"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

terça-feira, 11 de março de 2014

Aqui na Terra












Outrora género confinado à autêntica marginalidade, o black metal é, de há uns anos a esta parte, matéria de trabalho para muitos daqueles que não se limitam ao óbvio na música contemporânea. Não tanto na sua forma primitiva, mas mais cedendo métodos e processos a alguma da música mais desafiadora do presente. No grupo de experimentalistas que têm explorado o género maldito surgem, à cabeça, os norte-americanos Sunn O))) e os noruegueses Ulver. No activo desde a recta final do século passado, os primeiros têm-se distinguido por uma linguagem caracterizada pelos drones arrastados e envoltos em denso nevoeiro e a excessiva amplificação, na qual cabem as liturgias negras do vocalista húngaro Attila Csihar (também dos extremos Mayhem). Quanto ao colectivo com assento em Oslo, que teve a sua origem no período mais infame do black metal norueguês (na primeira metade de noventas), cedo alargou horizontes para uma espécie de ambientalismo negro e cinemático que não rejeita as ferramentas electrónicas. Se é certo que uns e outros têm seduzido diferentes públicos, não menos verdade é dificilmente caiam no goto do conservadorismo mais purista.

Sendo toda esta gente bastante dada ao processo criativo em colaboração, era expectável que estas duas eminências se cruzassem um dia, o que veio a acontecer em 2008 por ocasião de uma sessão de gravação que teve lugar no estúdio propriedade dos Ulver ao longo de uma noite inteira. O resultado não ficou na gaveta, e de então para cá foi aprimorado por Stephen O'Malley, dos Sunn O))), e Kristoffer Rygg, dos Ulver. Materializa-se agora em Terrestrials, um trabalho surpreendente que, pese embora os aperfeiçoamentos a que foi sujeito, não omite a sensação jam daquilo que seria a sua forma inicial. Apesar da densidade das três longas faixas, Terrestrials emana uma estranha luz, algo que irá surpreender os seguidores de qualquer dos projectos, mesmo estando já estes habituados às maiores surpresas a cada novo registo. Tome-se como exemplo o título sugestivo de "Let There Be Light", a sublime faixa de abertura que evolui de um mantra primordial para uma fanfarra solene, incorporando pelo caminho elementos do minimalismo, da música concreta ou até do jazz menos ortodoxo, por via das cordas e dos sopros adicionados na mistura final. No intermédio "Western Horn" intensifica-se o surrealismo jazzístico, numa faixa que evidencia também as marcas identitárias dos projectos envolvidos: a amplificação assombrosa de uns, e a estruturação de paisagens gélidas de outros. Apenas já na recta final destes 35 minutos de música escutamos uma voz, a de Krystoffer Rygg que surge num tom de dramatismo solene na segunda metade do derradeiro "Eternal Return". Em boa verdade, não acrescenta grande coisa a este tema caracterizado pelo jogo de paradoxos dos violinos dolentes e os sintetizadores cristalinos, coadjuvados pela profundidade grave do baixo. Pelo contrário, desperta-nos do transe de assistir à beleza e ao mistério da Criação, que é a imagem que melhor descreve a audição descomplexada deste soberbo disco.

Let There Be Light by Sunn O))) & Ulver on Grooveshark
[Southern Lord, 2014]

Sem comentários: