DOLLY MIXTURE
Demonstration Tapes [Dead Good Dolly Platters, 1983 / Royal Mint, 1995]
Quando pensamos que o passado já nada tem para nos revelar, a "arqueologia pop" revela-nos as descobertas mais agradáveis. Nesta actividade incessante, esbarrei recentemente com o trio feminino Dolly Mixture, uma banda inglesa surgida em finais da década de 1970 que destoava das tendências da época com uma proposta pop refrescante, algures na hipotética intersecção das Shangri-Las com os Undertones. O grande feito a atribuir-lhes é terem antecipado em alguns anos o chamado twee-pop que ganhou asas no Reino Unido pós-C86. Quer isto dizer que, dos Talulah Gosh aos Belle & Sebastian, passando por uma boa parte dos catálogos da K Records e da Slumberland, há um extenso rol de bandas em dívida para com as Dolly Mixture.
Desde cedo tiveram o apoio incondicional do "santo patrono" John Peel e o apadrinhamento de camaradas como Paul Weller, Gang of Four e The Damned, o que levou as editoras a acenar com contratos. Levou a melhor a Chrysalis, mas a ligação com a multinacional não durou mais que um single (uma versão de "Baby It's You", das Shirelles). Após mais um trio de pequenos formatos gravados e editados com o apoio dos amigos, e como forma de dar vazão a todo um manancial de canções, o trio auto-editou em formato de LP duplo um conjunto de 27 temas sob o titulo genérico Demonstration Tapes, numa edição limitada a 100 exemplares, numerados e autenticamente autografados, que mimetiza o White Album dos Beatles. Uma dúzia de anos mais tarde, Bob Stanley, mentor dos Saint Etienne e entusiasta da Dolly Mixture (a vocalista Debsey Wykes é desde há muito habitual colaboradora dos SE), possibilitou que este pequeno tesouro fosse resgatado ao esquecimento ao viabilizar uma reedição em CD.
Como se prevê, pelas pelas precárias condições de gravação, Demonstration Tapes não prima pelo polimento requerido pelos audiófilos mais exigentes. Tem até temas que parecem apenas esboços de canções ainda à procura da forma final. É nestes exemplares de formato artesanal que as Dolly Mixture, apesar do cerne pop, se assemelham a uma versão light das Raincoats, obviamente supridas da neurose destas. Por vezes há também deriva para uma estridência que antecipa aquilo que os Shop Assistants desenvolveriam a posteriori. Porém, no extenso rol de escolhas, destacam-se as canções em que as Dolly Mixture, em toada pastoral tão tipicamente britânica quanto o doce que lhes dá nome, a partir de um escasso naipe de acordes, eregem pequenos monumentos de pop no seu estado mais puro e ingénuo, ainda não subvertida por artificialismos. Nestas ocasiões, falam de dias de sol e namoricos inconsequentes, sugerem campos relvados e outras paisagens campestres. É neste particular que as Dolly Mixture envergonham metade da actual Suécia, país onde os putos ricos e mimados fingem a recusa em crescer com uma versão twee-pop de plástico.
Aos eventuais curiosos nesta banda que, segundo reza a lenda, teve um dia as honras de abertura de um concerto a cargo de certa e determinada irlandesa, sugiro que tentem deitar mão à recente reedição, uma réplica da original limitada a 300 exemplares. Caso as vossas tentativas saiam frustradas, a alternativa é o também recente boxset Everything And More, que inclui a totalidade da obra e ainda um porradão de gravações inéditas.
"Will He Kiss Me Tonight"
"How Come You're Such A Hit With The Boys, Jane?"
"Grass Is Greener"
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