"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Incentivo à pirataria




















Foto: Rebecca Miller

Em 2008 chegaram de mansinho e arrebataram um dos mais entusiasmantes discos desse ano. Falo-vos dos Pete and the Pirates, uma das bandas que nos faz acreditar que ainda há futuro para a música popular Made in Britain. Aliás, eles e mais umas quantas ligadas à excelsa Stolen Recordings. Antes do fulgurante Little Death, com o projecto Tap Tap, já o líder Thomas Sanders nos tinha dado mostras desta pop oblíqua que não se submete a tendências dominantes. Imbuída de um profundo sentimento de englishness, a música dos P&TP é crua e vagamente melancólica, mas também com a dose certa de exaltação e ternura. Algo para o qual o periódico The Observer encontrou a síntese quase perfeita. Passo a citar: "at their best, Pete and the Pirates sound like The Undertones stumbling into English psychedelia".
Deixando para trás esse passado não muito distante, e olhando para um futuro próximo, há boas novas de um segundo álbum dos P&TP algures no decorrer do próximo ano. Não esquecendo a sua falange de devotos, sequiosos por novas canções, o quinteto de Reading disponibilizou um EP de quatro faixas em versão demo. Como a audição deste Precious Tones permite aferir, é bom saber que a efervescência da música dos P&TP permanece intocada. Melhor ainda, é saber que o dito se encontra disponível para download, legal e gratuito, aqui. Caso estejam reticentes em aceitar a prenda, ou já tenham perdido o hábito de praticar actos lícitos, podem sempre optar pela pré-escuta:


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Singles Bar #54







STEREOLAB
Super-Electric
[Too Pure, 1991]





No presente, quando o nome Stereolab vem à baila, ocorre-nos logo uma sonoridade pop de travo clássico, com laivos de easy-listening e de chanson française. Quase já esquecemos que, nos primórdios, a banda do casal Tim Gane e Lætitia Sadier subsequente à morte dos saudosos McCarthy militava na facção rock. Não será por acaso que, juntamente com a reciclagem kraut dos Th' Faith Healers e a aridez rock de PJ Harvey, tiveram primeira exposição com selo da Too Pure, uma editora com uma proposta ousada, claramente divergente da América grunge e do Reino Unido dividido entre o shoegaze e o último fôlego baggy. No caso dos Stereolab, há claras afinidades com os primeiros, desde logo pela pulsão teutónica da bateria e pela linha minimalista dos teclados analógicos. Nos temas desses primeiros tempos, como é caso de "Super-Electric", há uma clara prevalência das guitarras carregadas de fuzz. Embora seguindo uma sobriedade que deixa antever a posterior evolução da banda, há por aqui uma carga rítmica, bem patente nas linhas de baixo,  que se perdeu com o passar do tempo. Na voz, angelical e alheada, há ainda resquícios do movimento twee-pop contemporâneo dos McCarthy. Autêntico objecto cinético, "Super-Electric" foi na altura merecedor do primeiro vídeo - perfeitamente adequado - com a marca Stereolab. Ei-lo, apresentado pela dupla Gane-Sadier:

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

First Exposure #21
















TENNIS


Formação: Alaina Moore (voz, tcls); Patrick Riley (gtr)
Origem: Denver, Colorado [US]
Género(s): Indie-Pop, Twee-Pop, Dream-Pop, Surf-Pop
Influências / Referências: Dum Dum Girls, Camera Obscura, Best Coast, Beach House, Kisses

http://www.myspace.com/tennisinc

domingo, 24 de outubro de 2010

De volta ao circo
















Foto: Timothy Mahoney

"Scarce sounded like all those parts of R.E.M. and Bowie that no one is supposed to like. Scarce had such passion and self-belief it hurts." - Everett True, in Live Through This (American Rock Music In The Nineties)

Em meados da década de 1990, quando o underground norte-americano emergiu à superfície mainstream, os Scarce perfilavam-se como candidatos sérios a "dar o salto". Contudo, a fortuna nada quis com a banda, dividida entre as prolíferas "cenas" de Providence e Boston. Em 1996, logo após a recepção calorosa no Reino Unido ao único álbum até à data (DeadSexy, de 1995), o vocalista/guitarrista Chick Graning sofreu um aneurisma cerebral que o deixou em estado de coma e com escassas hipóteses de sobrevivência. Milagrosamente sobreviveu, reaprendeu a cantar, a andar, e a tocar guitarra, permitindo a continuação da carreira dos Scarce até 1997. Nesta fase, consciente e frustrado com a perda da oportunidade única, o trio decidiu pôr um ponto final. Já neste século, enquanto recolhia material para um livro sobre a carreira da banda, a baixista Joyce Raskin reatou o contacto com Graning. Daí à reunião foi um passo e, discretamente, os Scarce estão de novo activos desde 2008. A julgar pela quantidade de acontecimentos em torno da banda nos próximos tempos, com algum optimismo eventualmente exacerbado, sou levado a pensar que o infortúnio do passado poderá em breve ser compensado. Para os próximos meses está prevista a edição do EP No One Likes You, seguida da respectiva tournée promocional pelo Reino Unido. Pela mesma altura, estreará o documentário com a história da banda Days Like These, da autoria da realizadora Sally Irvine. Já disponível está The Fall And Rise Of Circus Boy Blue, o mais recente livro ficcional, embora baseado nas experiências pessoais de Joyce Raskin. Como banda sonora de acompanhamento à leitura, os Scarce disponibilizaram cinco novos temas gratuitamente "descarregáveis" a partir daqui. Abaixo exibe-se um exemplo, sintomático de uma tendência tipicamente americana para a escrita de canções intemporais, talvez porque avessas a modas. O vídeo correspondente, exemplarmente captado, vem insuflado do mais elementar espírito rock'n'roll. Creio que fará as delícias dos adeptos dos citados R.E.M. de outras eras, mas também, se os houver por aí, dos contemporâneos The Hold Steady.

"Stupid In A Cup" [digital file, 2010]

Good cover versions #44












LOW _ "Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me" [Chairkickers', 2001]
[Original: The Smiths (1987)]



Os norte-americanos Low são um daqueles raros casos de bandas sem pudores de assumir as suas influências. Deles são conhecidas as participações em tributos tanto aos Joy Division como dos Spacemen 3, percursores dos ambientes pesados que os Low transmitem na sua música. Menos óbvia, a não ser pela melancolia subjacente, parece ser a influência dos britânicos The Smiths. Para traduzir essa ligação aparentemente ténue, os Low apostaram acertadamente na revisão "Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me", um tema de progressão lenta que assenta bem no dramatismo em superslow-motion característico do trio do Minnesota. Amada por uma grande maioria dos adeptos dos Smiths, curiosamente, "Last Night..." está no lote de temas do mítico quarteto de Manchester que menos aprecio. Pese embora o habitual excelente trabalho do guitarrista Johnny Marr, o original é sintomático de um miserabilismo demasiado óbvio que, a meu ver, não está entre as virtudes da escrita de Morrissey, alguém que admiro sobretudo na sua mordacidade irónico-ambígua. Posto isto, afirmo sem qualquer tipo de pruridos, tal como o vocalista Alan Sparhawk quando disse que depois disto já nada era sagrado, preferir a versão dos Low, carregada de eco e de instrumentação esparsa, mas surpreendetemente mais arejada que o original. A toada é igualmente lenta, a voz de um tom quase cerimonial, mas a "abertura" no refrão, com a entrada em cena da secção de cordas, confere a esta versão uma luminosidade ausente do original.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

R.I.P.


ARI UP
[1962-2010]

Arianna Forster morreu ontem, aos 48 anos, após doença prolongada. Na história da música popular fica conhecida como Ari Up, a agitadora que, com apenas 14 anos, fundou a seminal banda feminina The Slits, pioneira do casamento do punk com o reggae e outras sonoridades da Jamaica e influência indelével em toda a música de expressão feminina militante desde então.
Nascida na Alemanha no seio de uma família endinheirada, foi já no Reino Unido exposta ao submundo punk ainda no seu germinar, desde que a mãe, já com reputação e amizades nos meios musicais, casou com John Lydon, o Johnny Rotten dos Sex Pistols. Para além do pioneirismo musical, que encontrou aliados no tribalismo do Pop Group, as Slits ficam também lembradas pelas prestações exuberantes, sobretudo de Ari, do discurso fortemente politizado, e da afirmação de um feminismo sem preconceitos até aí pouco visto no universo rock. É já histórica a capa do primeiro álbum, na qual a banda surge semi-nua e coberta de lama.
Tive oportunidade de ver as Slits na última edição do Primavera Sound, onde pude constatar um aprofundar da influência jamaicana na sua música, talvez resultado da longa estadia de Ari naquele país das Caraíbas. Vinham para promover Trapped Animal, o único longa-duração de uma reunião que já levava cinco anos.

The Slits "Typical Girls" [Island, 1979]

Mil imagens #10

Kurt Cobain - Springfield, 1993
[Foto: Steve Gullick]

Voltamos hoje ao trabalho do britânico Steve Gullick, tido por estes bandas como o melhor fotógrafo rock da actualidade, aquele que um dia confessou que a sua vida mudou na hora em que viu os Mudhoney em palco pela primeira vez. Talvez por isso, em inícios de 1991, Everett True o tenha convidado a rumar a Seattle, onde este se encontrava para dar cobertura do fervilhar musical daquela cidade, na eminência de mudar irreversivelmente o rumo da música rock. Gullick ficou pelo noroeste norte-americano até à morte de Kurt Cobain, e o consequente fim dos Nirvana, banda que justamente adjectiva como uma das melhores de sempre. Da estreita ligação que estabeleceu com os Nirvana, e que permitiu a captação de imagens de relaxamento pré-palco como este, saiu uma vasto trabalho que, de certa forma, ajudou a compor a imagem de Cobain que passou para os media e destes para o público. Dos boatos, das intrigas, das histórias forjadas, e de mitos, Gullick diz não querer saber. Afirma preferir guardar a memória de Kurt Cobain como um ávido consumidor de música, um músico excepcional e, sobretudo, um tipo porreiraço. Da sessão que gerou a imagem acima, diz nunca lhe ter sido paga e que isso pouco ou nada o aborrece.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Discos pe(r)didos #45













DOLLY MIXTURE
Demonstration Tapes [Dead Good Dolly Platters, 1983 / Royal Mint, 1995]

Quando pensamos que o passado já nada tem para nos revelar, a "arqueologia pop" revela-nos as descobertas mais agradáveis. Nesta actividade incessante, esbarrei recentemente com o trio feminino Dolly Mixture, uma banda inglesa surgida em finais da década de 1970 que destoava das tendências da época com uma proposta pop refrescante, algures na hipotética intersecção das Shangri-Las com os Undertones. O grande feito a atribuir-lhes é terem antecipado em alguns anos o chamado twee-pop que ganhou asas no Reino Unido pós-C86. Quer isto dizer que, dos Talulah Gosh aos Belle & Sebastian, passando por uma boa parte dos catálogos da K Records e da Slumberland, há um extenso rol de bandas em dívida para com as Dolly Mixture. 
Desde cedo tiveram o apoio incondicional do "santo patrono" John Peel e o apadrinhamento de camaradas como Paul Weller, Gang of Four e The Damned, o que levou as editoras a acenar com contratos. Levou a melhor a Chrysalis, mas a ligação com a multinacional não durou mais que um single (uma versão de "Baby It's You", das Shirelles). Após mais um trio de pequenos formatos gravados e editados com o apoio dos amigos, e como forma de dar vazão a todo um manancial de canções, o trio auto-editou  em formato de LP duplo um conjunto de 27 temas sob o titulo genérico Demonstration Tapes, numa edição limitada a 100 exemplares, numerados e autenticamente autografados, que mimetiza o White Album dos Beatles. Uma dúzia de anos mais tarde, Bob Stanley, mentor dos Saint Etienne e entusiasta da Dolly Mixture (a vocalista Debsey Wykes é desde há muito habitual colaboradora dos SE), possibilitou que este pequeno tesouro fosse resgatado ao esquecimento ao viabilizar uma reedição em CD.
Como se prevê, pelas pelas precárias condições de gravação, Demonstration Tapes não prima pelo polimento requerido pelos audiófilos mais exigentes. Tem até temas que parecem apenas esboços de canções ainda à procura da forma final. É nestes exemplares de formato artesanal que as Dolly Mixture, apesar do cerne pop, se assemelham a uma versão light das Raincoats, obviamente supridas da neurose destas. Por vezes há também deriva para uma estridência que antecipa aquilo que os Shop Assistants desenvolveriam a posteriori. Porém, no extenso rol de escolhas, destacam-se as canções em que as Dolly Mixture, em toada pastoral tão tipicamente britânica quanto o doce que lhes dá nome, a partir de um escasso naipe de acordes, eregem pequenos monumentos de pop no seu estado mais puro e ingénuo, ainda não subvertida por artificialismos. Nestas ocasiões, falam de dias de sol e namoricos inconsequentes, sugerem campos relvados e outras paisagens campestres. É neste particular que as Dolly Mixture envergonham metade da actual Suécia, país onde os putos ricos e mimados fingem a recusa em crescer com uma versão twee-pop de plástico.
Aos eventuais curiosos nesta banda que, segundo reza a lenda, teve um dia as honras de abertura  de um concerto a cargo de certa e determinada irlandesa, sugiro que tentem deitar mão à recente reedição, uma réplica da original limitada a 300 exemplares. Caso as vossas tentativas saiam frustradas, a alternativa é o também recente boxset Everything And More, que inclui a totalidade da obra e ainda um porradão de gravações inéditas.


"Will He Kiss Me Tonight"


"How Come You're Such A Hit With The Boys, Jane?"


"Grass Is Greener"

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Em escuta #52











LES SAVY FAV _ Root For Ruin [Frenchkiss, 2010]

Há bandas que ziguezagueiam ao sabor das correntes. E há outras que, com pequenas nuances, seguem fiéis aos seus princípios. É este o caso dos Les Savy Fav, situados naquela zona nebulosa onde a angularidade post-punk encontra a frontalidade post-hardcore. O que quer dizer que o novo Root For Ruin é mais um melting pot surpreendentemente pacífico de caos e ritmo. Se em palco o frontman e entertainer Tim Harrington chama a si todo o protagonismo com as performances indescritíveis e irrepetíveis, em disco os LSF são uma democracia, com os restantes membros a oferecerem o groove que castiga o corpo. Sucede que, desta feita, a receita parece tão polida que ofusca a saudável insanidade de outros, e melhores tempos. [7]


THE DELTA MIRROR _ Machines That Listen [Lefse, 2010]

À falta de outras virtudes, o disco de estreia desta banda californiana guia-se por um estranho conceito: cada uma das nove faixas tem como cenário uma diferente sala de um hospital. Se já estão a estabelecer paralelismos com o último dos superlativos The Antlers desenganem-se - faltam aos Delta Mirror canções e "sentido de guião" para ombrear com aqueles. Machines... quer ser dramático e grandiloquente, mas não passa de uma sucessão de demonstrações de um frieza poseur e de um miserabilismo caricatural. Quando não envereda pela via tendencialmente mais electrónica de algum nu-gaze descartável, evoca levemente a memória da austeridade que nos encantou nos Interpol dos primórdios, embora envolta numa artificialidade robótica. Com as crónicas que dão conta do eminente revivalismo dark-wave, avento a hipótese de haver por aqui um potencial objecto de culto. A ver vamos... [4]


WOMEN _ Public Strain [Jagjaguwar, 2010]

Se na estreia homónima os canadianos Women separavam as águas entre rugosidade noisy e pureza pop de travo psicadélico, agora têm a coragem e a destreza para combinar esses elementos à partida antagónicos no mesma tema. Novamente sob a batuta de Chad VanGaalen, Public Strain é um disco que se revela com vagar, à medida que a cortina de nevoeiro se dissipa e revela as melodias catchy no meio do caos e as sabotagens experimentalistas no meio da harmonia. A produção inteligente envolve cada tema numa reverberação vintage que, sem outras referências, nega a possibilidade de os situar temporalmente, algo que no universo pop-rock se mostra tarefa cada vez mais árdua. [8]


FILM SCHOOL _ Fission [Hi-Speed Soul, 2010]

Primeiramente revelados como adeptos de uma nebulosidade idílica filiada nas correntes shoegazing, os californianos Film School expandem agora a paleta sonora para territórios mais coloridos e apelativos às massas. Embora os Stereolab de outras eras ainda espreitem a cada esquina, e os ambientes lisérgicos ainda encontrem lugar nos temas com voz feminina, Fission deixa-se levar para um híbrido aparentado de muitos sub-produtos habitualmente designados de neo-post-punk. Com a primazia dos teclados e das baterias electrónicas, há por aqui material de trabalho para remisturadores capazes de subtrair algumas sombras e fazer de uma mão cheia de temas potenciais acepipes para serões dançantes. Muito pouco para quem, de uma penada, quer soar a New Order, Bloc Party e... Temper Trap...  [6]


SUPERCHUNK _ Majesty Shredding [Merge, 2010]

Nove anos volvidos desde o último longa-duração, aquela fome de juventude que o par de EPs recentes tinham agudizado é finalmente saciada. Os anos passam, as tendências também, e para os Superchunk é sempre o Verão dos nossos dezoito anos. Mas quem é que quer crescer quando tem para se oferecer um bem urdido conjunto de temas do habitual punk-power-pop povoado por guitarras rasgadinhas e whoa-oh-ohs a surgirem como cogumelos depois das primeiras chuvas de Outono? Do alto dos seus quarenta e tais, e com aquela voz de puto reguila, Mac McCaughan parece debater-se com a problemática da preservação da pureza juvenil à medida que os anos avançam. A atestar por este pequeno tratado da escrita de canções, arrisco a dizer que, no caso, a idade é apenas uma questão de pormenor. [8,5]

domingo, 17 de outubro de 2010

First Exposure #20

















WEED HOUNDS

Formação: Laura Catalano (voz, gtr); Nicholas Rice (gtr); Patrick Stankard (bx); Keith Pilson (btr)
Origem: Nova Iorque [US]
Género(s): Indie-Pop, Noise-Pop, Fuzz-Pop
Influências / Referências: Black Tambourine, Velocity Girl, My Bloody Valentine, Shop Assistants, Vivian Girls, The Pains of Being Pure at Heart


Perto dos deuses

















Quase três anos volvidos desde o desequilibrado Do You Like Rock Music? que, talvez pela partilha de produtor, ostentava vários exemplares da previsibilidade épica de uns Arcade Fire, os British Sea Power parecem apostados em retomar o trilho como um das mais peculiares e especiais propostas musicais surgidas no Reino Unido do novo século. As primeiras semanas do próximo ano prometem novo álbum, mas já lhes podemos tomar o pulso pelo costumeiro EP de preparação das hostes. Pelo menos na sua edição em CD, o novíssimo Zeus atira-se para uns generosos e invulgares 43 minutos de duração, pelo que, falar em EP é apenas fazer a vontade a banda e editora. Designações de formatos à parte, o que interessa é que, em toda a sua extensão, Zeus dá o tempo dos amantes da pop mais desafiante como bem empregue. O tema-título, a pedir a catalogação art-pop, é um longo jogo de inflexões com batidas marciais, guitarras ora em cascata, ora em fúria, e uma letra inevitavelmente ambígua com as habituais referências históricas. "Cleaning Out The Rooms", "Bear" e o extra "Retreat" são as semi-baladas progressivas e inevitavelmente nostálgicas que mais ninguém faz como os BSP. Prenhe de descargas eléctricas e com uma vocalização granulosa e ensandecida, "Can We Do It" faz-nos recuar até aos números mais descarnados dos primórdios da banda. "Pardon My Friends" é um curto trecho planante de fragilidade aparente. A grande surpresa fica a cargo "kW-h", com a voz vocoderizada, os riffs desconexos, e a bateria ribombante, a atirarem a coisa para os meandros do puro devaneio que os Super Furry Animals tão bem conhecem
O mais ecléctico de todos os trabalhos da banda, Zeus é também a evidência de uns BSP conscientes da sua valia para poderem correr grandes riscos sem que isso implique perda de sobriedade. Mesmo tendo em conta que, a espaços, fique a sensação que a mente dos quatro músicos vagueia muitos quilómetros acima da superfície habitada pelos comuns terrenos.


"Zeus (edit)" [Rough Trade, 2010]

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Singles Bar #53







HELIUM
Pat's Trick
[Matador, 1994]





Recuando até à primeira metade da década de 1990, e centrando-nos exclusivamente no emergente indie-rock norte-americano, vêm-nos à memória um rol imenso de miúdas estilosas integradas em bandas maioritariamente masculinas. Quase todas elas tinham a particularidade de tocar baixo (o instrumento) e algumas ficaram até famosas (vide a dupla Kim & Kim). Não era nem foi caso de Mary Timony, que tocava guitarra e liderava a "sua" banda, e que nunca foi além de um culto restrito. Talvez porque o mundo pós-grunge não estivesse receptivo à pop fracturada dos Helium, uma banda que a esta distância parece ter surgido muito à frente do seu tempo. No par de álbuns que deixaram gravados, ficou impressa uma tendência para canções de estrutura complexa e, por isso, pouco assimiláveis pelas massas, algo que Timony já tinha experimentado na curta vida das Autoclave, um raro quarteto feminino no "machista" mundo math-rock
Sem cair no facilitismo, algures entre a falsa ingenuidade dos/das Breeders, e o som lodoso dos primordiais Dinosaur Jr., "Pat's Trick" é o único exemplo dos Helium próximos das sonoridades mais catalogáveis como pop. Talvez por isso o tema tenha merecido relativo airplay em programas da especialidade de canais de grande audiência, algo que fez augurar um futuro risonho para o trio onde também figurava Ash Bowie (dos Polvo), parceiro amoroso desta nossa heroína. Feminista militante, Timony canta com ar de menina a letra que, na sua ambiguidade, esconde as mais negras perversões. No suposto refrão, quando as guitarras entram em delírio,  nos oh-oh-ohs e nos ooooos, assume-se como gata assanhada capaz de intimidar uma tal de Kimberley Ann Deal.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Mais doçura / Menos sangue
















Ano morno, este que decorre, pelo menos no que concerne a revelações e/ou surpresas musicais. Já no que toca a regressos de bandas que raramente nos deixam ficar mal, os três primeiros trimestres de 2010 têm-se revelado relativamente proveitosos, pelo menos no espectro power-pop. Sem perder de vista o fim da hibernação dos aparentados Superchunk, o ano corrente já valeu por mais um assomo de genialidade dos escoceses Teenage Fanclub, e agora fica também marcado pelo regresso dos congéneres norte-americanos The Posies, a tal banda de Seattle que, em inícios de noventas ousou escapar às sonoridades então conotadas com aquela cidade. Talvez por isso, tudo na sua carreira tenha acontecido com alguma discrição, talvez demasiada tendo em conta o jeito que a dupla Ken Stringfellow e Jon Auer leva para urdir gemas pop que resistem, como poucas, à voragem do tempo. Tal como a meia dúzia de antecessores, o novo Blood/Candy chega de mansinho, às escondidas dos hipsters do nosso tempo, mas ainda à altura dos pergaminhos do seus criadores. Liberta, pelos piores motivos, dos afazeres com os Big Star, a parelha de cantores/compositores optou desta feita por preencher a totalidade do disco com composições conjuntas, em detrimento da habitual fórmula de mistura destas com criações individuais. Daí resultam uma dúzia de canções já sem a efervescência juvenil dos clássicos Dear 23 (1990) e Frosting On The Beater (1993), mas com o lustro e a dose de sacarina bastantes, sobretudo ao nível das harmonias vocais magnificamente acasaladas com as melodias à guitarra de um classicissismo formal. Na inevitável comparação com os já citados TFC, poderemos dizer que os The Posies já deixam transparecer o peso da idade sem que, no entanto, tendam para uma introspecção tão profunda como a daqueles. No imediato, os mais familiarizados com a banda estranharão uma  tentativa de fuga à filiação, antes bem notória, dos Big Star. No entanto, Springfellow e Auer continuam apostados em explorar o filão da época dourada da pop, agora com maior incidência na de origem inglesa (The Beatles, The Kinks). Para tal, contam com as vozes convidadas de Hugh Cornwell (The Stranglers), Lisa Lobsinger (Broken Social Scene), e Kay Hanley (Letters to Cleo). Esta última dá um ar da sua graça no tema que serviu de avanço a Blood/Candy:


"The Glitter Prize" [Ryko, 2010]
 

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

10 anos é muito tempo #24








THE TWILIGHT SINGERS
Twilight As Played By The Twilight Singers
[Columbia, 2000]




Hoje uma banda de corpo inteiro, os Twilght Singers foram primeiramente o projecto muito pessoal de Greg Dulli, o escape na superação do fim inglório dos Afghan Whigs. Nesta fase, Dulli abre mão da rudeza rock da banda anterior e, corajoso, cede em definitivo ao acetinado da soul, algo que já aflorava por entre o turbilhão de guitarras nos Whighs. Nesta missão de risco elevado contou com a algo inesperada co-produção dos Fila Brazillia, nome intimamente ligado às linguagens dançantes e às artes da remistura. O trabalho da dupla britânica nota-se não só na introdução das batidas sincopadas nos temas mais ritmados, como na criação de texturas mais atmosféricas, sobretudo na parte intermédia de Twilight. Nas vozes, Dulli socorre-se da apoio dos velhos amigos Harold "Happy" Chichester, membro "honorário" dos Whigs, e o enigmático Shawn Smith, músico de Seattle com os Brad, os Satchel, e os Pigeonhed no currículo. O primeiro oferece um timbre caloroso, enquanto Smith é reconhecido pelo falsetto exuberante, ambos contraponto ao tom granuloso, mas agora contido, de Greg Dulli. Em "Clyde", um dos pontos altos de Twilight, os três criam um jogo de contrastes paradoxalmente harmonioso. Num disco que se caracteriza pela coesão, a valer pelo todo, merecem igualmente destaque "The Twilite Kid" e "Twilight", estrategicamente colocados no início e no fim do disco, como que a sugerir uma obra conceptual. Os conceitos, sabem-no os conhecedores da escrita dulliana, são os mesmos de sempre: morte, desejo, culpa e redenção. Lá para meio, Twilight ganha uma densidade atmosférica, quase bucólica. É nesta ponto que encontramos o atípico "Verti-Marte", tema no qual o afamado misógino Greg Dulli dá o protagonismo ao sexo feminino. Elas expressam-se através de vinhetas que sugerem amores em crise, com a língua francesa a conferir uma dose de charme e os exuberantes oowah-oowahs (masculinos) carregados de líbido. O efeito provocado é quase cinemático. Cinema negro, pois claro.
Com uma serenidade que esconde histórias com finais pouco felizes, Twilight flui elegantemente com as suas diferentes roupagens estéticas, revelando-se extremamente apropriado para os horários crespusculares que o título sugere. Na formação do meu gosto musical está entre as primeiras obras que despertaram um interesse pela soul que não pára de crescer de dia para dia.


"The Twilite Kid"


"Clyde"


"Verti-Marte"

domingo, 10 de outubro de 2010

R.I.P.


SOLOMON BURKE
[1940-2010]

A esta hora desconhecem-se ainda as causas da morte de Solomon Burke, hoje, acabado de aterrar em Amsterdão, cidade onde tinha um concerto agendado para a próxima terça-feira. Nos setenta anos de uma vida intensa, Burke tornou-se uma lenda da soul, não enjeitando alguns flirts com os blues, o R&B, a country e o rock'n'roll. Este carácter diletante valeu-lhe, inclusive, o epíteto de The King of Rock & Soul. Nascido no berço soul de Filadélfia, foi também pregador católico e pioneiro na apropriação de elementos gospel por parte da soul. Recentemente, foi revitalizado junto das novas gerações com o excelso Don´t Give Up On Me (2002), álbum em que interpretou inéditos de uma galeria de notáveis que inclui Brian Wilson, Tom Waits, Van Morrison e Elvis Costello.

"None Of Us Are Free" [Fat Possum, 2002]

sábado, 9 de outubro de 2010

Pop que arde sem se ver










A biografia dos Jaill diz-nos que, até há pouco, tinham menos um ll no nome de baptismo. Diz-nos também que já andam nisto há tempo suficiente para desistirem de uma fórmula psych-pop que não os levou a lado nenhum. No ano passado, com o álbum There's No Sky (Oh My My), deixaram cair tal prefixo, enveredando por uma via deliciosamente e viciosamente POP na qual as guitarras são lei. Aquele registo valeu-lhes a atenção da prestigiada Sub Pop, a editora pela qual agora se estreiam com That's How We Burn, uma das escassas boas surpresas musicais deste ano que já entrou no último trimestre.
O disco abre em grande estilo com o orelhudo "The Stroller", tema que, em pouco mais de três minutinhos, explica aos poseurs que têm reinado em espaços nocturnos que as grandes canções não carecem de refrões cantaroláveis em uníssono, qual celebração neo-hippy, mas antes dos ganchos certos no lugar certo. Segue com "Everyone's Hip" a provar que as memórias post-punk ainda podem gerar algo de mais apelativo que bandas sonoras para exercícios de aeróbica. Por seu turno, "On The Beat" expõe os sisudos The Strokes à alegria jovial de uns Superchunk. Podíamos prosseguir com as comparações dizendo, por exemplo, que os Jaill conseguem dar uma ideia de como soariam os XTC caso tivessem nascido na pacatez midwest do Wisconsin e, portanto, subtraídos da sua marcada englishness. Porém, mais que nunca, tal exercício revelar-se-ia injusto para com a capacidade do quarteto criar canções curtas, directas, melodiosas, e que dispensam qualquer outro artifício que não o sentido pop só ao alcance de estudiosos da cartilha. O futuro não se lhes adivinha mas, para já, os Jaill garantem-nos que em 2010 o Verão vai até 31 de Dezembro.

"The Stroller" [Sub Pop, 2010]

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Ao vivo #57


Faust @ Teatro Maria Matos, 06/10/2010

Antes de mais convém esclarecer que a formação dos Faust que anteontem aterrou no palco do Maria Matos, e que integra os fundadores Werner "Zappi" Diermaier e Jean-Hervé Péron, é aquela que hoje é legitimada como representante da lenda krautrock dos idos de setenta. Sim, porque, paralelamente e sem quaisquer conflitos, Jochen Irmler lidera outro colectivo com a mesma designação. A acompanhar a dupla de históricos, o casal James Johnston (sim, o dos Gallon Drunk) e Geraldine Swayne (manipuladora electrónica e também pintora que teve ocasião de mostrar a sua arte) são o sangue novo que catapulta a radicalidade dos veteranos para níveis pouco vistos por palcos lusos.
Catalogar a música dos Faust simplesmente como krautrock (eles, tal como outros congéneres, sempre rejeitaram tal rótulo) é simplesmente redutor. Quem acorreu ao MM, pôde constatar in loco um dos mais subversivos espectáculos aparentados de rock à face da Terra. Para o caos controlado, a partir de uma matriz rock, convergem linguagens como o free-jazz, o noise desenfreado, a electrónica mais radical, o industrialismo levado à letra pelo recurso a betoneiras, berbequins, lixadoras, e chapas de metal, e um sentido libertário que não se deixa prender a estereótipos estilísticos. Mas um concerto dos Faust é ainda pluridisciplinar. Pelo menos na quarta-feira, a juntar ao desafio desta música revolta, houve ainda demonstrações de pintura e de artes performativas. Jean-Hervé é o mestre de cerimónias. Ele canta, berra, declama panfletos sócio-políticos, provoca, desafia, e ainda manobra as referidas máquinas.  Por complemento, na sua discrição, o imponente Zappi é o barómetro que pauta todo o andamento com a batida de uma precisão maquinal. Neste festim incatalogável, a dupla mais jovem assume um papel que vai muito além do de meros figurantes. Ele, mais na guitarra mas também nos teclados, é o rocker de serviço e o elo a alguma normalidade que nos prende à superfície; ela, mais na manipulação sonora mas também na guitarra, exibe rebelia equiparável à dos mestres. Ao fim de quase duas horas, com direito a dedicatórias pouco ortodoxas a Bob Dylan, sobrevive-se ao confronto com os sentidos saciados em pleno. De tal forma que o  disparatado começo com o declamador Tiago Gomes, misto de Luxúria Canibal (na verborreia) e La Ciccone da fase cowgirl (nos adereços), estava já alojado nas memórias distantes.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Uma segunda juventude

















Nicky Wire, o baixista e principal letrista dos Manic Street Preachers desde o mediatizado desaparecimento de Richey James Edwards, disse um dia que a sua banda era apenas capaz de conceber dois tipos de registos: os discos glam-rock e os discos post-punk. Ora, se o anterior e mui recomendável Journal For Plague Lovers (2009) caía nesta última categoria, é lógico que o novo Postcards From A Young Man enverede pela pompa glam. Podemos então contar com doses massivas de delírios guitarrísticos, mas também com aquele sentimento bigger than life a que os Manics já nos habituaram. Ou seja, Journal... era o sucessor natural do fulgurante The Holy Bible (1994), Postcards... é a sequela possível do platinado Everything Must Go (1996); o disco anterior contava com o artwork de Jenny Saville a sublinhar a neurose, o novo tem Tim Roth na capa (os Manics e o constante flirt com a iconografia da cultura popular...), como que a realçar o espírito de guerrilha letrada que o percorre. Este paralelismo com os dias de glória da banda galesa não é inocente, pois pretende destacar a revitalização do trio que já ninguém esperava, tanto mais que já vão no décimo álbum e, antes do "renascimento" com Journal..., levavam já mais de uma década de estagnação de ideias. Na sua ânsia de grandiosidade, Postcards... não se serve apenas das esperadas secções de cordas - conta também com a novidade dos coros gospel, complemento adequado ao timbre único e hiper-expressivo de James Dean Bradfield. Não faltam também as habituais citações literárias, desta feita a contemplar o recentemente desaparecido JG Ballard. Irados desbocados no passado, por vezes desagradáveis, os Manics já têm amigos notáveis, e Ian McCulloch e John Cale acedem ao convite para dar o seu contributo. No sugestivo vídeo promocional do primeiro single contam com o protagonismo dos talentos emergentes dos actores Michael Sheen e Anna Friel:

"(It's Not War) Just The End Of Love" [Columbia, 2010]

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Good cover versions #43
















WILD NOTHING _ "Cloudbusting" [Captured Tracks, 2010]
[Original: Kate Bush (1985)]



Muita boa gente aí desse lado lembrará com saudade a televisão de oitentas, ainda não rendida à ditadura da publicidade. Durante as inúmeras falhas técnicas, ou no intervalo dos raros jogos de futebol, era comum exibirem-se videoclipes musicais. Como a variedade não abundava, guardo na memória o incontável número de vezes que vi Kate Bush, na pele de um rapazito, empurrando uma geringonça encosta acima. Sei agora que o senhor que a acompanha no referido vídeo é o actor Donald Sutherland. Ele representa o psiquiatra autro-americano Wilhelm Reich, inventor da máquina a que o título de "Cloudbusting" alude, segundo o próprio, um gerador de chuva. A América da caça-às-bruxas, pouco tolerante a tão estranhas experiências, aprisionou Reich, que acabaria por falecer ainda no cárcere. Kate Bush representa o filho Peter, autor da obra A Book Of Dreams, em memória do pai, no qual "Cloudbusting" se inspira. Em traços gerais,  podemos dizer que a canção descreve uma relação especial entre um pai e um filho, bem como o sentimento de uma criança perante a crueldade humana a actuar sobre um ente querido. É um dos temas mais afamados de Bush, e um dos muitos exemplos das suas capacidades vocais. Tanto a exuberância da voz, quanto o ritmo quebrado, remetem para a tradição musical inglesa, capaz de recuar até eras medievais. Como quase sempre em Kate Bush, "Cloudbusting" está carregado de um misticismo tão capaz de gerar paixões assolapadas, como ódios de estimação. Curioso é reparar que esta faceta exótica parece ter estado "fora de moda" durante décadas, mas encontra agora reflexo num sem número de cantoras/compositoras da nova geração.
Proposta significativamente diversa, desde logo pela contenção que roça a tmidez, tem Jack Tatum, o nerdezito seguidor dos princípios DIY que se esconde sob a designação Wild Nothing. Típico produto de gravação caseira, esta releitura de "Cloudbusting" sugere reclusão, sonho, e até ócio, numa cadência próxima da do original mas notoriamente mais lenta. Ao suave torpor e às atmosferas densas, Tatum adiciona uma pitada de mistério que faz a ponte com a canção original.

Se 10 anos é muito tempo, 100 anos é 10 vezes mais


Só porque há efemérides que merecem canções da mesma dimensão. E vídeos também. Assim mesmo, em wide screen.

The Smiths 
"The Queen Is Dead (A Film by Derek Jarman including The Queen is Dead, There Is A Light That Never Goes Out, Panic)"
[Rough Trade, 1986]

"Past the Pub who saps your body
And the church who'll snatch your money
The Queen is dead, boys
And it's so lonely on a limb"

domingo, 3 de outubro de 2010

Boom! Boom, boom, cha!















De génio e de louco Phil Spector tem muito. Hoje mais conhecido pelos pouco dignificantes acontecimentos do passado recente, é injusto não o eleger como uma das figuras cimeiras no panteão da pop. É invenção sua a técnica de gravação que ficou conhecida como wall of sound, algo com tanto de simples como de revolucionário. Para além dos méritos na qualidade de produtor, convém não perder de vista o compositor de talento inato. Das bandas a que fica indelevelmente associado destacam-se as Ronettes, o trio feminino onde pontificava Ronnie Bennett, senhora de atributos que enfeitiçaram o então jovem Phil. Até ao desquite de ambos, foi ele o produtor exclusivo do trio e o co-autor (na companhia de Jeff Barry e Ellie Greenwich) de hits em catadupa. Do rol destaca-se "Be My Baby" (1963), tema que abre com a batida que se transcreve no título deste post e que já pertence ao património da pop. Tudo, talvez, porque em meados de oitentas, dois irmãos escoceses obcecados por Spector se lembraram de a usar na abertura de uma das suas canções mais memoráveis. De então para cá, o boom! boom, boom, cha! é presença numa lista interminável de canções, com especial incidência no espectro indie. A dezena que se segue, apresentada em regime countdown, é uma tentativa de top ten pessoal de canções com essa particularidade. Nesta como noutras ocasiões, a lista não pretende ser definitiva.


10. The Magnetic Fields _ "Candy" [1992]


09. Television Personalities _ "This Angry Silence" [1981]


08. Clinic _ "IPC Subeditors Dictate Our Youth" [1997]


07. Guided by Voices _ "Ha Ha Man" [1996]


06. Veronica Falls _ "Found Love In A Graveyard" [2010]


05. Girls _ "Ghost Mouth" [2009]


04. Rowland S. Howard _ "She Cried" [1999]


03. Camera Obscura _ "Eighties Fan" [2001]


02. The Walker Brothers _ "The Sun Ain't Gonna Shine (Anymore) [1966]


01. The Jesus and Mary Chain _ "Just Like Honey" [1985]

Ao vivo #56


















Nina Nastasia @ Galeria Zé dos Bois, 01/10/2010

Os seguidores mais acérrimos de Steve Albini estranharão o apadrinhamento deste a Nina Nastasia, a cantautora norte-americana (de origem russa) que está nas antípodas estéticas do guru underground. Pela parte que me toca, não vejo tal relação de cumplicidade como inusitada, simplesmente porque ela imprime à sua obra gravada, que já vai na meia dúzia de álbuns, o despojamento que ele promove desde há décadas. Da cantora fechada e porta-voz de um profundo negrume tipicamente feminino, a actual Nina é apenas uma miragem. Como demonstra o recente Outlaster, Nina deixa agora fluir livremente a veia folksy, com canções progressivamente mais despidas mas, paradoxalmente, detentoras de arranjos mais complexos. Obviamente, é este o disco que serve uma boa parte da ementa do concerto da ZdB, pelo que, ficam evidentes não só as premissas já referidas, como o intenso treino que a sua voz agora revela. Capaz de ir do sussurro ao mais expressivo lamento, a voz surge embalada apenas pela guitarra acústica e um violino arranhado de forma pouco convencional. O tratamento técnico que é dado ao microfone tira algum lustro mas, em compensação, liberta um travo vintage que encontra poiso natural nestas canções que, embora mais arejadas que no passado, versam ainda os muitos desencontros amorosos. Nas incursões pelo repertório mais antigo, destaca-se o "velhinho" "In The Graveyard", apenas voz cristalina e violino, mas capaz de deixar a respiração em suspenso.
Contra as minhas previsões, a sala da ZdB não recebeu Nina Nastasia com uma das suas audiências mais numerosas. Em compensação, os presentes comportaram-se de forma raramente ordeira, fazendo por merecer um pouco mais de uma hora de música no seu estado mais puro, intercalada, nos intervalos entre canções, por uma série de tiradas tímidas mas de um fino recorte humorístico.