"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

R.I.P.



PETE NAMLOOK
[1960-2012]

Embora só hoje tenha sido tornada pública, já ocorreu no passado dia 8 de Novembro a morte de Pete Namlook, por causas ainda desconhecidas até esta data. Nascido Peter Kuhlmann, este alemão dedicou uma boa parte dos seus quase 52 anos de vida à música electrónica, quer como executante, quer como produtor, ou ainda como patrocinador da obra de outrem. Neste último papel, fundou em 1992 a editora FAX, inicialmente pensada para lançar a sua música, mas que acabou por servir de selo a muitos afiliados e amigos.

Com interesses musicais tão diversos como Chopin ou Miles Davis, Tangerine Dream ou Pink Floyd,  Jobim ou Brian Eno, Namlook produziu uma vasta obra que percorre diferentes sub-géneros da electrónica, pese embora o seu nome seja mais habitualmente associado ao ambient. Estima-se que tenha gravado à volta de 130 discos, quer em solitário, quer em inúmeras parcerias consoante a tendência de cada um deles. Entre os músicos e projectos com quem colaborou listam-se nomes como Atom Heart, Biosphere, Bill Laswell, Klaus Schulze, ou Richie Hawtin. Foi com este último, o anglo-canadiano também conhecido por Plastikman, que gravou um dos seus trabalhos mais consagrados, um tríptico que constitui um marco no ambient e na techno minimalista de noventas.

Future Surfacing (What Lies Ahead) by Pete Namlook & Richie Hawtin on Grooveshark
[FAX, 1995]

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

10 anos é muito tempo #37









THE LIBERTINES
Up The Bracket
[Rough Trade, 2002]




Num fácil exercício de memória, ainda me lembro de a aceitação global dos americanos The Strokes só ter ocorrido, ironicamente, quando os discos da banda começavam a perder o fulgor inicial. O mesmo terá acontecido com os White Stripes, cujo disco do breakthrough, tal como o de estreia dos nova-iorquinos, foi de entusiasmo inicial quase exclusivo no Reino Unido. Quase, porque há sempre espalhados por esse mundo, uns quantos que ouvem a música antes darem a sua reprovação baseada naquele preconceito para com o hype de origem britânica. Daqui se conclui que, em inícios do século presente, os súbditos de Sua Majestade estavam sequiosos da adrenalina deste rock revigorado, e foi neste clima que lançaram para a linha da frente The Libertines, um grupo de amigos londrinos que há anos andava a espalhar as suas trovas rock pelos pubs dessa Inglaterra profunda. Orgulhosos das suas origens, estes intrépidos "bifes" demarcavam-se dos concorrentes ianques pelas suas referências, assentes na tradição musical da casa. Por conseguinte, os Libertines rapidamente se tornaram um símbolo da englishness, filtrando quatro décadas de rock britânico, tal como antes havia sido refinado por bandas como The Smiths, The Jam, ou The Clash.

Não sendo propriamente uma banda de consensos, bem longe disso, é natural que os fiéis de tais vacas sagradas não revejam tais referências no caos libertário dos Libertines. E terão algumas razões para isso, até porque a inspiração mais vincada da banda é bem mais obscura. Falo concretamente dos The Only Ones, outros londrinos cuja música denotava a mesma despreocupação pela perfeição, com o líder Peter Perrett a entoar igualmente tiras do quotidiano com a mesma preguiça vocal de Carl Barât e Pete Doherty, a dupla de vocalistas/guitarristas dos Libertines. Nas palavras do próprio Doherty, Perrett era para si uma espécie de ícone. Infelizmente não o foi apenas na música, mas também em alguns maus hábitos e desventuras que já estão mais que documentados e discutidos e que pouco ou nada têm a ver com a música. No entanto, e voltando às três bandas citadas, são indisfarçáveis os ecos de qualquer delas no meio da sujidade de Up The Bracket, o disco de estreia que catapultou os Libertines para os estatuto de adorados da crítica e (parte) do público britânicos. Logo no inaugural "Vertigo", é indisfarçável a mesma guitarra gingona da qual Johnny Marr muitas vezes fazia uso. Quanto ao balanço misturado com o impulso punky de Paul Weller e seus pares, estão bem patentes no excelente "Boys In The Band", tema que ironiza sobre os clichés do universo rock, à semelhança do que acontece no visceral "The Boy Looked At Johnny". A abrasão dos Clash dos primórdios, portanto antes da deriva para sons de outras paragens, está bem presente nos enérgicos "Time For Heroes" e "I Get Along". Além disso, a produção de Up The Bracket ficou a cargo do ex-Clash Mick Jones que, com experiência e muita paciência, soube domar a indisciplina dos quatro rapazes apenas até ao ponto de não eliminar a subversão, tarefa antes tentada mas não conseguida pelo ex-Suede Bernard Butler.

À parte a capacidade para filtrar referências, elogie-se nos Libertines o talento enquanto compositores da dupla Barât/Doherty, ambos a personificação da libertinagem do verdadeiro espírito rock, embora não reconhecida por todos pois, como já referido, esta é daquelas bandas capazes de gerar amores e ódios em igual medida. Factores para a dúvida em relação à genuidade dos Libertines talvez sejam a aversão ao hype e a uma certa arrogância de alguns, algo que já antes tinha ocorrido com os Oasis. Já que se fala da banda dos irmãos Gallagher, deixem-me lançar-vos a provocação de afirmar que Up The Bracket é o mais importante disco rock de matriz britânica desde Definitely Maybe (o magnífico debute dos Oasis), e talvez o último desde então, se excluirmos a estreia dos Arctic Monkeys. Um par de anos volvidos, e já em desagregação, os Libertines ainda lançaram um digno sucessor, um álbum que funcionou como uma espécie de lamber das feridas para os dois frontmen alegadamente desavindos depois de muitos anos de amizade. E depois implodiram, ainda em plena forma. Querem atitude mais rock que esta?!

Time For Heroes by The Libertines on Grooveshark

Up The Bracket by The Libertines on Grooveshark

I Get Along by The Libertines on Grooveshark

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Sidewalking
















À parte ser hoje um bastião do actual fuzz-pop, tanto nas facções dreamy como noisy, a Slumberland Records tem também desempenhado um papel fulcral na reedição de pequenos tesouros dentro deste espectro da pop ao qual prestam serviço há mais de 20 anos. Por enquanto, e até algo estranhamente, ainda não foi contemplado Everyone Must Touch The Stove (1995), álbum único dos Lorelei, uma das bandas da primeira fornada da editora. Oriundos de Washington D.C., e por isso conterrâneos mas também contemporâneos dos emblemáticos Black Tambourine, os Lorelei cedo divergiram da toada dreamy destes para uma abordagem mais experimentalista. O seu contributo para a história é um disco composto por uma dezena de temas estilhaçados, que lançam algumas pistas para o meio post-rock subsequente, mas que nunca perdem o sentido melódico. De salientar o trabalho do guitarrista Matt Dingee, a espaços familiar com o dos Wedding Present da melhor safra. Não será por acaso que David Gedge consta entre os entusiastas de Everyone Must Touch The Stove.

Talvez pela motivação originada por uma nova vaga fuzz, sabia-se já que as esporádicas reuniões dos Lorelei em palco se tinham tornado mais frequentes. Daí até à gravação de um disco foi um passo, e Enterprising Sidewalks aí está, para mostrar às novas gerações que quem sabe não esquece. Menos rico na variedade de instrumentos (maracas, marimbas, tímpanos, e outros "exotismos") que o distante antecessor, o novo disco assenta basicamente na santíssima-trindade rock. No entanto, os novos temas mantêm intacta a vontade de fugir à previsibilidade, funcionando cada um deles como uma entidade distinta nas suas diferentes ambiências. Ao nível da ruideira, os Lorelei continuam generosos, privilegiando agora a projecção dos sons, criando uma aura vagamente spacey. Portanto, mais que nunca, fazem jus à afirmação de alguém que um dia disse que poderiam ser uma banda do colectivo Elephant 6 que andou a ouvir Bailter Space no lugar de The Beach Boys.


"Hammer Meets Tongs" [Slumberland, 2012]

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Ao vivo #97














Laurel Halo + Tropa Macaca @ MusicBox, 10/11/2012

Aqui há coisa de meio ano, aquando da anterior passagem de Laurel Halo pelo burgo, apontava a esta jovem norte-americana algumas carências ao nível da qualidade vocal. Entretanto, após repetidas audições de Quarantine, o excelente álbum em que faz um maior uso da voz e que acabou por trazer algum arejamento ao soturno catálogo da Hyperdub Records, a estranheza inicial parece ultrapassada. Ainda que assim não fosse, esse pormenor não constituiria senão no concerto do passado sábado, pois neste, apenas em um dos temas a moça nascida Ina Cube se apodera do microfone. No resto, a voz surge apenas samplada pois, desta feita, opta por uma actuação baseada numa "remistura" em directo, ao invés de apresentar os temas próximos das suas versões gravadas. Em regime non-stop, funde a essência do último álbum e do EP que o antecedeu sem, contudo, ocultar traços de reconhecimento. Mais do que mera curiosidade, o espectáculo acaba por revelar uma outra faceta de Halo, diga-se, desempenhada com assinalável destreza. Por seu turno, a sua música, normalmente mais dada ao deleite auditivo em privado, ganha um balanço rítmico que a atira para as pistas de dança menos dadas ao previsível.

Com algum atraso relativamente ao previsto, a abertura da noite coube à dupla portuguesa Tropa Macaca, um casal já com algum currículo nos meandros "exploratórios" da música nacional. Recentemente editaram pela Software Records, selo fundado por Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never) com crescente reputação no meio. E diga-se que o meio dos Tropa Macaca não é o da convencionalidade, algo que fazem questão de deixar claro ao primeiro tema, no qual a guitarra liquifeita próxima de uns Durutti Column encontra oposição nos processamentos electrónicos desconexos. A sensação inicial só pode ser de estranheza, dissipada progressivamente nos temas seguintes, com maior homogeneidade das texturas sonoras, varáveis entre o idílico e a afronta noisy. Ficam do concerto boas impressões para exploração futura.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

À solta na rede



















Há coisa de um quarto de século, quando os Public Enemy tomavam de assalto o trono do hip-hop, em jeito de provocação, o então respeitável New Musical Express proclamava-os "a maior banda rock'n'roll do mundo". Não deixava de haver verdade nesta invectiva pois, num cenário rock moribundo, o colectivo nova-iorquino encabeçado por Chuck D personificava, melhor que nenhum outro, o vanguardismo e a rebelião que estavam na essência da coisa. De então para cá, e apesar da crescente viabilidade comercial, à parte uns quantos projectos que estiveram longe de causar o incómodo de consciências dos Public Enemy, no universo hip-hop e zonas limítrofes foram rareando ideias. As massas ainda foram cativadas por algumas fusões com o próprio rock, algo que, apesar do entusiasmo inicial, cedo evidenciou falta de genuinidade.

Era este o estado de coisas até que, há uns escassos dois anos, em Sacramento, Califórnia, surgiram como que vindos do nada os Death Grips, trio que, à falta de melhor descrição, é muitas vezes arrumado na prateleira rap-rock. Este e qualquer outro rótulo serão sempre redutores, assim como as comparações da atitude às primeiras manifestações punk ou ao hardcore de oitentas, tal é a profusão de ideias que brota a cada dez segundos de um tema do trio. A equipa responsável pela massa sonora é composta pela dupla Andy Morin e Zach Hill, este último um reputado baterista que nos habituámos a ver como integrante dos math/noise-rockers Hella, mas também em colaboração com uma miríade de nomes que se movimentam normalmente nas franjas do rock. Porém, a estrela da companhia é Stefan "MC Ride" Burnett, um negro tatuado e com ares de pregador que é responsável por toda a verve revoltosa do projecto. 

Os Death Grips, já se percebeu, são porta-vozes de um certo mal de vivre latente no mundo actual em ebulição, mesmo que muitas vezes não se vislumbre tanto o destinatário como o objecto dos recados de MC Ride. Esta é uma percepção que já vem desde os muitos registos avulsos lançados de forma independente desde os primeiros dias, causadores de um burburinho que os levaria a celebrar contrato com a Epic Records, braço editorial da gigantesca Sony Music, ligação algo inesperada nos tempos que correm tal o cariz incendiário do projecto. Com o anúncio do contrato veio também a promessa do lançamento de dois álbuns no decorrer de 2012, cumprida com The Money Store, editado na primeira metade do ano, e NO LOVE DEEP WEB, lançado no passado mês de Outubro. No primeiro, é surpreendente o tratamento dado pela dupla produtora ao suporte sonoro de origem orgânica, ao ponto de, apesar da dureza e do desafio das palavras, pairarem esboços de algum balanço groovey. No segundo, assiste-se a um recrudescer da radicalidade da proposta, tanto ao nível da música, como das palavras. Enquanto o suporte instrumental ganha algum abstraccionismo, a verve de MC Ride parece agora não apenas revelar-se irada com o mundo em seu redor, como com si mesmo. NO LOVE DEEP WEB é, consequentemente, um álbum substancialmente mais negro que o antecessor. Como se não bastasse, este disco já envolveu alguma celeuma em seu redor, e não apenas por causa da imagem fálica da capa. Tudo porque, na sequência da disponibilização por parte da banda do streaming do álbum, surgiu um diferendo entre esta e editora. Em consequência, os Death Grips acabariam por lançar NO LOVE... a expensas próprias, com a particularidade de ser de download gratuito. Pondo fim ao litígio, a Epic anunciou nos últimos dias a rescisão do contrato. Pelos vistos, houve alguém que não se deu conta que a atitude libertária dos Death Grips não se restringia à música...

"I've Seen Footage" [Epic, 2012]

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Good cover versions #69












NADJA _ "The Sun Always Shines On T.V." [The End, 2009]
[Original: a-ha (1985)]

The Sun Always Shines on TV by Nadja on Grooveshark

Nos tempos que correm, a miscigenação de géneros e de "tribos" já não choca ninguém que tenha uma mente minimamente aberta. Se recuarmos no tempo, aí uns bons vinte anos, seria impensável ver shoegazers e "metaleiros" partilharem os mesmos gostos, quanto mais os mesmos espaços ou até coexistir no mesmo indivíduo. É precisamente da confluência dessas duas sensibilidades musicais, então inconciliáveis, que têm surgido de há uma década a esta parte alguns interessantes projectos, mormente pela incorporação do shoegaze em habitat metal. Consoante os casos, as catalogações têm designações variáveis como post-metal, drone-metal ou, inevitavelmente, metal-gaze.

Na linha da frente desta tendência está Aidan Baker, músico canadiano que durante algum tempo foi o único elemento dos Nadja, actualmente uma dupla na qual se lhe junta Leah Buckareff. Da extensa obra gravada e editada pelo projecto faz parte um álbum integralmente composto de versões de canções alheias. Dada a gravitação estética dos Nadja, no alinhamento desse disco, surpreende mais a inclusão de um original do malogrado Elliott Smith do que, por exemplo, temas da autoria de My Bloody Valentine, Codeine, Slayer, Swans, ou até The Cure. Mas, totalmente inesperada é a versão de "The Sun Always Shine On T.V.", original do trio norueguês a-ha. Mais do que uma revisão, trata-se de uma verdadeira apropriação, tal a radicalidade com que os Nadja interpretam este tema. Atendendo às características do original, talvez o mais leve e melódico do incluídos no alinhamento, é neste tema que mais se faz sentir a toada arrastada que propicia uma espécie de ambient negro e monolítico. Sob um espesso manto de guitarras submetidas ao tratamento de mil efeitos, a voz surge completa completamente afogada na mistura final. A haver algum traço de reconhecimento do original, talvez ele se encontre no refrão, mais pela citação do título do que propriamente por qualquer tentativa de reproduzir aquele luminosidade juvenil, vagamente melancólica, na qual os a-ha se especializaram no seu período de maior esplendor, na segunda metade de oitentas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O jogo das diferenças #12



BOB DYLAN _ The Freewheelin' Bob Dylan [Columbia, 1963]



THE CHEMICAL BROTHERS _ Exit Planet Dust [Virgin, 1995]

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ao vivo #96














Amplifest 2012 @ Hard Club - Porto, 28/10/2012

Pelo segundo ano consecutivo, e num espírito de verdadeira independência, o Amplifest tem sido responsável pela vinda a este país de bandas e sonoridades normalmente arredadas dos cartazes dos festivais "corporativistas", isto apesar do culto sólido em seu redor. A minha estreia, ainda que só por um dia, foi motivada pela grande atracção de encerramento, e só foi possível graças à generosidade de algumas benditas almas a quem daqui se endereçam os mais sinceros agradecimentos. À parte os cabeças-de-cartaz, a oportunidade serviu também para satisfazer a curiosidade sobre alguns conhecidos e outros totalmente desconhecidos, como se retira das parcas linhas a seguir.

Após o habitual reconhecimento do terreno, e de alguns cumprimentos a amigos e conhecidos, aventurei-me pela sala 2 do Hard Club, onde me deparei com os ingleses Necro Deathmort já em plena função. Afecta das tonalidades negras, esta dupla conjuga elementos díspares como o industrial, o drum'n'bass, algumas pinceladas do chamado gótico, e até o metal menos tradicional, sem que, contudo, haja qualquer comprometimento com alguma das filiações. Conseguem, por isso, agradar às diferentes "tribos" presentes, criando na sala um ambiente algures entre o solene e o dançante.

Ainda que reduzidos a metade, era alguma à expectativa para a recepção aos Oxbow, apropriadamente rebaptizados para a ocasião de Oxbow Duo. Como esperado, a presença de Eugene S. Robinson faz valer a sua imponência, não só pela pela presença física como pela capacidade performativa, na qual, neste formato, penso que seriam de evitar as insistências na característica postura "macho". Pormenores à parte, o homem ostenta uma voz capaz de sublinhar a violência das palavras até um nível quase cinemático, como se imagens fossem projectadas à nossa frente. Não derivando muito de um registo spoken word, com um ou outro urro lancinante, Robinson encontrou no guitarrista Niko Wenner parceiro à altura, capaz de, sozinho, sustentar toda a intensidade instrumental do concerto. É certo que se perdeu a adrenalina noisy que a banda completa propiciaria mas, em contrapartida, ganhou-se uma crueza de processos que evidencia o elemento bluesy da música dos Oxbow.

Depois de uma breve descrição ouvida em antecedência, os ouvidos ansiavam pela proposta dos italianos Ufomammut. Num primeiro momento, o trio deriva por uma sonoridade spacey que convida ao entorpecimento dos sentidos. Depois deste princípio prometedor, vão evoluindo para territórios menos atractivos do sludge-metal, até caírem num emaranhado de repetição e previsibilidade. O abandono foi prematuro, até porque o estômago precisava de estar recomposto para o próximo acto.

Por fim, com a sala apinhada e muita ansiedade a pairar, chegavam os Godspeed You! Black Emperor, o numeroso colectivo canadiano que nos abandonou durante quase uma década mas que, nem por isso, parece ter perdido fiéis. Cada prestação dos GY!BE é uma espécie de cerimónia, e a do Hard Club não foi excepção, com os instrumentos a entrarem à vez, até se unirem num uníssono capaz de extrair a mais encantadora beleza do cenário da maior destruição imaginável. Com o novo álbum ainda fresco nos ouvidos dos presentes, "Mladic" foi já recebido como se de um "clássico" se tratasse, convidando, inclusive, no trecho intermédio de inflexões étnicas, a um tímido e inesperado ensaio de dança no público. Recebido com igual entusiasmo foi o segmento inicial do já histórico "Sleep", este num limbo entre o árido e o idílico, como só os GY!BE são capazes. Com a audiência rendida, a mais de hora e meia de concerto passa num ápice, e após o abandono gradual do palco, ninguém arreda pé na esperança de um regresso. Este acontece mas, porém, para frustração de público e banda, a tentativa de encore sai encurtada por problemas técnicos com uma das guitarras, o que impede a execução da peça musical com o rigor e a precisão que hoje os GY!BE ostentam. O incidente levou um dos membros do colectivo a tecer um paralelismo com o estado sócio-político de Portugal e da Europa, demonstração da consciência inconformista dos GY!BE apesar da quase total ausência de palavras na sua música. Feito o merecido e prolongado aplauso, fomos todos para casa, ainda aterrados com as visões do Apocalipse, mas conscientes de uma ténue luz de esperança.

Ao vivo #95

















Barn Owl + Riccardo Wanke @ Galeria Zé dos Bois, 25/10/2012

De há meia dúzia de anos a esta parte, a dupla californiana Barn Owl tem constituído uma das mais interessantes aventuras da música "out there" norte-americana, com uma insólita proposta situada na confluência do drone com a tradição firgerpicking que vai de John Fahey aos Six Organs of Admittance. Uma proposta que, ao vivo, se transfigura em algo de diverso sem que, no entanto, renegue em absoluto a matéria da qual se faz a obra gravada. Apresentando uma única peça no concerto da ZdB, preparam o ambiente dando primazia à componente electrónica, numa progressão que rapidamente evolui para um mantra hipnótico. Sobre este tapete sonoro, as guitarras vão ocupando o seu lugar. Primeiro, o elemento colocado do lado direito vai extraindo algumas pinceladas das impressões deixadas em disco. Só depois, por cortesia do elemento à esquerda, munido de uma Fender Straocaster e um generoso jogo de pedais, somos surpreendidos com algumas incursões ao universo dos Pink Floyd de diversas fases. A referência passa, inclusive, pela postura em palco, em muito semelhante à de David Gilmour. Conjugando habilmente elementos de proveniências diversas, e servidos de um som portentoso, tanto no volume como na equalização, os Barn Owl acabaram por brindar aqueles que tiveram a ousadia de se deslocar à ZdB em noite de semana com uma viagem feita aos sons e de sons que convidam ao alheamento. Aposta-se já que voltarão em breve.

Em jeito de aquecimento, o português Riccardo Wanke apresentou uma demonstração da sua exploração electrónica, difícil de arrumar em qualquer rótulo ou sub-género. Ficou ainda patente alguma verdura na sequenciação das diferentes texturas, com progressões algo abruptas, e uma insistência a roçar o incomodativo dos sons metálicos. No entanto, pressentem-se algumas ideias interessantes se, futuramente, forem exploradas com outra experiência e ousadia.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Discos pe(r)didos #66









KITCHENS OF DISTINCTION
Strange Free World
[One Little Indian, 1991]




Com o fim dos The Smiths, pairou um certo sentimento de orfandade sobre a facção mais emotiva da comunidade indie. Nada que bandas como The Wedding Present ou The House of Love não tratassem rapidamente de corrigir, pelo menos até que as vagas baggy e shoegaze não se propagaram por todo o Reino Unido. Hoje menos referidos que aqueles, mas na época com idêntico protagonismo, os Kitchens of Distinction (KoD), um trio da grande metrópole londrina, impregnou com uma aura sonhadora o meio, ao ponto de, inclusive, terem servido de inspiração a alguns dos shoegazers que lhes tomariam o lugar.

Depois de um óptimo álbum de estreia (Love Is Hell, de 1989), mas ainda a acusar alguma verdura nas imperfeições que se detectam ao longo de uma audição, os KoD lograram a obra definitiva dos seus intentos com o sucessor. Alegadamente, o disco recebeu o título de Strange Free World (SFW) após uma carta de um fã japonês, que com aquelas palavras definiu a música da banda. A definição é mais que ajustada se tivermos em conta que a música dos KoD habita um lugar único, no qual uma melancolia não derrotista convive com a esperança traduzida num romantismo de cunho poético, algo que tanto fica expresso na ambiguidade das palavras, como na componente instrumental.

Em toda a obra da banda, e mais intensamente em SFW, o principal traço distintivo é a delicadeza das guitarras altamente processadas de Julian Swales, capazes de reproduzir as diferentes intensidades do zumbido de um enxame de milhões de insectos. Basta conferir no par de temas que abre o disco ("Railwayed" e "Quick As Rainbows"), qualquer deles assinalado pelo tinir das cordas como filigrana. O primeiro, tal como mais à frente "Drive That Fast", o single que mereceu relativo airplay, denuncia uma vontade de evasão, algo recorrente na obra dos KoD. A este propósito, talvez valha a pena referir que o vocalista, baixista e letrista Patrick Fitzgerald é um homossexual assumido, que muitas vezes, nas canções de cunho pessoal, expressava uma franca insatisfação pela discriminação a que se via sujeito, particularmente num universo indie à data manifestamente straight e algo sectarista. Ainda assim, em SFW tais temáticas são abordadas com maior subtileza, talvez à excepção de "Gorgeous Love", por sinal o tema mais ligeiro do alinhamento. 

Se a toada atmosférica tem a predominância, por vezes os KoD também ensaiam estruturas de canções que fogem à lógica da ortodoxia. É o caso de "Hypnogogic", marcado por uma batida sincopada que chega a conter até algum groove. Ou de "He Holds Her, He Needs Her", com as guitarras de cristal a debaterem-se com as ameaças de tensão, que acabam por levar a melhor no refrão em crescendo. Não sendo o mais imediato dos seus temas, arrisco a elegê-lo o mais brilhante do seu reportório, tanto pela estrutura peculiar, como pela letra, súmula dos altos e baixos de uma relação amorosa com forte carga poética. Idêntico teor lírico encontramos em "Within The Daze Of Passion", este com a mais angustiante vocalização de Fitzgerald. E se já aqui falámos de tensão, convém referir "Polaroids", um tema em que se evocam memórias distantes enquanto a guitarra reproduz a violência do tumulto das ondas a colidir contra as rochas.

Depois de um primeiro álbum em regime de auto-produção, em SFW é parece determinante a intervenção do experiente produtor Hugh Jones, que terá trazido à música dos KoD um desejo de grandeza que já tinha ajudado a concretizar no seu trabalho com os Echo & The Bunnymen. Com estes, SFW tem também em comum uma aura marítima, materializada no derradeiro "Under The Sky, Inside The Sea", tema de proporções épicas com uma longa introdução instrumental, marcada por incursões de sopros jazzísticos, que culmina num tom vitorioso quase hínico. Um encerramento à la Bunnymen, portanto.

A seguir a SFW, haveria ainda mais dois álbuns com a marca KoD, qualquer deles bem aceite pela crítica, mas em termos de exposição mediática ofuscado pelas novas orientações, para outras paragens, do pop/rock de guitarras. Uma década exacta após este disco superlativo, não se sabe se de forma consciente, se por mero acidente, e quando o mundo os parecia ter esquecido de vez, uma banda de nome Interpol usaria a matriz única dos KoD no seu primeiro álbum, com franqueza, o único que realmente interessa.

He Holds Her, He Needs Her by Kitchens Of Distinction on Grooveshark

Polaroids by Kitchens Of Distinction on Grooveshark

Drive That Fast by Kitchens Of Distinction on Grooveshark

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Hey kids, rock & roll, nobody tells you where to go



Por mais do que uma vez já aqui me terão visto a rogar pragas aos eighties. Na realidade, o que me aborrece relativamente a essa década não é propriamente a década em si, mas a recuperação ad nauseum a que temos assistido através de sub-produtos mil vezes mais tóxicos do que o esterco original. Feito o balanço do que realmente interessa, é uma década na qual ainda assenta uma boa parte da minha dieta musical, tanto em revisitações recorrentes, como em descobertas que uma imensa curiosidade me proporciona.

Gostava que soubessem que, por exemplo, alguns dos discos que nos tempos mais recentes mais tenho ouvido pertencem àquela época. Uma boa quota-parte pertence aos R.E.M., mais concretamente aqueles primeiros cinco discos da chamada "fase independente". Foi nesta altura que a banda de Athens, Geórgia, fascinada pela pop de raíz americana dos magníficos The Byrds, e devota em partes iguais dos Velvet Underground e dos Big Star, traçou um percurso semelhante em relevância aos dos The Smiths no Reino Unido, com tudo o que isso possa ter de justo como de redutor. Depois veio o estrelato, ainda com muitos pontos de interesse, ao qual se seguiu um longo definhar que poderia ter sido evitado se tivesse havido a sensatez de cessar funções logo que se desfez o quarteto original.

Estas visitas frequentes levaram-me a ser atacado pelo chamado "síndroma Alta Fidelidade", que se manifestou na vontade de elaborar um top ten dos meus dez temas favoritos dos R.E.M.. Confesso-vos que não foi tarefa fácil, não tanto pela vastidão da obra gravada, mas mais porque, normalmente, os discos dos R.E.M. valem mais pelo seu todo do que por este ou aquele tema isolado. Mas, com muita ponderação, lá se fez a coisa, que agora vos apresento em regime countdown. Obviamente, a maioria dos temas eleitos são retirados daquela mão-cheia de pequenas obras primas da fase inicial. Recados e reparos aceitam-se e são bem- vindos.

10. "Low" (1991)
09. "Let Me In" (1994)
08. "Finest Worksong" (1987)
07. "Cuyahoga" (1986)
06. "Orange Crush" (1988)
05. "Radio Free Europe" (1983)
04. "Talk About The Passion" (1983)

 
03. "Drive" [Warner Bros., 1992]

 
02. "So. Central Rain" [I.R.S., 1984]

 
01. "Fall On Me" [I.R.S., 1986]

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Os bons filhos à casa tornam
















Foto: Jo McCaughey

Podem não ter a projecção de uns No Age ou de uns Wavves, mas o que é certo é que os Times New Viking estavam lá, na linha da frente, do "novo" lo-fi norte-americano. Por eles responde também uma obra substancialmente mais vasta do que a daqueles "concorrentes", inclusive com incursões por algumas das mais gigantescas independentes da terra-natal. Primeiro passaram pela Matador, depois pela Merge Records, sem, contudo, atingirem os níveis de aceitação pública que deles eram expectáveis por parte daquelas editoras.

Goradas as expectativas de uma subida de escalão, os Times New Viking resignam-se com o regresso Sitlbreeze Records, a casa que primeiro os acolheu e a mais uma data de bandas no mesmo comprimento de onda. Para assinalar a ocasião acabam de lançar Over & Over, um EP de seis temas que, por sinal, não é um regresso às massas disformes de ruído dos tempos da anterior ligação entre ambas as partes. Antes pelo contrário, Over &  Over reforça a inclinação para canções dignas desse nome, próximas de merecer o rótulo de pop, algo que o óptimo álbum Dancer Equirred (2011) já introduzia no universo dos TNV. No entanto, as guitarras de pontas afiadas de Jared Phillips e os teclados dissonantes de Beth Murphy, continuam presentes de uma forma nada dissimulada. Os jogos resultantes da combinação da voz desta última com a do baterista Adam Elliot, somados de um maior cunho melódico, são os principais factores que determinam este EP como o melhor conjunto de temas dos TNV até à data. Por agora são apenas uns curtos catorze minutos, que nos deixam a salivar pelo álbum que se adivinha.


"Middle Class Drags" [Siltbreeze, 2012]

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Secção de frescos


















De quando ouvi pela primeira vez Play It Strange (2010), o terceiro álbum dos franciscanos The Fresh & Onlys, lembro-me de ter ficado agradado pela forma como a banda conseguia extrair melodias catchy de temas que enveredavam por via de psicadelia que já não é destes tempos. Era um disco declaradamente ancorado na década de sessentas, e talvez pela sua rugosidade vagamente lo-fi, só gradualmente assimilável. O deslumbramento foi, por isso, um processo por etapas, que só conheceu o auge num concerto de fim de tarde de boa memória. A partir daí, o interesse pelos The Fresh & Onlys tornou-se quase obsessivo, passando, obrigatoriamente, pela necessidade de conhecer o restante trabalho.

Um devoto convicto e confesso só pode sentir-se agraciado com o novo Long Slow Dance, lançado há coisa de mês e meio. As premissas deste disco são as dos anteriores, porém, os The Fresh & Onlys destaparam as novas canções daquela nebulosa que as cobria, deixando revelar mais imediatamente a veia pop que lhes está intrínseca. A reverberação ainda é uma presença, engrandecendo cada tema naquela forma muito sessentista, muito west coast, que tem nos Byrds os maiores embaixadores. No jangle das guitarras há agora também algo dos seguidores daqueles em meados da década de 1980. No entanto, toda a sedução de Long Slow Dance não deve ser menorizada por assentar em referências tão vincadas, antes deve ser enaltecida pela grandeza do mentor Tim Cohen enquanto escritor de canções. Recomendo que se arrume junto de Bend Beyond, o novo e mui recomendável dos Woods, parentes próximos que também, aos poucos, se aproximam de uma linguagem pop, fazendo com que perdurarem as nossas memórias dos fins de tarde do Verão que já lá vai.

"Presence Of Mind" [Mexican Summer, 2012]

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Pacote para a austeridade

















Nasceram em San Diego, no extremo sul da Califórnia, sob a designação The Muslims, nome que abandonaram a fim de evitar interpretações indesejadas. Já na terra das oportunidades de Los Angeles, rebaptizaram-se como The Soft Pack, nome não menos provocatório se vos lembrar que se refere a um certo "brinquedo sexual". A veia travessa que os nomes sucessivos sugerem seria materializada num primeiro álbum, homónimo, que integrava os hoje tão recorrentes elementos surf e garage num ardiloso disco que, no fundo, era uma súmula destas seis décadas passadas de rock'n'roll. Quando chegou a hora do balanço do ano de 2010, The Soft Pack seria merecedor dos mais rasgados encómios.

Com tal antecessor, eram tão altas as expectativas como os receios relativamente ao novo Strapped, que numa primeira abordagem deita por terra muito do nosso entusiasmo em torno do quarteto californiano. Então não é que esta gente se virou para aquela facção mais despreocupada da pop oitentista, com sintetizadores e tudo, e solos de saxofones à discrição?! No sugestivamente intitulado "Bobby Brown", o raio da corneta chega ao cúmulo de acompanhar uma daquelas melodias que imaginamos em videoclipes com cocktails e danças tolas à beira-mar. Se a sensação deixada por este tema não é recuperável com novas audições, o mesmo não se poderá dizer da quase totalidade dos restantes. Com a insistência, Strapped acaba por se revelar uma espécie de reactualização da receita do disco de estreia, com uma instrumentação mais variada do que a trindade genérica do rock. Pode não ter as guitarras nervosas do anterior, mas não abre mão da mesma postura irrequieta, do cinismo implícito na voz, e de um ambiente festivo mesmo a propósito agora que do Verão já só restam as recordações. Quanto ao famigerado saxofone, acaba por se redimir com distinção no delirante outro do derradeiro "Captain Ace", momento em que os Soft Pack se afastam claramente da norma pop/rock.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Mil imagens #33



Mudhoney - Atlanta, Geórgia, 1998
[Foto: Dennis Kleiman]

domingo, 14 de outubro de 2012

'Allelujah, here it comes
















No submundo hoje superpovoado do post-rock, facção instrumental, duas bandas funcionam hoje como unidade de medida, sob a qual todas as outras são avaliadas: os escoceses Mogwai e os canadianos Godspeed You! Black Emperor. Se os primeiros, talvez pela omnipresença, são já aceites como um produto pop, os últimos ainda carregam uma aura de mistério em seu redor, factor determinante para o culto acérrimo que geram. Muito provavelmente cientes de que a abundância de edições num "género" tão restrito poderia implicar riscos de repetição, os GY!BE entraram em hiato por tempo indeterminado em 2003, sem que daí adviesse qualquer perda de devoção por parte dos seus fiéis seguidores. Foi pois, em ambiente de euforia que se recebeu a notícia do regresso do colectivo aos palcos, há coisa de dois anos, sem, contudo, se especular sobre o eventual interesse mercantilista da operação. A filosofia anti-capitalismo, bem expressa nos títulos deveras eloquentes dos temas sem letras, e a estratégia que pouco ou nada se coaduna com a norma pop são por demais conhecidas de todos para serem postos em causa.

Seguindo esta rigorosa ética, portanto sem qualquer anúncio com meses de antecedência, o mundo prepara-se para receber (amanhã) 'Allelujah! Don't Bend! Ascend!, o quarto longa-duração dos GY!BE, desde há alguns dias em streaming exclusivo no sítio on-line do jornal britânico The Guardian. Composto por quatro temas, dois deles perto da marca dos 2o minutos de duração, os outros dois substancialmente mais curtos para os padrões habituais, o novo álbum soa-me mais como uma espécie de reactualização das mini-sinfonias do esplendoroso álbum de estreia, do que como um desenvolvimento da menor linearidade dos registos posteriores. Opção compreensível, se tivermos em conta que a aura apocalíptica de F#A#Infinity (1997) faz tanto sentido no mundo em convulsões de hoje, como fazia na tensão pré-milenar em que foi gerado. O tema mais imediatamente assimilável é o inaugural "Mladic", com um crescendo de rompante a evoluir para uma cavalgada próxima de ser catalogada como "industrial". Neste, não passam despercebidos os elementos étnicos, primeiro com tonalidades arabizantes, perto do final com percussões e chocalhadas índias. Os três temas remanescentes reforçam a tese de que os GY!BE têm uma capacidade única de extrair rara beleza de ambientes opressivos em que o ruído não é factor de todo desprezável. Ainda que 'Allelujah! fosse um prolongar da semi-desilusão que foi Yanqui U.X.O. (2002), experiência mal sucedida com Steve Albini nos comandos técnicos, o que fica já definido que está longe de ser, teríamos sempre a quase certeza de que qualquer vislumbre dos GY!BE num palco será sempre uma experiência de contornos próximos do sacro. A próxima cerimónia a que farei os possíveis por assistir terá lugar dentro de duas semanas exactas, na mui nobre e invicta cidade do Porto.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A solidão (ainda) é uma bênção

















Na altura do meu primeiro contacto com os australianos Tame Impala ainda estes eram uns autênticos putos (antes que venham com conjecturas de mau-gosto, esclareça-se que ainda eram um trio inteiramente masculino), surpreendentemente, para aquela idade, fascinados com o mundo da psicadelia sessentista. Em carteira tinham apenas um EP que, embora demasiado derivativo de uns Cream ou até de Hendrix, deixava antever algum potencial aos miúdos das antípodas. Entretanto, chegou o tão badalado álbum Innerspeaker (2012), viragem dentro do espectro psicadélico para uma abordagem mais próxima da pop, por vezes a tanger os fab four, e com ele a certeza de que os Tame Impala eram para se seguir com atenção.

Para tirar as teimas, aí está Loneirism, o novíssimo segundo álbum cujo título reforça a ideia de que esta gente cresce a enaltecer as benesses da solidão. Para o caso, talvez interesse referir que os Tame Impala vêm de Perth, conhecida como a metrópole mais isolada do mundo, o que poderá ter neles a mesma influência que teve na aura de alienação da música dos conterrâneos The Triffids, há vinte e tal anos. Passando à música contida na rodela, as diferenças estéticas - sempre dentro da psicadelia, como uma espécie de reactualização da coisa - relativamente ao antecessor são notórias. Logo no começo, sente-se um apelo das raízes, expresso numa batida tribal que, por mais do que uma vez, assoma ao longo do disco. As influências são agora mais difusas, com as aproximações beatlescas a resumirem-se aos escassos momentos em que a voz de Kevin Parker se assemelha à de Lennon, enveredando agora, na maioria dos temas, por uma espécie de semi-falsetto. Embora omnipresentes, as guitarras perdem terreno para os teclados, alargando os segmentos instrumentais em regime quase jam, e conferindo ao álbum uma certa uniformidade. Do todo, pressente-se um desejo de aspirar à grandiosidade, facto a que será alheio o envolvimento de Dave Fridmann, homem versado nesta "matéria", que alegadamente coadjuvou Kevin Parker na produção de Loneirism. Curiosamente, e em sentido contrário à tendência dominante, os Tame Impala escolheram para primeira amostra o tema em que os delírios guitarrísticos se revelam mais prementes:

 
"Elephant" [Modular, 2012]

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Fisrt exposure #48




















Foto: Thomas McCaul

FAT CREEPS

Formação: Gracie Jackson (voz, gtr); Mariam Saleh (voz, bx); Jim Leonard (btr)
Origem: Boston, Massachusetts [US]
Género(s): Indie-Pop, Noise-Pop, Garage-Pop, Riot-Grrrl, Post-Punk
Influências / Referências: Sleater-Kinney, The Breeders, Scrawl, The Raincoats, Throwing Muses, The Rogers Sisters

http://fatcreeps.bandcamp.com/


 
"Cherry" [Lemon Popsicle, 2012]

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Mixtape #19: (Under)Covers - Vol.3



Ora digam lá se não estavam já a estranhar nova prendinha? Para hoje proponho-vos a terceira e última colectânea de versões, temática que tem merecido rubrica regular neste pasquim. Como não poderia deixar de ser, a presente compilação segue as linhas estéticas que têm norteado este April Skies, com 20 temas mais ou menos conhecidos das massas nas suas versões originais, aqui revistos, julgo eu, com alguma graça. É conferir no link imediatamente antes do alinhamento, sff.


01. MY BLOODY VALENTINE - "We Have All The Time In The World" (Louis Armstrong)
02. BELLE & SEBASTIAN - "Crash" (The Primitives)
03. VERONICA FALLS - "Under My Thumb" (The Rolling Stones)
04. THE BEETS - "The Loco-Motion" (Little Eva)
05. BECK - "I Only Have Eyes For You" (Dick Powell & Ruby Keeler / The Flamingos)
06. ROGUE WAVE - "Debaser" (Pixies)
07. THE DUKE SPIRIT - "A House Is Not A Motel" (Love)
08. THE WEDDING PRESENT - "Cattle And Cane" (The Go-Betweens)
09. BRAKES - "Sometimes Always" (The Jesus and Mary Chain)
10. ROYAL TRUX - "Theme From M*A*S*H (Suicide Is Painless)" (Johnny Mandel)
11. ELECTRELANE - "I'm On Fire" (Bruce Springsteen)
12. JAPANDROIDS - "Shame" (PJ Harvey)
13. SONS AND DAUGHTERS - "Killer" (Adamski & Seal)
14. THE DETROIT COBRAS - "Last Nite" (The Strokes)
15. VIOLENT FEMMES - "Do You Really Want To Hurt Me" (Culture Club)
16. VELVET CRUSH - "She Cracked" (The Modern Lovers)
17. CROCODILES - "Groove Is In The Heart " / "California Girls" (Deee-Lite / The Beach Boys)
18. DIRTY BEACHES - "The Singer" (Johnny Cash)
19. ATLAS SOUND - "Unchained Melody" (The Righteous Brothers)
20. ENGINEERS - "Song To The Siren" (Tim Buckley)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

The future is unwritten
















Não estarei a acrescentar nada de novo ao que tem sido dito e escrito ao afirmar que os A.R. Kane são a mais criminalmente esquecida banda da ebulição indie de finais de oitentas e inícios de noventas. Formados por Alex Ayuli e Rudi Tambala, dois negros de dreadlocks que causaram estranheza no meio, quase exclusivamente branco, desde cedo despertaram a cobiça da principais editoras de então, tendo, inclusive, editado por três selos de renome: primeiro pela One Little Indian, depois pela 4AD, por fim pela Rough Trade. 

Os primeiros passos deram-nos ainda na vigência do fuzz-pop pós-C86, mas já indicando novas pistas para um "género" que parecia confinado à escassez de ideias. Já na editora de Ivo Watts-Russell, foram co-responsáveis (juntamente com os Colourbox, sob a desiganação M/A/R/R/S) por "Pump Up The Volume", tratado de samplagem cujo sucesso retumbante quase ditava o fim da inexperiente 4AD. Pela mesma editora teriam apenas um EP (Lollita, de 1987), já nos meandros de uma dream-pop de alto teor experimentalista. Chegados à Rough Trade, os A.R. Kane chegaram também aos álbuns, o primeiro dos quais - 69, de 1988 - constitui a afirmação absoluta como arquitectos sonoros que teriam influência determinante nos desenvolvimentos dos My Bloody Valentine de Loveless. Do ano seguinte, "i" alinha por um avant-pop contaminado de funk que, num passado recente, teve ecos nos TV on the Radio ou nos aparentados Apollo Heights. Impressionado pela sonoridade única e aventureira da dupla, David Byrne lançaria, através da sua Luaka Bop, a compilação Americana (1992), destinada a promover os A.R. Kane junto do público norte-americano. Esta manobra seria condenada ao fracasso, e foi já em desagregação que a parelha editaria o terceiro e derradeiro New Clear Child (1994), este a revelar inclinações soul a cada recanto.

Por ironia do destino, no mesmo ano em que os "seguidores" My Bloody Valentine receberam igual tratamento, a One Little Indian acaba de editar Complete Singles Collection, compilação de dois discos com todos os temas incluídos pelos A.R. Kane nos seus muitos lançamentos em pequeno formato entre 1986 e 1994. Ao todo são 33 temas, muitos deles remisturas fortemente marcadas por um elemento dub que, não só confere um certo apelo dançante, como realça a veia lisérgica da música dos A.R. Kane. Alinhada por ordem cronológica, esta compilação é um documento essencial para quem procura compreender os desenvolvimentos da pop mais inconformista do último quarto de século e até, arrisco, da do futuro que nos espera.

 
"Green Hazed Dazed" [Rough Trade, 1988]