"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

terça-feira, 4 de março de 2014

Everything in its right place















Com alguma preguiça, e muita injustiça, poderíamos resumir a carreira de Neneh Cherry ao par de hits "Buffalo Stance" (1988) e "7 Seconds" (1994), este último um crossover ao sabor da globalização dos tempos em parceria com o senegalês Youssou N'Dour. Qualquer dos temas referidos foi, no seu tempo, olhado com desconfiança pelo preconceito das massas "bem pensantes", que lhes negou o estatuto em certa medida pioneiro. Sobretudo no caso de "Buffalo Stance", e o respectivo álbum que o alberga (Raw Like Sushi, de 1989), uma espécie de hip-hop bastardo com nítidos reflexos nos desenvolvimentos da música urbana da última década. Antes, porém, ainda adolescente, já era uma das figuras nas expressões mais ritmadas do post-punk britânico, quer na breve passagem pelas The Slits, quer à frente dos Rip Rig + Panic. No entanto, no caso de Neneh Cherry, precocidade não rima com produtividade, e desde meados de noventas que se remeteu a um longo silêncio que durou até à edição de The Cherry Thing (2012), trabalho conjunto com os free-jazzers suecos The Thing. Neste estrondoso - mas também algo obtuso - álbum, recheado de versões de temas da sua juventude, havia dois claros intuitos: homenagear o padrasto Don Cherry pela via free-jazz, e revisitar o exílio post-punk londrino.

Foi a partir das remisturas encomendadas para alguns temas de The Cherry Thing que foi estabelecido contacto com Kieran Hebden, também conhecido por Four Tet, agora responsável pela produção do novíssimo e brilhante Blank Project, álbum que interrompe põe fim a um hiato de 18 anos sem álbuns a solo. Claramente dinamitado pelo anterior trabalho colaborativo, este é igualmente um trabalho de cariz leftfield, porém sem o teor jazzístico daquele. No suporte instrumental esteve a dupla britânica RocketNumberNine, responsável pelas batidas (orgânicas), os baixos carregados de groove, e a electrónica minimalista. O trabalho daqueles dois irmãos, embora primoroso, tenta não ser intrusivo. Esta discrição é calculada para que a estrela do disco seja a voz de Neneh Cherry, umas vezes literalmente cantada, outras naquele seu registo típico semi-rappado. Amadurecida, é uma voz de um calor intenso, não obstante as palavras, ainda e sempre com uma notória carga interventiva.

[Smalltown Supersound, 2014]

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