PAVEMENT
Crooked Rain, Crooked Rain
[Matador, 1994]
Numa entrevista recente, Stephen Malkmus confessava a influência que uma certa tendência esgrouviada que tomou conta do underground norte-americano de finais de oitentas teve na formação dos Pavement. A esse propósito, citava bandas como os Sun City Girls, os Bongwater e, claro está, os impagáveis Butthole Surfers. Porém, a ser sincera a confissão, tal não se sente sobremaneira em Slanted And Enchanted (1992), o fulgurante álbum de estreia que se seguiu a uma porção de EPs de baixa-fidelidade que causaram grande burburinho. Naquele disco, sem pudores, a banda bebia directamente da fonte dos britânicos The Fall, também estes banda arredia aos estereótipos pop, sem contudo merecer reparos ácidos de Mark E. Smith que seriam previsíveis.
Curiosamente, a tendência para o absurdo que se tornaria imagem de marca dos Pavement, cresce em Crooked Rain, Crooked Rain, segundo álbum que por sinal marcou a estabilização como banda propriamente dita, e não de um colectivo de experimentalistas de estúdio à volta de Malkmus e do guitarrista Scott Kannberg. Para tal, muito contribuiu a saída do irreverente baterista Gary Young, e a substituição deste pela dupla Steve West e Bob Nastanovich, conferindo à banda uma disciplina que antes estava ausente. A consistência ganha é notória em Crooked Rain..., que do regime lo-fi do começo pouco preserva, ao apresentar uma dúzia de temas que à superfície poderiam ser relativamente convencionais se um impulso subversivo não estivesse no código genético da banda. Tome-se como exemplo "Silence Kit", logo o tema de abertura, que aparentemente está em sintonia com as tendências guitarrísticas pós-grunge. Porém, as vozes acriançadas de falsetto forçado, e os solavancos beefhearteanos da parte final, afastam qualquer ideia de normalidade. Relativamente mais ortodoxo, também "Elevate Me Later tem a sua dose de vozes ensandecidas, bem como um interlúdio noisy. Pegue-se ainda em "Cut You Hair", um quase-hit que é quase sunshine-pop, não fossem as onomatopeias tolas e a letra indecifrável. Neste, Stephen Malkmus especializa-se naquela estilo próprio, semi-falado e de pontuação pouco perceptível. Bons exemplos desta técnica são também os mais pausados "Stop Breathin'" e "Heaven Is Truck" (atente-se nos títulos), mas o expoente é o soberbo "Gold Soundz". Em qualquer destes temas ainda não chegamos a qualquer conclusão quanto às letras: se são apenas disparate pegado, ou se são da mais refinada poesia nonsense. Há, no entanto, momentos de inteligibilidade, como em "Range Life", porém compensada com o sarcasmo corrosivo de Malkmus, que não poupa nos recados há convivência inter-bandas nos festivais rock, inclusivamente citando nomes (Stone Temple Pilots, Smashing Pumpkins). Neste tema, o tom de enfado preguiçoso é sublinhado pela travo country-rock, eventualmente trazido das colaborações de Malkmus nos Silver Jews do amigo David Berman. Cereja no topo do bolo da imprevisibilidade, o instrumental "5 - 4 = Unity" soa a algo que Dave Brubeck faria se tivesse nascido meio século mais tarde, mas também denuncia o apreço dos Pavement pela obra de terrorismo sonoro dos Faust. Por falar em terrorismo, atente-se ainda no desdém sarcástico de um tema intitulado "Hit The Plane Down", este sem segundas interpretações.
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