"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

À solta na rede



















Há coisa de um quarto de século, quando os Public Enemy tomavam de assalto o trono do hip-hop, em jeito de provocação, o então respeitável New Musical Express proclamava-os "a maior banda rock'n'roll do mundo". Não deixava de haver verdade nesta invectiva pois, num cenário rock moribundo, o colectivo nova-iorquino encabeçado por Chuck D personificava, melhor que nenhum outro, o vanguardismo e a rebelião que estavam na essência da coisa. De então para cá, e apesar da crescente viabilidade comercial, à parte uns quantos projectos que estiveram longe de causar o incómodo de consciências dos Public Enemy, no universo hip-hop e zonas limítrofes foram rareando ideias. As massas ainda foram cativadas por algumas fusões com o próprio rock, algo que, apesar do entusiasmo inicial, cedo evidenciou falta de genuinidade.

Era este o estado de coisas até que, há uns escassos dois anos, em Sacramento, Califórnia, surgiram como que vindos do nada os Death Grips, trio que, à falta de melhor descrição, é muitas vezes arrumado na prateleira rap-rock. Este e qualquer outro rótulo serão sempre redutores, assim como as comparações da atitude às primeiras manifestações punk ou ao hardcore de oitentas, tal é a profusão de ideias que brota a cada dez segundos de um tema do trio. A equipa responsável pela massa sonora é composta pela dupla Andy Morin e Zach Hill, este último um reputado baterista que nos habituámos a ver como integrante dos math/noise-rockers Hella, mas também em colaboração com uma miríade de nomes que se movimentam normalmente nas franjas do rock. Porém, a estrela da companhia é Stefan "MC Ride" Burnett, um negro tatuado e com ares de pregador que é responsável por toda a verve revoltosa do projecto. 

Os Death Grips, já se percebeu, são porta-vozes de um certo mal de vivre latente no mundo actual em ebulição, mesmo que muitas vezes não se vislumbre tanto o destinatário como o objecto dos recados de MC Ride. Esta é uma percepção que já vem desde os muitos registos avulsos lançados de forma independente desde os primeiros dias, causadores de um burburinho que os levaria a celebrar contrato com a Epic Records, braço editorial da gigantesca Sony Music, ligação algo inesperada nos tempos que correm tal o cariz incendiário do projecto. Com o anúncio do contrato veio também a promessa do lançamento de dois álbuns no decorrer de 2012, cumprida com The Money Store, editado na primeira metade do ano, e NO LOVE DEEP WEB, lançado no passado mês de Outubro. No primeiro, é surpreendente o tratamento dado pela dupla produtora ao suporte sonoro de origem orgânica, ao ponto de, apesar da dureza e do desafio das palavras, pairarem esboços de algum balanço groovey. No segundo, assiste-se a um recrudescer da radicalidade da proposta, tanto ao nível da música, como das palavras. Enquanto o suporte instrumental ganha algum abstraccionismo, a verve de MC Ride parece agora não apenas revelar-se irada com o mundo em seu redor, como com si mesmo. NO LOVE DEEP WEB é, consequentemente, um álbum substancialmente mais negro que o antecessor. Como se não bastasse, este disco já envolveu alguma celeuma em seu redor, e não apenas por causa da imagem fálica da capa. Tudo porque, na sequência da disponibilização por parte da banda do streaming do álbum, surgiu um diferendo entre esta e editora. Em consequência, os Death Grips acabariam por lançar NO LOVE... a expensas próprias, com a particularidade de ser de download gratuito. Pondo fim ao litígio, a Epic anunciou nos últimos dias a rescisão do contrato. Pelos vistos, houve alguém que não se deu conta que a atitude libertária dos Death Grips não se restringia à música...

"I've Seen Footage" [Epic, 2012]

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