Apenas será novidade para os mais desatentos ou para os duros de ouvido que o universo da electrónica e territórios adjacentes vive um período de fulgor criativo. Não me refiro à variante dançável da coisa, que após o apogeu de finais de oitentas a inícios de noventas jamais conheceu outro ponto alto. Refiro-me, isso sim, ao nicho de estetas sonoros, nos quais o canadiano Tim Hecker assume um papel de destaque que já não é de hoje. Com uma carreira discográfica iniciada há uma dúzia de anos, tem seguido um percurso no sentido do afastamento da electrónica tout court. Progressivamente, tem-se revelado um obreiro de densas paisagens sonoras, que empregam uma panóplia considerável de instrumentos. O termo ambient surge-lhe inúmeras vezes associado, mas pecará sempre por defeito na definição da sua obra.
É neste ponto que o encontramos no recente Virgins, já o sétimo álbum em nome próprio, para além das diversas colaborações avulsas. Demarcando-se do anterior Ravedeath, 1972 (2011), que se baseava em manipulações de órgão e piano, é um trabalho mais vasto no recurso à matéria prima. Assim, na densidade das texturas, distinguem-se apontamentos de guitarra, piano, sopros, uma variante do cravo (virginal, em inglês, daí o nome do álbum), sons da natureza, e mais um rol de instrumentos de câmara, com um resultado que estabelece paralelos com as escolas drone e minimalista. Sob a manipulação de Tim Hecker, Virgins é um disco no qual mergulhamos de cabeça, levados pelo nosso fascínio pelo lado negro. A matéria prima foi captada na Islândia, juntamente com músicos do colectivo Bedroom Community, ao qual também pertencem, entre outros, Valgeir Sigurdsson, Nico Muhly, ou Ben Frost. Durante a audição, é quase impossível não estabelecer paralelismos com a obra daquele último - o australiano que buscou refúgio na Islândia e inspiração na violência da natureza daquelas paragens -, em particular com By The Throat (2009). Porém, há diferenças notórias entre ambos, já que Frost nos fustiga incessantemente com sugestões grotescas, enquanto Hecker afrouxa progressivamente o negrume, deixando entrever raios de luz a penetrar na terra queimada. No fundo, e sem qualquer recurso às palavras, mas com um forte poder sugestivo, é o equivalente ao fascinante romance The Road, de Cormac McCarthy, que após um desfile de horrores e dramas avassaladores, remata numa nova alvorada de esperança. Oiçam-no bem alto, de preferência com headphones, tal como hoje experimentei logo após o despertar, e depois digam coisas...
"Virginal II" [Kranky / Paper Bag, 2013]
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