recordings
  6. SEEFEEL - Quique
  7. TOY LOVE - Toy Love
  8. LEE FIELDS - Let's Talk It Over
  9. TEARS FOR FEARS - The Hurting
  10. THE BEATLES - On Air - Live At The BBC Volume 2


15 CONCERTOS
















  1. MY BLOODY VALENTINE @ Primavera Sound, Barcelona/Porto - 25 Mai./01 Jun.
  2. BLUR @ Primavera Sound, Barcelona/Porto - 24/31 Mai.
  3. JULIA HOLTER @ Galeria Zé dos Bois Lisboa, 23 Jul.
  4. BULT TO SPILL @ Lux Frágil - Lisboa, 04 Set.
  5. SCOUT NIBLETT @ Teatro Maria Matos Lisboa, 09 Out.
  6. BOB MOULD @ Primavera Sound - Barcelona, 23 Mai.
  7. PARQUET COURTS @ Primavera Sound - Barcelona, 22 Mai.
  8. DEAN BLUNT @ Teatro Maria Matos Lisboa, 05 Nov.
  9. DEERHUNTER @ Primavera Sound - Barcelona, 25 Mai.
  10. COME @ Primavera Sound - Barcelona, 26 Mai.
  11. PIXIES @ Coliseu dos Recreios - Lisboa, 09 Nov.
  12. LOS PLANETAS @ Primavera Sound - Porto, 01 Jun.
  13. DINOSAUR JR. @ Primavera Sound - Porto, 01 Jun.
  14. METZ @ Primavera Sound - Porto, 01 Jun.
  15. SAVAGES @ Primavera Sound - Porto, 01 Jun.


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

You are not alone!














É prática comum nos meandros da electrónica o anonimato, e até um certo culto do mistério. No que aos anos recentes diz respeito, poucos criadores terão suscitado maior curiosidade quanto à sua identidade quanto o artista que escolheu o nom de guerre Burial. O motivo primeiro foi um estrondoso álbum homónimo lançado em 2006, que propunha texturas densas e sugestões de isolamento em cenário pós-dubstep. O culto em seu redor aumentou com o ainda superior Untrue (2007), um disco de uma relativa maior humanidade, mais ainda assim de um distanciamento condizente com a postura adoptada pelo seu criador. Ambos estes trabalhos levaram a especulações quanto à verdadeira identidade da figura que lhes estava por detrás, trazendo à baila vários nomes "consagrados", até ser revelado o enigma: Burial era o ilustre desconhecido William Bevan, músico de tenra idade a usufruir em pleno das recentes possibilidades e facilidades da gravação e divulgação caseiras. De então para cá não houve notícia de qualquer novo álbum, mas os EPs têm-se sucedido a bom ritmo, revelando significativas evoluções na sonoridade, mas mantendo o elevado nível qualitativo.

Neste final de 2013, Burial brinda-nos com Rival Dealer, seguramente o seu trabalho mais luminoso e, consequentemente, o mais afastado do sufoco dos primeiros registos. Em comum com Untrue tem o abuso das samplagens de vozes femininas, mas os pontos de contacto ficam-se por aí. Sobre Rival Dealer diria até ser um trabalho arejado, no qual o autor sai do casulo para o mundo exterior sem receios de coexistir com a restante humanidade. A título de exemplo oiça-se o tema-título, um dos dois cuja duração ultrapassa os dez minutos, que é uma verdadeira celebração dançante. Nas palavras do autor, é uma homenagem aos ravers de outros tempos, que a idade de Burial não permitiu conhecer de perto, mas cuja música deixou profundas marcas na sua obra. Substancialmente mais curto, "Hider" segue-se para refrear o frenesim. Por último, e novamente para além da barreira dos dez minutos, "Come Down To Us" constitui a surpresa maior, ao revelar até uma faceta calorosa que desconhecíamos em Burial. Alegadamente, este tema, em ritmo lento e com diversas paragens e recomeços, é solidário com os jovens vítimas da discriminação e do bullying, aos quais uma voz feminina se dirige várias vezes com um encorajador "You are not alone". Simbolicamente, este superlativo tema cuja viciação faz parecer curto, assinala também a aproximação de Burial aos comuns mortais, pondo fim ao isolamento auto-imposto, e acrescentado mais um maravilhoso capítulo a uma discografia ímpar, que ameaça ainda surpreender até os mais prevenidos.

Come Down to Us by Burial on Grooveshark
[Hyperdub, 2013]

sábado, 28 de dezembro de 2013

Mil imagens #45


Ainda sob o efeito da quadra...

Kurt Cobain & Kim Deal - Seattle, 1993
[Foto: Steve Gullick]

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Ao vivo #114















Adrian Utley's Guitar Orchestra @ Teatro Maria Matos, 18/12/2013

Das diferentes tendências da chamada música erudita contemporânea, nenhuma outra se terá imiscuído tanto nos meandros pop/rock quanto a do minimalismo. Tanto Philip Glass como Steve Reich, ou até Michael Nyman, já estiveram, de uma forma ou de outra, próximos das vertentes mais populares da música. Porém, o trabalho de Terry Riley é o mais frequentemente citado e apropriado neste universo menos académico. Em particular a obra-prima In C, de uma permissividade que permite a interpretação por colectivos de número de músicos variável e com qualquer instrumento. A composição consiste num conjunto de 53 frases musicais curtas, susceptíveis de alguma arbitrariedade na ordem e no tempo, o que pode resultar em durações totalmente díspares.

Apesar das inúmeras formas em que já foi interpretada, uma apresentação de In C por um ensemble de guitarras eléctricas é, no mínimo, tentador para o público menos conservador. É essa a proposta já tentada em disco por Adrian Utley, numa faceta completamente diferente daquela que lhe conhecemos dos Portishead, e agora trazida ao Maria Matos num conjunto com catorze guitarras, três teclados e um clarinete baixo. Entre os músicos participantes, e como já vem sendo hábito neste tipo de ocasiões, há diversos locais. Para além de relativamente insólita, a iniciativa tem a particularidade de levar ao extremo a liberdade interpretativa que In C permite, já que desta feita a duração de meia hora da gravação original de 1964 é estendida ao triplo daquele tempo. Obviamente, só com muito boa vontade e movidos pela curiosidade poderemos desfrutar destes 90 minutos com um nível de envolvimento permanente. Na verdade, a intensidade imprimida pelos músicos é bastante oscilante, chegando na parte intermédia a uma estagnação que parece não indicar saída. Porém, ela existe, e é seguida na recta final num crescendo de entrosamento dos músicos, proporcionando um final perto do apoteótico. Neste estado inebriado facilmente perdoamos a deriva algo inconsequente da meia hora anterior que, há falta de melhor proveito, serviu para desfazer aquele cliché de que o minimalismo mais não é do que repetição ad infinitum.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Feridas abertas













Sem se conseguir explicar bem o porquê, desde cedo o nome dos Swervedriver foi associado à vaga shoegazer da alvorada de noventas. É quase certo que esta arrumação desajustada da sonoridade da banda fique a dever-se à sua ligação à Creation Records, editora por excelência da "coisa", a mesma dos Ride e dos Slowdive. No entanto, por contraste com a música contemplativa destes, os londrinos eram adeptos do espalhafato, da adrenalina e da sujidade, com uma proposta que ia beber directamente numa América selvagem de estradas poeirentas. As referências tanto podiam ser as do rock mais rebelde de uma vintena de anos antes, como as mais recentes expressões sónicas do indie-rock ianque. Foi sob estas regras que editaram Raise (1991) e Mezcal Head (1993), dois óptimos álbuns que fizeram frente à brigada de guitarras desalinhadas que chegava do outro lado do Atlântico. Até à dissolução, em 1998, haveria ainda tempo para mais um par de registos, menos inspirados e algo desenquadrados das sonoridades plácidas que entretanto dominavam o gosto do público consumidor de música.

Uma década volvida desde o fim, os Swervedriver deixaram-se contagiar pelo síndroma da nostalgia e regressaram ao activo. Desde então, têm pisado os palcos com a assiduidade permitida pela carreira a solo do vocalista Adam Franklin. Só neste que é o ano de todos os regressos aos discos, e com uma agenda de concertos progressivamente mais preenchida, se decidiram a presentear-nos com música nova. O álbum está prometido para o ano que vem, mas já roda por aí um aperitivo que antes apenas estava disponível na edição limitada em vinil colorido, destinada à venda nos concertos. Este novo tema é já um indício de que, no futuro álbum, poderemos contar com todas as marcas identitárias dos Swervedriver, isto é, espirais de guitarras distorcidas, nível de decibéis perto do vermelho, e um mergulho na imagética da América rebelde. Quase aposto que o título seja uma referência à primeira encarnação dos Dinosaur Jr., em jeito de homenagem à banda que mais os terá influenciado na vontade subversiva de fazer as guitarras soar bem alto, precisamente numa altura em que a esmagadora maioria da Inglaterra indie ainda andava deslumbrada com os sonoridades jangly pós-Smiths.

 
"Deep Wound" [TYM, 2013]

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Singles Bar #90








MAZZY STAR
Fade Into You
[Columbia, 1994]




Uma década completa passada desde o apogeu do chamado Paisley Underground, David Roback conheceu finalmente o reconhecimento público que há muito lhe escapava. Antes, tinha já militado nos Rain Parade e nos Opal, para além da curta aventura à frente dos Rainy Day, sempre em prol da revisitação do psicadelismo de sessentas. Com os Mazzy Star, que nasceram meio por acaso da dissolução dos Opal, não se alteravam aquelas premissas. Aqui dividia protagonismo com a cantora Hope Sandoval, com a qual andou a pregar aos peixes com um excelente mas negligenciado álbum de estreia, percorrido por temas em lume brando de uma secura quase árida.

Quando, três anos volvidos, foi editado So Tonight That I Might See tudo levava a crer que teria a mesma sorte que o antecessor. Foi preciso esperar um ano, até ao lançamento em formato single de "Fade Into You", para que os Mazzy Star se tornassem uma das referências da América "alternativa" de noventas. Não sendo propriamente o tema mais representativo da sonoridade da banda, teve na sua beleza absurdamente melancólica o isco para cativar diferentes públicos e, eventualmente, tornar-se a sua canção definitiva. Com uma raiz folk mais notória que no anterior trabalho da banda californiana, e com uma produção acetinada por oposição à aridez de outrora, "Fade Into You" é um tema no qual a beleza aparente rapidamente se transforma em assombração perturbante. Numa postura de total abandono, qual fantasma, Hope Sandoval dá sinais de estar estar à beira do abismo. Em toada lenta, diria mesmo de uma preguiça gritante, a guitarra de Roback injecta doses de sedativos, conferindo ao tema algo de narcótico, elemento habitualmente presente na música dos Mazzy Star. É, portanto, tema sugestivo de derivas com vagar por estradas poeirentas de uma América perdida, habitada por outsiders, tal como o respectivo vídeo promocional faz questão de ilustrar. A ponte com psicadelia e a contra-cultura dos sixties torna-se mais evidente com a inclusão de "Five String Serenade", versão de um tema obscuro dos Love, no lado B do single. Se no original esta é uma das canções mais pomposas da autoria de Arthur Lee, fica nesta versão reduzida à mais elementar simplicidade, com guitarra acústica, um ténue violoncelo, e a voz falsamente ingénua da musa Sandoval prestes a desvanecer-se.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

I love the smell of napalm in the morning















Apenas será novidade para os mais desatentos ou para os duros de ouvido que o universo da electrónica e territórios adjacentes vive um período de fulgor criativo. Não me refiro à variante dançável da coisa, que após o apogeu de finais de oitentas a inícios de noventas jamais conheceu outro ponto alto. Refiro-me, isso sim, ao nicho de estetas sonoros, nos quais o canadiano Tim Hecker assume um papel de destaque que já não é de hoje. Com uma carreira discográfica iniciada há uma dúzia de anos, tem seguido um percurso no sentido do afastamento da electrónica tout court. Progressivamente, tem-se revelado um obreiro de densas paisagens sonoras, que empregam uma panóplia considerável de instrumentos. O termo ambient surge-lhe inúmeras vezes associado, mas pecará sempre por defeito na definição da sua obra.

É neste ponto que o encontramos no recente Virgins, já o sétimo álbum em nome próprio, para além das diversas colaborações avulsas. Demarcando-se do anterior Ravedeath, 1972 (2011), que se baseava em manipulações de órgão e piano, é um trabalho mais vasto no recurso à matéria prima. Assim, na densidade das texturas, distinguem-se apontamentos de guitarra, piano, sopros, uma variante do cravo (virginal, em inglês, daí o nome do álbum), sons da natureza, e mais um rol de instrumentos de câmara, com um resultado que estabelece paralelos com as escolas drone e minimalista. Sob a manipulação de Tim Hecker, Virgins é um disco no qual mergulhamos de cabeça, levados pelo nosso fascínio pelo lado negro. A matéria prima foi captada na Islândia, juntamente com músicos do colectivo Bedroom Community, ao qual também pertencem, entre outros, Valgeir Sigurdsson, Nico Muhly, ou Ben Frost. Durante a audição, é quase impossível não estabelecer paralelismos com a obra daquele último - o australiano que buscou refúgio na Islândia e inspiração na violência da natureza daquelas paragens -, em particular com By The Throat (2009). Porém, há diferenças notórias entre ambos, já que Frost nos fustiga incessantemente com sugestões grotescas, enquanto Hecker afrouxa progressivamente o negrume, deixando entrever raios de luz a penetrar na terra queimada. No fundo, e sem qualquer recurso às palavras, mas com um forte poder sugestivo, é o equivalente ao fascinante romance The Road, de Cormac McCarthy, que após um desfile de horrores e dramas avassaladores, remata numa nova alvorada de esperança. Oiçam-no bem alto, de preferência com headphones, tal como hoje experimentei logo após o despertar, e depois digam coisas...

 
"Virginal II" [Kranky / Paper Bag, 2013]

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O jogo das diferenças #24


THE WANNADIES
Bagsy Me
[Snap, 1997]

PRIMAL SCREAM
Country Girl (single)
[Columbia, 2006]

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

So far away

















Foto: Kate Prior

Os tempos não estão para se arriscar apostas. Se ainda há pouco a prova do segundo álbum era um duro teste que poucos superavam, agora já são muitas as bandas que, após a promessa inicial, se espalham logo no primeiro. Como tal, a rubrica dedicada neste pasquim às novas bandas pode considerar-se um rotundo fracasso. Alegra-me, no entanto, que depois de muito tiro ao lado haja excepções, como foi a do caso dos britânicos Hookworms, que "lancei" aqui. Na altura tinham no currículo um EP imbuído do espírito dos mestres da música expansiva da mente, num espectro que vai dos Velvet Underground ao NEU!, passando pelos Hawkwind. A banda cultivava - e ainda cultiva - também um certo mistério, ao ponto de os seus elementos manterem um certo anonimato, já que oficialmente se identificam apenas pelas iniciais.

A confirmação de tão bons prenúncios acontece com Pearl Mystic, um álbum avassalador lançado nos primeiros meses deste ano mas só recentemente alvo de uma distribuição condigna. Neste, os Hookworms prosseguem os mesmos intentos, se bem que aquelas referências surjam mais pela evocação do filtro dos excelsos manipuladores do drone e do noise de finais de oitentas, como os Spacemen 3 ou os Loop. Quando o quinteto de Leeds investe numa dosagem excessiva de anestesia, também não é descabido lembrar os primeiros Verve. Assim, escrito, nada que os diferencie de milhentas bandas regurgitadoras do passado. Porém, se a maioria da concorrência se limita ao decalque de tiques e truques, em Pearl Mystic absorvem-se e reconhecem-se ensinamentos, mas baralha-se tudo como surpreendentemente novo numa dinâmica entre o espectral e a fúria sónica, às vezes em convivência no mesmo tema. Sem ter propriamente um fio condutor, o disco funciona como um todo, com os três curtos interlúdios como peças de ligação, tanto uma espécie de esvaziamento da tensão de um tema, como crescendo para o seguinte. A peça fulcral, que em certa medida resume Pearl Mystic é o fulgurante épico de abertura (mais abaixo), que nos seus quase nove minutos, incluindo um intro que invoca algo de primal, alterna momentos planantes com berraria projectada pelos ecos da reverberação. Neste última característica exprime-se a afeição (assumida) dos Hookworms pelo hardcore norte-americano, traço distintivo da sonoridade banda como o era nos então mui promissores Crystal Antlers. Tal como desalinho do órgão omnipresente, tela que suporta as mil cores da paleta de sons e confere alguma sujidade "garageira" ao disco.

"Away/Towards" [Gringo / Weird World, 2013]

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Discos pe(r)didos #76









THE HOUSE OF LOVE
Babe Rainbow
[Fontana, 1992]




De entre as bandas que se perfilaram para ocupar o lugar deixado vago pelos The Smiths, aquela deverá ter estado mais perto de o conseguir foram os londrinos The House of Love. Nascida em seio indie, a banda tinha ímpetos de grandiosidade, algo que correspondeu com um reconhecimento crescente junto de uma fatia de público também em crescendo. Protagonizaram, inclusive, uma transferência da Creation Records, que lhes editou o álbum de estreia, para o terreno das multinacionais, confirmando Alan McGee, o patrão daquela independente, como o "olheiro" mais astuto da época. Com um segundo longa-duração a merecer considerável aceitação pública e crítica, tudo parecia correr de feição, até que os atritos internos levaram à expulsão de Terry Bickers, o guitarrista prodígio e com o vocalista e letrista Guy Chadwick co-responsável pela composição. Para agravar o cenário, a seriedade dramática de que faziam gala começava a dar lugar nas preferências dos melómanos ao hedonismo da Madchester.

Disposto a um novo fôlego, Chadwick recrutou o guitarrista Simon Walker e tentou provar a si mesmo e ao mundo que havia vida nos House of Love para além de Bickers, entretanto ocupado com os Levitation. O clima era adverso, pois numa época em que uma breve saída de cena poderia significar a perda do momentum, as tendências pop/rock de guitarras eram dominados pelas facções shoegaze e grunge. Como consequência, Babe Rainbow não logrou a receptividade dos antecessores, algo de imerecido pois é um disco à altura daqueles, não só aprimorando a fórmula, como indicando novas pistas. Em "You Don't Understand", o tema de abertura, nota-se uma vontade de expandir o som, já que este é um galope rock com o estádio dos U2 logo ali ao lado. É exemplo isolado no alinhamento, mas indício de ambições de algo maior. O romantismo exacerbado, entre o confessional e o épico, marca registada da banda, domina o disco. Do lote destacam-se "Crush Me", "Cruel" e "Feel", seguidores da tendência dos House of Love para títulos curtos. O primeiro introduz um balanço rítmico que em certa medida é novidade; o segundo, com elementos arabizantes, tem uma letra de certo teor erótico, algo habitual ou não fosse o nome da banda inspirado no título de um romance de Anaïs Nin; enquanto o último é um lamento devastador de solidão. Porém, os pontos altos de Babe Rainbow residem nos momentos de maior intimismo, como acontece na placidez acústica de "Fade Away", na combustão lenta de "Burn Down The World", ou na melancolia lisérgica do soberbo "Girl With The Loneliest Eyes", este com um delicado crepitar de guitarra que anestesia os sentidos.

Pese embora o relativo insucesso de Babe Rainbow, este teria sido um digníssimo canto do cisne, não tivesse a teimosia de Guy Chadwick insistido num quarto álbum medonho, já sem Walker, também expulso. Feitas as pazes com Terry Bickers, em 2005, uma dúzia de anos depois do fim, a dupla criativa reagrupou-se e lançou um álbum que, de forma alguma, limpou a imagem daquela despedida. A redenção ocorreu já no decorrer deste ano, com um disco honroso que, infelizmente, parece ter escapado aos radares das modas.

Crush Me by The House of Love on Grooveshark

Feel by The House of Love on Grooveshark

Girl With the Loneliest Eyes by The House of Love on Grooveshark

sábado, 7 de dezembro de 2013

Família disfuncional















No Reino Unido parece estar a reviver-se aquele espírito de bandas que existem como comunas. Longe vão os tempos da militância do post-punk, dos Scritti Politti ou dos Gang of Four, mas o convívio permanente dos músicos, com constante troca de ideias e sensibilidades, tem dado alguns bons resultados. Não se pode falar ainda de uma tendência, mas alguns casos recentes levam-me a opinar que, a partir desta opção de vida de algumas bandas, a tão propalada moribunda "cena" britânica está, afinal, de bem melhor saúde que a produção formatada que tem chegado das Américas. Sendo certo, porém, que tal não se reflicta em número de vendas, se é que ainda se vende música.

Um bom exemplo, que cumpre os requisitos mencionados na primeira linha, são os londrinos Fat White Family, responsáveis por um objecto estranho intitulado Champagne Holocaust, datado já dos primeiros meses deste ano mas de edição física bastante recente. Nos onze temas que o compõem, subvertem qualquer noção que possamos ter da regras da canção pop/rock. Mark E. Smith é uma referência assumida, mas talvez apenas naquele sarcasmo, seco e alienado, que é propriedade exclusiva dos britânicos. Em Champagne Holocaust pega-se em estilhaços de country e western spaghetti, em clichés rock'n'roll e restos de bluegrass, mistura-se tudo com algum intervencionismo de esquerda, alteram-se ritmos, adulteram-se estereótipos, e o resultado é algo positivamente marado dos cornos. Paira a sombra de Captain Beefheart, tange-se o mundo maravilhoso criado pelos Clinic há quase década e meia, e evoca-se a frontalidade de eminências post-punk como The Gun Club ou The Birthday Party, mas qualquer comparação pecará sempre por defeito para descrever tão insólito cocktail. Escusado será relembrar aquela frase atribuída a Pessoa sobre certo refrigerante caramelizado...

"Cream Of The Young" [Trashmouth, 2013]

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Fancy a shag?
















O trio feminino The Shaggs faz parte daquele estrito grupo de obscuridades da pop cujo insucesso comercial em vida não reflecte o carinho dispensado pelas gerações vindouras. O grupo, constituído por três irmãs, nasceu por iniciativa do pai Austin Wiggin, cuja premonição antevia uma carreira de sucesso. Tal não sucederia, pois a inépcia vocal e instrumental do trio não renderia a Philosophy Of The World (1969), o único álbum que deixaram gravado, mais que umas escassas centenas de vendas. Com o fracasso, a banda limitaria a actividade nos anos seguintes a concertos avulsos no New Hampshire natal, até à extinção em 1975, coincidente com a morte do mentor. Entretanto, as suas canções dissonantes já tinham caído no goto de outros subversivos (voluntários) da normalidade como Captain Beefheart ou Frank Zappa, chegando este último a catalogar as The Shaggs como "better than The Beatles". O elogio dever-se-ia, certamente, à sua ingenuidade pop que resultava em estranheza, a mesma que nas décadas seguintes faria a delícia de mais gente que privilegiava a pureza à técnica: de R. Stevie Moore a Daniel Johnston, de Jad Fair a Kurt Cobain.

Recentemente, quase quatro décadas depois do finamento, os mais atentos foram surpreendidos por um regresso insólito, não do trio completo, mas de Dot Wiggin, a guitarrista/vocalista e principal compositora. Caso se duvide do que uma sexagenária com ar de dona-de-casa reformada possa ter ainda para acrescentar, oiça-se o novíssimo álbum Ready! Get! Go!, concebido na companhia de acólitos com carreira em bandas como Shudder to Think, The Left Bank, The Monks, ou Elysian Fields, entre outras. Claro está que esta Dot Wiggin Band tem qualidades de execução que as The Shaggs não tinham, mas nem por isso o espírito original da coisa é subvertido. Assim, para estar ao nível da líder, as vozes de acompanhamento não dispensam a desafinação. Quanto à música destas canções tolas, ainda deriva entre um proto-indie de travo punky e melodias de uma ingenuidade alarmante, com pontos de contacto com os Velvet Underground caso estes fossem liderados por Mo Tucker. Certo de que Ready! Get! Go! não impressionará esta geração capaz de produções ultra sofisticadas sem sair do quarto, gostava de deixar registado que, em 2013, ainda haja gente com coragem de preservar a pureza que a pop tem de mais genuína.

 
"Banana Bike" [Alternative Tentacles, 2013]

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Nigga Wit Attitudes
















Consciente de que não abundem desse lado os adeptos do hip hop, suponho que muitos já terão travado conhecimento com o colectivo Odd Future. Se não, certamente conhecerão Frank Ocean, ou eventualmente Tyler The Creator, ambos integrantes deste numeroso combo de princípios semelhantes aos dos lendários Wu-Tang Clan. Se o primeiro é hoje uma estrela neo soul, e o último uma figura omnipresente no meio, aquele que mais impressionou nos primórdios dos Odd Future foi Earl Sweatshirt, na altura com uns 15 ou 16 anos, mas exímio enquanto MC e com "rimas" que nos fazem estremecer com a tortuosidade da mente desta juventude. Em 2010 lançou EARL, uma curta mixtape com relatos ficcionados, mas na primeira pessoa, de homicídio, violação, ou até canibalismo, que causou choque e louvores em idênticas proporções. Quem não esteve pelos ajustes foi a mãe de Earl, uma activista que, preocupada com os pensamentos desviantes do rebento, o recambiou para um campo de recuperação de jovens problemáticos em Samoa.

Agora com 19 anos, de regresso a Los Angeles, Earl Sweatshirt está também de regresso aos discos com Doris, o primeiro álbum propriamente dito. Ouvido de fio a pavio, leva-nos a pensar que, se relativamente domado no discurso depois do tratamento nas antípodas, o autor não demonstra ainda particular simpatia pela sociedade. Mais que nas palavras, com uso recorrente da n word e demonstrações avulsas de misantropia, Doris é impressionante na alienação expressa nas atmosferas, densas, quase sufocantes. As batidas podem ser secas, mesmo esqueléticas, ou opulentas, que o clima não alivia a sua tensão opressiva. Apesar da idade, Earl apresenta-se como alguém conhecedor do legado hip hop e, como tal, as técnicas hesitam entre a old skool e as produções mais modernaças. É precisamente na produção, com um número talvez excessivo de intervenientes (RZA, Tyler the Creator, Frank Ocean, The Neptunes, entre outros), que reside o pequeno senão de Doris, beliscado na sua homogeneidade. Vista a coisa pelo lado positivo, os diferentes ingredientes adicionados por cada um reforçam o cariz esquizofrénico deste clássico instantâneo do hip hop contemporâneo.

 
"Hive" feat. Vince Staples & Casey Veggies [Tan Cressida / Columbia, 2013]

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

What Katie did















Foto: Ryan Russell

Apesar de jovem, bastante jovem mesmo, Katie Crutchfield é aquilo que poderemos considerar uma veterana no universo indie norte-americano. Sempre na companhia da irmã gémea Allison, vocalista e guitarrista dos Swearin', tem passado por bandas desde a adolescência, a mais visível de todas os engraçaditos p.s. eliot. A sua carreira ganhou novos contornos desde que se apresentou como Waxahatchee. Foi com esta nomenclatura que se tornou conhecida de uma pequena minoria, graças a American Weekend (2012), um pequeno segredo em registo acústico de baixa fidelidade com um intimismo alarmante.

Com o mais recente Cerulean Salt ocorreram mudanças, tanto nos processos como no índice de visibilidade daí resultante. Desde logo porque este segundo disco, ainda que de vincado cunho pessoal, foi registado com a colaboração de elementos emprestados da banda da irmã. A electricidade entra em cena, e em certos casos Katie aborda a distorção ao jeito em voga em meados de noventas. Contudo, as canções retêm o mesmo cariz confessional algo torturado. Nelas, pressentem-se ecos tanto o intimismo delicado de um Elliott Smith como o descarnado de uma Cat Power de outras eras, bem como as marotices de uma Liz Phair ou de uns Helium. Aparentemente, será justo dizer que Cerulean Dream não acrescenta um ponto à história recente da pop, facção indie, dos states. Porém, é de justiça que se reconheça a Katie Crutchfield a capacidade de expressar os dramas e as angústias, os dilemas e os medos da entrada na idade adulta em canções de uma sinceridade quase imaculada que já rareia.

 
"Coast To Coast" [Don Giovanni, 2013]