SOUL II SOUL
Keep On Movin'
[Ten, 1989]
No idos de oitentas a cultura dance era olhada com alguma desconfiança, até apontada como algo de menor, por parte do público branco e "bem pensante". Só com o impulso hedonista trazido pelo "fenómeno" acid house, e os tratados na arte de samplagem de gente como S' Express ou Bomb The Bass, aquele universo começou a ser olhado com algum respeito, mas talvez ainda não o merecido. O esbater definitivo das barreiras do preconceito, se bem me lembro, só ocorreria com a estreia a solo de Björk - em 1993 -, que arrastou para a dança o público indie-pop dos seus Sugarcubes. No entanto, pelo meio, é inestimável o papel dos Soul II Soul, colectivo londrino idealizado pelos músicos, produtores e DJs Jazzie B e Nellee Hooper, este último, não por acaso, com créditos naquele disco da islandesa.
Inicialmente um sound system animador de convívios dançantes, como era habitual entre a juventude negra do Reino Unido, os Soul II Soul cedo incluíram nos seus sets música da feitura dos seus dois principais estrategas. Eram normalmente singles de pequena tiragem, lançados em white labels, destinados basicamente ao uso pessoal e, eventualmente, a outros DJs com idênticas sensibilidades. Entre esses lançamentos inclui-se Keep On Movin', um single cuja aceitação crescente do tema principal obrigou a uma edição convencional. O sucesso comercial foi galopante, até aos lugares cimeiros do top britânico. A partir deste tema foi gerada toda uma onda de miscigenação entre comunidade negra e branca, que passava ainda pela imagem e pela indumentária. Ouvindo "Keep On Movin'" quase um quarto de século volvido, percebe-se ainda o porquê do apelo daquele espírito de comunhão, que congrega o calor soul, o relaxamento reggae, a cadência da batida hip-hop, e a coolness jazz, sem que se possa restringir apenas a um desses géneros. A mensagem é extremamente positiva, com o protagonismo inevitável para a voz quente e soul de Caron Wheeler, a voz convidada que repetiria a gracinha em "Back To Life", o hit seguinte e definitivo dos Soul II Soul. Em clima de plena euforia e com o Reino Unido rendido a esta onda cool, que encontrava paralelo do outro lado do Atlântico nos De La Soul ou no realizador Spike Lee, seguiu-se o álbum Club Classics Vol. One, um clássico instantâneo que faz jus ao título. Entretanto, a iminente vaga acid jazz, e até os Massive Attack, iam recolhendo apontamentos para proveitos futuros. Infeliz e injustamente, a voragem do tempo terá votado os Soul II Soul a um certo esquecimento, pouco condizente com o estatuto pioneiro que tem de lhes ser reconhecido.
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