No submundo hoje superpovoado do post-rock, facção instrumental, duas bandas funcionam hoje como unidade de medida, sob a qual todas as outras são avaliadas: os escoceses Mogwai e os canadianos Godspeed You! Black Emperor. Se os primeiros, talvez pela omnipresença, são já aceites como um produto pop, os últimos ainda carregam uma aura de mistério em seu redor, factor determinante para o culto acérrimo que geram. Muito provavelmente cientes de que a abundância de edições num "género" tão restrito poderia implicar riscos de repetição, os GY!BE entraram em hiato por tempo indeterminado em 2003, sem que daí adviesse qualquer perda de devoção por parte dos seus fiéis seguidores. Foi pois, em ambiente de euforia que se recebeu a notícia do regresso do colectivo aos palcos, há coisa de dois anos, sem, contudo, se especular sobre o eventual interesse mercantilista da operação. A filosofia anti-capitalismo, bem expressa nos títulos deveras eloquentes dos temas sem letras, e a estratégia que pouco ou nada se coaduna com a norma pop são por demais conhecidas de todos para serem postos em causa.
Seguindo esta rigorosa ética, portanto sem qualquer anúncio com meses de antecedência, o mundo prepara-se para receber (amanhã) 'Allelujah! Don't Bend! Ascend!, o quarto longa-duração dos GY!BE, desde há alguns dias em streaming exclusivo no sítio on-line do jornal britânico The Guardian. Composto por quatro temas, dois deles perto da marca dos 2o minutos de duração, os outros dois substancialmente mais curtos para os padrões habituais, o novo álbum soa-me mais como uma espécie de reactualização das mini-sinfonias do esplendoroso álbum de estreia, do que como um desenvolvimento da menor linearidade dos registos posteriores. Opção compreensível, se tivermos em conta que a aura apocalíptica de F#A#Infinity (1997) faz tanto sentido no mundo em convulsões de hoje, como fazia na tensão pré-milenar em que foi gerado. O tema mais imediatamente assimilável é o inaugural "Mladic", com um crescendo de rompante a evoluir para uma cavalgada próxima de ser catalogada como "industrial". Neste, não passam despercebidos os elementos étnicos, primeiro com tonalidades arabizantes, perto do final com percussões e chocalhadas índias. Os três temas remanescentes reforçam a tese de que os GY!BE têm uma capacidade única de extrair rara beleza de ambientes opressivos em que o ruído não é factor de todo desprezável. Ainda que 'Allelujah! fosse um prolongar da semi-desilusão que foi Yanqui U.X.O. (2002), experiência mal sucedida com Steve Albini nos comandos técnicos, o que fica já definido que está longe de ser, teríamos sempre a quase certeza de que qualquer vislumbre dos GY!BE num palco será sempre uma experiência de contornos próximos do sacro. A próxima cerimónia a que farei os possíveis por assistir terá lugar dentro de duas semanas exactas, na mui nobre e invicta cidade do Porto.
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