A CERTAIN RATIO
Shack Up
[Factory, 1980]
Talvez por causa do suicide chic de uns, e do sucesso comercial de outros, a história da Factory Records é muitas vezes resumida às carreiras e às conquistas dos Joy Division e dos subsequentes New Order. Porém, se recuarmos até aos primórdios da lendária indie de Manchester, em pleno frenesim post-punk, a variedade do catálogo antevia todo um mundo de possibilidades para o futuro. Por sinal, consta que a banda apoiada mais acerrimamente por Tony Wilson, a face mais visível do triunvirato responsável pelos desígnios da Factory, não eram os Joy Division, mas sim uns tais de A Certain Ratio. Filhos da mesma Manchester da decadência pós-industrial, estes eram um colectivo multirracial pouco dado ao cinzentismo e à frieza emocional, privilegiando antes o factor rítmico inerente a uma acentuada influência funk.
Curiosamente, o tema mais paradigmático dos A Certain Ratio, aquele que em pouco mais de três minutos resume as suas motivações, é uma versão de uma música alheia. Trata-se de "Shack Up", um original de uns tais Banbarra, uma obscuridade disco sound, o que diz bem dos propósitos dançantes dos ACR. Numa releitura transfigurada, muito derivado às vocalizações "zombificadas", há, contudo, a intenção de respeitar a riqueza rítmica do original. Sem o mesmo delírio instrumental, os ACR sublinham as palavras, sendo estas expressão da frieza perante as relações a dois tão típica da época. O convite à dança é propiciado pelo destaque dado à propulsão do baixo, à cadência da percussão, e à exuberância dos sopros, num exemplo bem sucedido da miscigenação de músicas de diferentes pigmentações que fez furor durante o período pós-punk. Pena é que "And Then Again", o tema que preenche o lado b do single, parta de semelhantes princípios para fins diferentes. Numa cadência mais lenta, e com uma pronunciada aura de alienação, este alinha por territórios bastante próximos de alguns contemporâneos dos ACR, estes mais dados a estados de alma doridos.
Sem comentários:
Enviar um comentário