Antes de os Pixies chegarem à 4AD, para choque dos puristas da editora londrina com a "invasão americana", já lá tinham chegado os Throwing Muses. Na verdade, até foram estes que levaram os outros a reboque, embora a história rapidamente tenha sobreposto os seguidores aos percursores. Diferenças estéticas à parte, as duas bandas que permaneceram amigas foram autênticas pedradas no charco no cenário de finais de oitentas, cada uma com a sua visão pop/rock distorcida e sem comparação na concorrência à época. No caso dos Muses, eram quase chocantes aquelas canções assombrosas e assombradas saídas da mente conturbada de Kristin Hersh, levando-nos a questionar como era possível alguém tão jovem expor os seus traumas de forma tão evidente e crua. Para contrabalançar, a meia-irmã Tanya Donelly contribuía com temas de maior ligeireza pop. Depois da saída desta, insatisfeita com a escassez de canções suas nos discos, a banda entrou num regime de alguma irregularidade temporal das edições, embora qualquer delas ainda merecedora de elogios.
Desde o último trabalho - homónimo - dos Throwing Muses já se conta uma dezena de anos. Neste período, Kristin Hersh aproveitou para se dedicar à carreira a solo, à escrita, e também a projectos paralelos. Com alguma surpresa, o longo silêncio foi interrompido pelo novíssimo Purgatory/Paradise, mais do que um disco, um livro com as letras das músicas, fotos da autoria da banda, e histórias e ensaios saídos da pena de Hersh. A acompanhá-la nesta aventura permanece a fiel secção rítmica, composta por David Narcizo (baterista fundador há mais de trinta anos) e Bernard Georges (baixista há mais de vinte). Na rodela que acompanha o livro encontramos um total de 32 temas, que ocupam mais de uma hora, muitos deles curtos esboços, quase trechos de ligação, outros tantos canções "completas" de puro Muses vintage. Em muitos deles há uma dureza rock que parece recuperada do já longínquo Red Heaven (1992), ou talvez reflexo da experiência punky com os 50 Foot Wave, que envolvem Hersh e Georges. Mas ainda abundam os temas feitos de camadas de luz e sombras, canções pop concebidas sob uma óptica distorcida. Nestes, a autora ainda nos perturba com a suas confissões mais pessoais, que envolvem a vivência com a doença (bipolar) e impulsos suicidas nas entrelinhas. No global, francamente positivo, a grande estrela é a voz amadurecida de Kristin Hersh, ainda com aquele misto de fragilidade e insolência, mas com uma segurança adquirida com o tempo.
"Sunray Venus" [Throwing Music, 2013]
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