Consta que, ainda adolescente, Kathleen Hanna percebeu que seria de luta o seu estatuto de mulher na sociedade. Na vida adulta, a amizade com Kurt Cobain seria apenas um faît divers caso não tivesse sido ela a dar origem ao título do tema que mudaria para sempre a face da música popular. No entanto, o seu maior legado musical são as Bikini Kill, banda integralmente feminina que fundou em 1990. A importância do quarteto nascido na fervilhante "cena" do noroeste americano extravasa as fronteiras da própria música, sendo determinantes ao nível comportamental, na atitude a partir daí assumida por inúmeras rock girls num universo tendencialmente machista. Inspirada pela figura tutelar de uma Joan Jett, pelo espírito de independência de um Calvin Johnson, e pela postura interventiva de uns Fugazi, Hanna esteve na origem do movimento que ficou conhecido como riot grrrl. A partir do aparecimento das Bikini Kill, e dos seus concertos de confronto aos clichés do establishment macho, é infindável o rol de bandas de tendência feminista, atitude punky, e discurso vitriólico a reconheceram-lhe a influência e, sobretudo, o encorajamento: dos Huggy Bear aos Gossip, das Sleater-Kinney às Pussy Riot.
Logo após o fim das Bikini Kill, em 1997, Kathleen Hanna fundou as Le Tigre. Nesta nova aventura, manteve o tom politizado nas letras mas flectiu na linguagem musical. Agora, a proposta era substancialmente mais dançável, com ligação directa à tendência funk do período pós-punk. Talvez inadvertidamente, Hanna acabaria uma vez mais por estar à frente de algo e ser seguida por um rebanho nas opções, nomeadamente o sem número de revivalistas post-punk que na década passada surgiram como cogumelos. Actualmente, mais contida, integra uma banda mista, mais ainda maioritariamente feminina: The Julie Ruin. O nome deriva de o único álbum a solo, no curto hiato entre as duas bandas anteriores, e a sonoridade, embora mais próxima das convenções pop/rock, não esquece tanto o reboliço das Bikini Kill, como o apelo dançante das Le Tigre. Aqui e ali, a voz ainda é irrequieta, e o discurso, embora mais refinado, não perdeu a contundência.
Obviamente que uma figura com semelhante trajecto tem de suscitar forte admiração em certos sectores femininos, ou até mesmo idolatria. Que o diga a realizadora Sini Anderson, autora do recente documentário The Punk Singer, inteiramente dedicado a Kathleen Hanna. Para o dito, foram recolhidos depoimentos do marido Adam Horovitz (Beastie Boys) e de inúmeras companheiras de armas, entre elas Corin Tucker e Carrie Brownstein (Sleater-Kinney), Joan Jett, e Kim Gordon (Sonic Youth). Já com algumas semanas de rodagem lá fora, o filme tem sido apontado como excessivamente reverente à sua figura central, mas também extremamente revelador até para os mais versados na vida e obra de Hanna. Independentemente do que se diz, gostaríamos de o ver por cá, pois não é todos os dias que figuraças apenas ao nível underground merecem tamanhas mordomias.
[IFC Films, 2013]
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