ORANGE JUICE
Felicity
[Polydor, 1982]
Pode parecer exagero, mas é praticamente indesmentível que os Orange Juice tenham estado na base de toda a excelente produção musical oriunda da Escócia desde a sua curta existência. Até diria mais: a eles pertence o mérito pela definição das regras da canção indie-pop, tal como a coisa era entendida na década de oitentas. Foram os principais pioneiros de toda uma tendência arredada das tabelas de vendas, contando com aliados como os conterrâneos Aztec Camera e Josef K. Na demanda da pureza e da perenidade pop em era dada a "futurismos" rapidamente datados, todas estas bandas contaram com a alto patrocínio de Alan Horne, fundador da lendária Postcard Records. A ideia por detrás da editora de Glasgow, baseada no exemplo da Motown, era a de lançar singles perfeitos com o objectivo de se tornar, tal como a fonte de inspiração, uma fábrica de hits. O sucesso era também a meta de Edwyn Collins, vocalista e principal compositor dos Orange Juice, mas cedo percebeu que a Postcard não dispunha dos meios nem da organização para tal.
Escrito pelo guitarrista James Kirk, "Felicity" faz parte do lote de temas originalmente lançados ainda nos tempos da independência, numa versão pouco polida e até algo rude, dadas as parcas condições que Horne tinha para oferecer. Com a ruína da Postcard, e a deslocação dos Orange Juice para uma multinacional, o mesmo tema foi recuperado, regravado em melhores condições e escolhido para single promocional do excelso álbum de estreia You Can't Hide Your Love Forever. Foi apenas um de vários hits menores para a banda, mas paradigmático de uma proposta que se destacava de qualquer tendência vigente à época. Reverentes às suas influências, os Orange Juice conciliavam aqui o inconciliável: por um lado a guitarra desengonçada e chocalhada dos Velvet Underground, por outro o pulsar do ritmo funk dos Chic. Outras músicas negras, nomeadamente a soul, estão patentes no tom grave e na cadência de Edwyn Collins. Na letra, embora não da sua autoria, este exprime um exacerbado romantismo ingénuo, talvez enganador se atentarmos no cinismo latente, imagens de marca da sua própria escrita omnipresentes em toda a obra da banda. Ao largo, uma miríade de bandas tirava e notas e esperava para acontecer, norteada pelos princípios dos Orange Juice. Do vasto rol, só a título de exemplo, destacamos duas que poderiam não ter acontecido tal como as conhecemos, não fossem canções como "Felicity": The Smiths e The Wedding Present. Não será por acaso que estes últimos reconheceram a reverência gravanso a sua própria versão do tema.
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