CRASS
Reality Asylum
[Crass, 1979]
Para além de um valente safanão no establishment da indústria musical, o furacão punk que sacudiu o Reino Unido de finais de setentas motivou também todo um movimento sócio-político de oposição e rebelião perante o poder vigente. Neste contexto, tão ou mais marcante que o aspecto meramente musical, tiveram especial relevância os Crass, colectivo de activistas agitadores que viviam os ideais anarquistas que outros usavam como mero adereço. Os seus integrantes adoptavam pseudónimos tão sugestivos como Steve Ignorant, Penny Rimbaud, Joy de Vivre, Eve Libertine, ou Gee Vaucher, e a partir de uma postura de confronto professavam o ateísmo, o feminismo, a defesa dos direitos dos animais, ou o pacifismo. A oposição a qualquer forma de poder é exemplarmente resumida no logotipo adoptado, uma espécie de negação de diversos símbolos de poder e segregação. Apesar do estatuto underground, as suas actividades públicas de ataque ao regime Thatcher, extremamente concertadas e contundentes, levaram a que vivessem sobre vigilância apertada das autoridades. À parte a agenda política, havia no colectivo também um vincado sentido artístico, que abrangia várias áreas, ou não fosse Crass sigla para Creative Recording And Sound Services.
Desde o ano do apogeu punk de 1977 até à extinção em 1984, os Crass deixaram espalhados numerosos registos discográficos em diferentes formatos. No reportório gravado destaca-se "Reality Asylum", tema inicialmente previsto para o EP de estreia, mas que, atendendo ao conteúdo altamente controverso, a banda entendeu auto-editar em formato single. Aquilo que os Crass tinham em mão era, apenas e só, aquele que será eventualmente o tema mais blasfemo alguma vez gravado no universo pop/rock. Duro ataque ao cristianismo, "Reality Asylum" enumera diferentes atrocidades cometidas a coberto da fé cristã, desde o nascimento de Cristo, até à história recente. Além disso, é um tema atípico, chocante até, para ortodoxia punk: sobre uma densa nuvem sonora feita de distorção e manipulação de sons pré-gravados, as palavras, inflamadas e cuspidas por Eve Albertine, são debitadas em puro registo spoken word. Manifesto feminista colocado no b-side, "Shaved Women" é igualmente dado à experimentação, embora com ligeiras concessões à linguagem punk mais corrente. Um e outro tema, perto dos quais as Pussy Riot não passam de mero número de variedades fruto da "geração da internet", tiveram seguramente forte impacto nos movimentos agitprop e riot-grrrl, que representaram o activismo mais radical na música popular das décadas seguintes.
Não sendo propriamente oficial - nem nunca poderia ser, em rebeldes do sistema como os Crass -, o vídeo que vos deixo é uma bem sucedida combinação da força das palavras com a sugestão das imagens:
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