"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

First exposure #61
















OLIMPIA SPLENDID

Espírito post-punk, secção faça-você-mesmo, que nos chega das terras frias do norte.

Formação: Heta Bilaletdin (voz, gtr); Katri Sipilainen (bx, voz); Jonna Karanka (gtr, voz)
Origem: Helsínquia [FI]
Género(s): Post-Punk, No-Wave, Noise-Rock, Lo-Fi
Influências / Referências: The Raincoats, LiLiPUT, Mars, Theoretical Girls, Ut, Can, Magik Markers, Sonic Youth, Public Image Ltd.

"Jukka-Pekka" [Fonal, 2013]

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Objecto estranho

















Quando se tornaram um sério "fenómeno" underground, os No Age traziam ao mundo uma proposta arrojada, que consistia em esboços de canções atropeladas por nuvens de distorção e muita adrenelina juvenil. Tal fórmula, a que alguém chamou dream-punk, seria aprimorada no superlativo Nouns (2008), álbum de estreia que confirmou as altas expectativas criadas por inúmeros formatos mais pequenos. Não sendo o mau disco, longe disso, o sucessor procurava novas vias, apostando numa linguagem mais directa, mas redundando em mera expressão do angst juvenil que já ouvíramos de outras proveniências.

Com um hiato de três anos no que respeita a álbuns, a dupla teve tempo para controlar tais ímpetos, e confrontar-se com a idade adulta. Como resultado de tal ponderação, com o novo An Object temos uns No Age com novo fôlego, recuperando truques do passado, mas evoluindo enquanto banda a ter de novo em conta. As doses de distorção e feedback são significativas, mas não usadas de uma forma opulenta, antes como interferências estranhas em onze temas - normalmente curtos - que procuram uma melodia. A baixa-fidelidade é uma opção, com uma certa rugosidade baça a cobrir a epiderme de cada tema. Substancialmente contido em termos de energia, An Object deixa entrever um certa sensação de tédio, mesclada com uma frieza austera que nos parece recuperada de alguns exemplares post-punk. A militância arty de bandas de bandas daquele período, como os Wire ou os Gang of Four, é também repescada na temática do álbum, cujo título deriva da seu entendimento como objecto de consumo. São as políticas existencialistas e sócio-económicas novamente na ordem do dia, portanto.

"An Impression" [Sub Pop, 2013]

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Mil imagens #44



Blur - Click Studios, Londres, 1991
[Foto: Tom Sheehan]


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Oui, c'est la folie















Com o finamento dos The Smiths, coube a bandas como The Wedding Present, The House of Love, ou Kitchens of Distiction preencher o vazio deixado em quem procurava na pop alguma emotividade. A estes últimos ainda coube a tarefa de abrir caminho para os delírios sónicos espectrais da vaga shoegazer. Principalmente com o primeiro par de álbuns - os mais recomendáveis - dos quatro que deixaram gravados entre finais de oitentas e meados de noventas. Por outro lado, a sua música recuperava a grandiosidade romântica de uns Echo & The Bunnymen, bem como as guitarras tremeluzentes de uns Cocteau Twins. Não obstante a banda ter caído num certo esquecimento, a matriz foi reutilizada no primeiro disco (o que interessa) de uns tais Interpol, assim como decerto terá inspirado os escoceses The Twilight Sad.

Desde o fim da banda, o frontman, baixista e letrista, Patrick Fitzgerald tem andado a pregar aos peixes, primeiro como Fruit, depois como Stephen Hero. Pelo menos até à reactivação dos Kitchens of Distinction no ano passado, que, com o trio de sempre, não tardaram em gravar o álbum de regresso. Para os saudosistas, que ainda os há em número considerável, Folly tem a particularidade de manter intacta a sonoridade peculiar da banda. Com um barítono amadurecido, e agora um contador de histórias mais refinado, Fitzgerald canta sobre perda, morte ou alienação com a paixão do passado. A guitarra carregada de efeitos de Julian Swales, que tem ganho a vida a compor para dança, teatro e cinema, ainda divaga entre as torrentes de ruído e a delicadeza cristalina. Quem conhece a obra dos KoD sabe que estes novos temas podem ser sufocantes, por vezes comoventes, mas também extremamente sinceros, já que as letras têm invariavelmente um cunho pessoal. Resumindo, digamos que Folly pode não trazer algo a acrescentar à obra dos seus autores, mas tem para os devotos a gratificação de matar as saudades com a banda ao nível do melhor do seu passado. Para os outros, particularmente os neófitos, talvez este disco venha a tempo de repor a justiça do reconhecimento que os KoD merecem.

Japan To Jupiter by Kitchens Of Distinction on Grooveshark
[3 Loop Music, 2013]

domingo, 24 de novembro de 2013

Mixtape #25: Boom! Boom, Boom, Cha!



Talvez não imaginasse o jovem - mas já ambicioso e perfeccionista - Phil Spector que uma das suas criações haveria de tornar-se uma das músicas pop mais influentes de sempre. Falamos obviamente de "Be My Baby", tema originalmente gravado pelas Ronettes há precisamente meio século. Foi a partir deste hit imediato, constantemente recuperado para "filmes de época", que bandas como os Beach Boys almejaram à a alquimia pop que se lhes reconhece. Mas a sua influência sente-se sobretudo pelos incontáveis temas que surripiam a sua batida inicial, com especial enfoque no espectro indie, principalmente desde que os irmãos Reid recuperaram a Be My Baby drum intro para um dos seus primeiros e mais conhecidos singles. Porém, já antes de os Jesus and Mary Chain terem editado "Just Like Honey", e todo um álbum devedor de Spector, das Ronettes, e dos girl-groups em geral, havia gente a prestar reverência a "Be My Baby" por via do uso da sua batida introdutória. Como se atesta nesta selecção de 20 temas que gostava que tomassem como vossos, recolhidos num hiato temporal que vai da explosão punk ao passado bastante recente. Como de costume, são dois ou três cliques e já está...

[Link]

01. STILL CORNERS - Endless Summer (2011)
02. WAVVES - When Will You Come (2010)
03. LAS ROBERTAS - Street Feelings (2010)
04. THE MANHATTAN LOVE SUICIDES - Head Over Heels (2007)
05. CAMERA OBSCURA - Eighties Fan (2001)
06. THE MAGNETIC FIELDS - Candy (1991)
07. THE PIPETTES - Sex (2006)
08. GIRLS NAMES - I Lose (2011)
09. CLINIC - IPC Subeditors Dictate Our Youth (1997)
10. TELEVISION PERSONALITIES - This Angry Silence (1980)
11. JAY REATARD - An Ugly Death (2008)
12. THE BOYS - Brickfield Nights (1978)
13. THE BOO RADLEYS - Comb Your Hair (1998)
14. JOHNNY BOY - You Are The Generation That Bought More Shoes And You Get What You Deserve (2004)
15. HEFNER - The Weight Of The Stars (1999)
16. VIC GODARD & SUBWAY SECT - Place We Used To Live (1999)
17. GIRLS - Ghost Mouth (2009)
18. WIDOWSPEAK - Ghost Boy (2011)
19. DEERHUNTER - Vox Humana (2008)
20. THE BLACK ANGELS - Ronettes (2010)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Probabilidade de chuva


















É ainda jovem, talvez perto de chegar aos trinta, mas até pode aparentar menos. No entanto, num par de anos, Laurel Halo tornou-se um nome de referência na electrónica actual. A sua proeza ganha maior relevo por ser mulher, neste universo quase exclusivamente habitado pelo género masculino. Tal como muitos dos seus contemporâneos, não é pessoa de se deixar corroer pela estagnação, pelo que, muitas vezes no espaço de meses, lança discos alinhados em tendências completamente díspares. Os primeiros registos, ainda à procura de uma identidade, caracterizam-se por uma certa obliquidade, que não enjeita a experimentação e o abstraccionismo. Bem diferente é Quarantine (2012), magnífico primeiro álbum no qual faz uso da voz sem qualquer pudor de se aproximar do formato canção. O resultado é uma espécie de avant-pop enevoado, que convoca o ambient e extractos sintetizados das chamadas "músicas do mundo", com aquela particularidade dos discos muito especiais que é crescer com as sucessivas audições.

Talvez possa ser uma reacção a algum do relativo imediatismo do antecessor, ou apenas uma transição natural da artista, mas o que é certo é que o novo Chance Of Rain já está extremamente afastado daquele. Desde logo, a voz de Laurel Halo, que se estranhava ao primeiro contacto, está totalmente ausente, assim como aquela atmosfera de apaziguamento, por vezes obscuro, que Quarantine proporcionava. Supostamente, boa parte de Chance Of Rain foi misturado directamente versão final que surge em disco, arte na qual a autora já deu provas de mestria por cá. Por conseguinte, este é um trabalho absolutamente electrónico, com a frieza que tal implica. Porém, Laurel Halo é substancialmente mais focada no desenvolvimento das ideias que no passado, resgatando ideias à chamada IDM de noventas, mas também ao techno de Detroit (as suas raízes estão no Michigan, refira-se). Isso quer dizer que, não obstante a profusão de andamentos em cada tema, Chance Of Rain tem algumas hipóteses de fazer parte do menu de estabelecimentos nocturnos dedicados à dança. Enquanto tal não acontece, e a chuva não passa, vamos aproveitando para ir ensaiando uns passos no aconchego do lar.

Chance of Rain by Laurel Halo on Grooveshark
[Hyperdub, 2013]

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Good covers versions #79

















BOW WOW WOW - "I Want Candy" [RCA, 1982]
[Original: The Strangeloves (1965)]

I Want Candy by Bow Wow Wow on Grooveshark

Não satisfeito com a machadada nas convenções dos Sex Pistols, e não resignado com a declaração de independência de Johnny Rotten, Malcolm McLaren tinha mais uma carta na manga da controvérsia. Para formar os Bow Wow Wow começou por aliciar a banda de Adam Ant a abandonar o líder. Bem sucedido neste golpe baixo de empresário que não olha a meios, conquistou para a nova criação as chamadas Burundi beats, marca identitária dos The Ants, que se caracterizava por uma batida ritualista, fortemente enraizada em África e altamente rítmica. Para compor o quadro, escolheu para completar a formação vocalista Annabella Lwin, uma adolescente de 13 anos a quem foram dadas ordens para cantar letras de sentido implicitamente provocatório, com nada de inocente. O resultado deste mistura de groove e perversão não poderia ser outro que não as ondas de choque provocadas no contexto da new-wave britânica.

Depois de já ter aparecido nua na capa do primeiro álbum, numa recriação de Le déjeneur sur l'herbe de Manet, Lwin foi posta a cantar "I Want Candy", um tema que na versão original dos sixties tinha obtido sucesso considerável pela mão dos The Strangeloves. Com a letra ligeiramente alterada para se adequar à mudança de género do intérprete, esta é uma música que cai que nem ginjas no plano de McLaren: sentido dúbio, entre uma certa inocência que pretende disfarçar o alto cariz sexual. Isto sem esquecer a batida do original, obviamente inspirada na Bo Diddley beat, marca forte da influência do tribalismo africano nos primeiros tempos do rock'n'roll. Como tal, para além das alterações referidas, e da produção modernaça ao sabor do "futurismo" de inícios de oitentas, a nova versão de "I Want Candy" não necessitou de grandes alterações para caber no plano estratégico traçado. Talvez pelo reconhecimento da música, ou pela rodagem insistente nos primeiros anos da MTV, este acabou por ser o tema que acabou com a resistência do público americano aos Bow Wow Wow, tornando-se aí um êxito à altura do original dos Strangeloves. Sobre estes, interessa referir que eram uma banda ficcionada (prática comum nos sessentas), com três personagens alegadamente criados numa quinta da Austrália. Na realidade eram três hitmakers norte-americanos já com sucessos escritos para outrem em carteira. Foi um projecto de curta duração, ali na passagem do testemunho das beat bands para as garage bands, mas com um punhado de hits que ficaram retidos na memória colectiva. Portanto, uma carreira com muitos paralelismos com a dos Bow Wow Wow.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Walking on thin ice

















Parece que ainda foi ontem, mas já passou praticamente uma década desde que, nas franjas do rock, as milhentas ramificações do noise estavam na ordem do dia. Entretanto, muitos dos nomes associados a esse surto súbito desapareceram do mapa, a maioria regrediu ao reduto ultra-underground de onde provinha. Em sentido contrário, os Magik Markers são um dos raros casos de ganho de visibilidade, sacrificando para isso alguns princípios, e aproximando-se de um modus operandi mais estandardizado. Na memória de uns quantos que tiveram a felicidade de assistir a qualquer concerto do trio do Connecticut nos primeiros tempos ainda permanece a imagem da banca de merchandise, recheada de dezenas de edições, por entre álbuns propriamente ditos, CD-Rs e 7'' de tiragem limitadíssima. Esse frémito de criação só abrandou quando a banda ficou reduzida ao duo da vocalista/guitarrista Elisa Ambrogio e do baterista Pete Nolan. Foi com esta formação que lançaram Boss (2007) e Balf Quarry (2009), dois álbuns de distribuição alargada, com aproximações claras ao formato de canção, facção sónica.

Numa banda caracterizada pelo impulsividade dos primeiros tempos, já se estranhava a falta de novidades desde há quatro anos. Neste hiato, os Magik Markers voltaram a ser um trio, com a inclusão do baixista John Shaw, e prepararam, em períodos alternados, o novíssimo álbum Surrender To The Fantasy. Alegadamente gravado entre o sótão de J Mascis e a cave dos pais de Ambrogio, este é, segundo a banda, um disco resultado do reavivar do prazer de compor em regime jam, agora sob uma perspectiva "adulta". Pelas condições em que foi concebido, é, obviamente, um disco caracterizado pela baixa fidelidade, embora com o conjunto de canções mais dignas desse nome que os Magik Markers já nos ofereceram. Há a ligá-las uma estranha sensação de fragilidade, apenas interrompida nos breves instantes em que a banda ainda se deixa tentar pelos espasmos noisy. A voz de Elisa Ambrogio, outrora colérica, é agora contida, muitas vezes apenas um murmúrio, outras enevoada por uma rugosidade subtil. Umas vezes surge acompanhada apenas pela guitarra acústica, outras também pelo lamento de um violoncelo, outras ainda pelas texturas de velhos sintetizadores, quase sempre com um silvo de distorção a irromper no horizonte. Para quem segue os Magik Markers desde há algum tempo, Surrender To The Fantasy poderá ser um disco que se estranha, com fortes probabilidades de se entranhar. Para os outros, este poderá ser ponto de partida para a relação com uma banda em momento de viragem, eventualmente para algo de maior.

 
"Ice Skater" [Drag City, 2013]

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Discos pe(r)didos #74









THE CHILLS
Submarine Bells
[Flying Nun, 1990]




Falar dos The Chills equivale a falar de Martin Phillips, vocalista, compositor, e único membro permanente na banda, já que todos os outros não resistem aos longos hiatos de silêncio em mais de três décadas de história. Falar dos The Chills é também falar de um dos vértices do triângulo fundamental - a par de The Clean e Tall Dwarfs - do rico espólio indie-pop da Nova Zelândia, com fortes repercussões no chamado college rock dos Estados Unidos. Quando comparados com os seus pares, os The Chills tendem menos para a baixa fidelidade, característica que os terá feito mais vendáveis, embora demonstrem o mesmo apreço pelas memórias psicadélicas de finais de sessentas. Em determinado ponto da carreira terão mesmo prometido aspirar a voos mais altos, expectativa gorada pela irregularidade editorial, em boa parte patrocinada pela inconstância de Phillips e a sua longa luta com a dependência da heroína. Para se ter uma ideia, depois de um bom número de singles no período inicial, reunidos na fundamental compilação Kaleidoscope World (1986), o primeiro álbum só chegou sete anos depois da fundação. Depois deste, foram precisos mais três para que houvesse sucessor.

É precisamente por alturas deste segundo álbum que os The Chills ameaçam chegar a públicos mais numerosos, inclusive com a distribuição de uma multinacional nos states. Em comparação com a obra anterior, Submarine Bells aspirava, de facto, a algo de maior, com uma luminosidade pop dominante que era rara no restante catálogo, frequentemente ensombrado pelas canções inspiradas pelas experiências de Martins Phillips com as drogas. A abertura não poderia ser mais exultante do que com "Heavenly Pop Hit", pop majestosa de celebração da vida, tema de traça intemporal. Nos coros, Donna Savage, das conterrâneas Dead Famous People, confere a atmosfera celestial que o título sugere. Idêntica sumptuosidade encontramos em "Tied Up In Chain" e "Part Part Part Fiction", o primeiro com ecos de Television, o último feito da mesma matéria celebratória. A sujidade rock que assomava com alguma insistência no passado está representada em Submarine Bells pela dupla de temas "The Oncoming Day", coberto de pó de estrada, e "Familiarity Breeds Contempt", irrequietude injectada de distorção. Os teclados retro, também extremamente característicos nos The Chills, assomam por todo o lado, mas no gingão "Dead Web" são mesmo a nota dominante. Já no brilhante "Singing In My Sleep", avant-pop de excelência que envergonharia muitos dos estetas celebrados no presente, o ritmo é descaradamente kraut, algo que timidamente aflora em temas avulsos dos The Chills. A encerrar o disco, em registo próximo da canção de embalar, o tema-título é a exultação de uma certa sensação de nostalgia, curiosamente presente em diversas outras bandas das antípodas, sensação essa que percorre também boa parte do restante alinhamento.

A mesma deriva nostálgica está também presente em "Molten Gold", single já desde ano que interrompe um silêncio com nove anos, e que, dizem-nos, antecipa um álbum (apenas o quarto) em preparação. A confirmar-se tal rumor, pela amostra e pela confiança no bom-gosto de Martin Phillips, quase aposto que será um dos acontecimentos pop do ano. De qualquer ano.

Heavenly Pop Hit by The Chills on Grooveshark
 
Singing in My Sleep by The Chills on Grooveshark

Submarine Bells by The Chills on Grooveshark

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O jogo das diferenças #23


HAPPY MONDAYS
Pills 'n' Thrills And Bellyaches
[Factory, 1990]

CURSIVE
Happy Hollow
[Saddle Creek, 2006]

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

To Venus and back

















Antes de os Pixies chegarem à 4AD, para choque dos puristas da editora londrina com a "invasão americana", já lá tinham chegado os Throwing Muses. Na verdade, até foram estes que levaram os outros a reboque, embora a história rapidamente tenha sobreposto os seguidores aos percursores. Diferenças estéticas à parte, as duas bandas que permaneceram amigas foram autênticas pedradas no charco no cenário de finais de oitentas, cada uma com a sua visão pop/rock distorcida e sem comparação na concorrência à época. No caso dos Muses, eram quase chocantes aquelas canções assombrosas e assombradas saídas da mente conturbada de Kristin Hersh, levando-nos a questionar como era possível alguém tão jovem expor os seus traumas de forma tão evidente e crua. Para contrabalançar, a meia-irmã Tanya Donelly contribuía com temas de maior ligeireza pop. Depois da saída desta, insatisfeita com a escassez de canções suas nos discos, a banda entrou num regime de alguma irregularidade temporal das edições, embora qualquer delas ainda merecedora de elogios.

Desde o último trabalho - homónimo - dos Throwing Muses já se conta uma dezena de anos. Neste período, Kristin Hersh aproveitou para se dedicar à carreira a solo, à escrita, e também a projectos paralelos. Com alguma surpresa, o longo silêncio foi interrompido pelo novíssimo Purgatory/Paradise, mais do que um disco, um livro com as letras das músicas, fotos da autoria da banda, e histórias e ensaios saídos da pena de Hersh. A acompanhá-la nesta aventura permanece a fiel secção rítmica, composta por David Narcizo (baterista fundador há mais de trinta anos) e Bernard Georges (baixista há mais de vinte). Na rodela que acompanha o livro encontramos um total de 32 temas, que ocupam mais de uma hora, muitos deles curtos esboços, quase trechos de ligação, outros tantos canções "completas" de puro Muses vintage. Em muitos deles há uma dureza rock que parece recuperada do já longínquo Red Heaven (1992), ou talvez reflexo da experiência punky com os 50 Foot Wave, que envolvem Hersh e Georges. Mas ainda abundam os temas feitos de camadas de luz e sombras, canções pop concebidas sob uma óptica distorcida. Nestes, a autora ainda nos perturba com a suas confissões mais pessoais, que envolvem a vivência com a doença (bipolar) e impulsos suicidas nas entrelinhas. No global, francamente positivo, a grande estrela é a voz amadurecida de Kristin Hersh, ainda com aquele misto de fragilidade e insolência, mas com uma segurança adquirida com o tempo.

 
"Sunray Venus" [Throwing Music, 2013]

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Pequenas transformações
















Olhando para a imagem da pandilha acima, de barbudos e guedelhudos, palpitamos com escassa margem de risco que venham de paragens como a Califórnia. Eles são os White Manna, uma banda que, por razões que a própria razão desconhece, ainda não teve aqui o devido destaque. E eles bem o mereciam com o álbum de estreia homónimo do ano passado, um disco de longas trips ácidas, propícias ao turvar dos sentidos. Pela descrição suponho que já tenham adivinhado que esta é gente que vai beber directamente ao psicadelismo pesadão de inícios de setentas, tendência revivalista bastante concorrida no presente, mas na qual os White Manna se destacam da maioria.

Com o novo Dune Worship, disco que parte de idênticos princípios, o quinteto da cidadezita de Arcata reincide no convite à deriva sensorial. No entanto, logo numa primeira audição, este trabalho permite verificar alguns progressos, bem patentes numa toada mais lenta, diria mesmo mais arrastada. Há um reforço da tendência spacey, com a abundância de ecos, vozes projectadas, e a profusão de sons refractados. Com estas características, este segundo álbum é um mergulho mais profundo nas entranhas da psique, um caleidoscópio que projecta mil cores. Ao ouvi-lo, é impossível não não pensar nos incontornáveis Hawkwind, influência assumida com humildade pelos White Manna, ou até nos espancamentos sónicos dos saudosos Loop. Posto isto, penso que será desnecessário dizer que Dune Worship não traz qualquer novidade ao mundo, apenas e só meia dúzia de temas - longos - feitos com igual medida de reverência e sapiência que irão fazer as delícias de qualquer psychead incondicional.

"Transformation" [Holy Mountain, 2013]

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Ao vivo #113















Pixies @ Coliseu dos Recreios, 09/11/2013

Tenho uma regra auto-imposta de evitar os concertos de chamada grande dimensão. Não, não é uma mania indie, apenas e só constatação resultante da experiência de que a presença das multidões raramente está em sintonia com os espectáculos mais vibrantes e intensos. A acrescer, é certo e sabido que os locais onde normalmente têm lugar (Coliseu ou aquela-coisa-arena) não têm propriamente as melhores condições de acústica para concertos rock. No passado sábado, e com um golpe de sorte de última hora à mistura, abri uma excepção para os Pixies, não só por tudo aquilo que eles representam no meu "crescimento musical", mas também porque nunca me desapontaram nos anteriores encontros, todos já após o regresso ao serviço da indústria da nostalgia.

Às 22 horas em ponto teve início o concerto, e desde o primeiro momento se confirmaram os piores temores relativamente às condições do Coliseu, com um som que, para além de demasiado baixo, tinha algo de unidimensional. Para agravar as primeiras impressões, a parte inicial foi dedicada essencialmente às músicas novas, que não soando propriamente más quando ouvidas isoladamente, sendo mais contemplativas, ficam a perder quando colocadas lado a lado com os inúmeros "clássicos" puramente lúdicos do catálogo dos Pixies. Este sabor agridoce prologou-se durante cerca de meia hora, mas dissipou-se, mesmo sem quaisquer melhorias técnicas, quando começaram a surgir de rajada os ditos "clássicos", um a seguir ao outro e não raras vezes acompanhados em uníssono pelo público. Nesta fase é difícil permanecer quieto sem incomodar a vizinhança, acto de rebeldia desencorajado pela atitude da maioria da assistência - na generalidade na casa dos trinta e muitos ou quarenta e poucos -, mais dada às irritantes palminhas sincopadas do que ao confronto físico. O crescendo de euforia tem o seu pico já perto do final do alinhamento principal, quando os Pixies, ao seu melhor estilo, descarregam uma boa meia dúzia de temas sem qualquer paragem, arruinando as reservas de energia e o fôlego de qualquer um, mas provocando uma agradável sensação de êxtase. Se havia reservas de algum cepticismo relativamente à substituição de Kim Deal pela nova recruta Kim Shattuck, a postura desta, irrequieta e enérgica como a outra nunca foi, conquistou a assistência. Sobre Joey Santiago apetece dizer que os seus riffs incisos não perderam ainda o seu efeito delirante. Quanto a Black Francis, em excelente forma vocal, a maturidade não lhe retirou a tendência para derivar para pequenos acessos de loucura, que ganham expressão nos muitos e súbitos assomos de berraria.

Quanto à parte do alinhamento mais do agrado do público, sobretudo centrado nos dois primeiros e fulgurantes álbuns, convém referir que Bossanova (1990) foi totalmente esquecido. Quanto a Trompe Le Monde (1991), outrora mal amado, mas reavaliado em alta com o passar dos anos, foi condignamente representado. Curiosamente, dos temas deste último desiludiu o incendiário "Planet Of Sound", talvez porque entalado naquele começo mortiço, e por isso menos devastador que o habitual. No entanto, volvida mais de hora e meia, aquele começo periclitante parecia já uma memória distante, depois do desfile de temas de excelência que se seguiu. Resumindo, no global este foi um concerto de nota alta, ambora mais desequilibrado que quaisquer dos outros dos Pixies a que anteriormente assisti.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Surf's up!














Já na recta final do ano passado, surpreenderam com um disquinho de temas curtos, quase telegráficos, que embora recuperando algumas boas sonoridades já com uma vintena de anos, tinha uma frescura pouco usual nos tempos que correm. Falo-vos dos Swearin', quarteto de nova-iorquinos deslocados em Filadélfia, que, com o seu álbum de estreia homónimo, nos presenteou com aquela pop de guitarras irrequietas e impregnada de espírito punky, capaz de fazer as delícias de qualquer teen spirit eterno.

Pouco mais de doze meses volvidos, voltam à carga com o igualmente recomendável Surfing Strange, um trabalho que, numa primeira abordagem soando a mais do mesmo, se revela um passo evolutivo seguro. Ainda partindo das boas memórias do indie-rock norte-americano da primeira metade de noventas, é um disco que se caracteriza pelo recrudescer da sonoridade dos Swearin', algo que os primeiros segundos, em regime acústico, não fazem adivinhar. Intocável pela maior dureza fica o apelo pop dos onze novos temas, feitos de melodias infecciosas e as sempre eficazes alternâncias feminino/masculino das vozes de Allison Crutchfield e Kyle Gilbride. Desta dinâmica resultam diferentes sensações, num clima de relativa maior seriedade que no antecessor: ela transpira lascívia, disfarçada por uma falsa ingenuidade, tal como nos melhores momentos de The Breeders ou dos saudosos Belly; ele é mais corrosivo, até algo entediado, por vezes fazendo uso do cinismo próprio de um Stephen Malkmus dos primeiros Pavement. Portanto, se buscam a última novidade que irá mudar irremediavelmente o mundo pop, não a procurem em Surfing Strange. Aqui apenas vão encontrar um conjunto de temas capazes de vos provocar um recuo no tempo de vinte anos, com o reviver do mesmo júbilo juvenil de então. O que já não é nada mau, pois não?

 
"Dust In The Gold Sack" [Salinas, 2013]

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Ao vivo #112














Dean Blunt @ Teatro Maria Matos, 05/11/2013

Embora seja ainda um nome que não circula com insistência na boca das massas, é indesmentível que Dean Blunt seja já um dos músicos mais relevantes dos nossos dias. E também dos mais imprevisíveis na trajectória. Basta lembrar a evolução desde a revelação ainda como Hype Williams (juntamente com Inga Copeland), uma lufada de ar fresco no universo da electrónica, com um pé nas tendências vigentes entre artistas britânicos, e outro na minimal wave de um passado já algo distante. Desde o ano transacto, e em nome próprio, evoluiu para formas de expressão relativamente mais convencionais para os parâmetros pop, mas ainda algo improváveis, abarcando tanto a soul como a música erudita contemporânea, sem esquecer a técnica cut'n'paste que o notabilizou. Tudo começou com o EP The Narcissist II e teve prolongamento no álbum The Redeemer, já deste ano. São dois trabalhos que têm de ser vistos como complementares, o primeiro expositor de uma relação em desagregação, o segundo uma espécie de redenção após a separação.

É este último disco que Dean Blunt traz ao Maria Matos, não para o apresentar na íntegra, mas para nos brindar com uma encenação das confissões e reflexões que o percorrem. A leitura do folheto oferecido à entrada para o espectáculo anuncia-nos o cariz teatral do mesmo, algo que nos faz aumentar a curiosidade para o que a próxima hora nos reserva. Independentemente desse conhecimento prévio, tudo o que se passa no palco, num nível abaixo do da bancada é uma surpresa. A longa introdução, em completa escuridão e ao som de uma chuva diluviana faz aumentar o mistério. Ainda no escuro, Dean Blunt senta-se ao piano por breves instantes. Quando a luz tímida nos permite vislumbrar algo, já este tem um microfone à frente e um segurança daqueles gorilóides atrás. Este figurante aí havia de permanecer, imóvel, durante todo o espectáculo. Nas colunas ecoam sons pré-gravados, um trompetista invisível solta umas notas, e na penumbra um ser feminino vagueia, entra e sai de cena. Ela é Joanne Robertson, cantora e guitarrista convidada em The Redeemer que aqui representa a outra metade do casal dissoluto. Antes de colocar a voz profunda, Dean Blunt, hesita, contorna o segurança, reaproxima-se do microfone, parece querer rebentar num acesso de fúria, e hesita de novo. É toda uma encenação de desconforto perante a outra parte, e também de algum remorso. O mesmo desconforto contagia o público, levado a partilhar esta exibição da intimidade alheia. No final, já só com Joanne, mais a sua voz delicada e a sua guitarra desalinhada, em palco, toda a tensão se esvai. Neste momento, sentimos ter presenciado algo de especial, um espectáculo único, por um lado extremamente simples, por outro não menos intenso.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Singles Bar #89









SOUL II SOUL
Keep On Movin'
[Ten, 1989]




No idos de oitentas a cultura dance era olhada com alguma desconfiança, até apontada como algo de menor, por parte do público branco e "bem pensante". Só com o impulso hedonista trazido pelo "fenómeno" acid house, e os tratados na arte de samplagem de gente como S' Express ou Bomb The Bass, aquele universo começou a ser olhado com algum respeito, mas talvez ainda não o merecido. O esbater definitivo das barreiras do preconceito, se bem me lembro, só ocorreria com a estreia a solo de Björk - em 1993 -, que arrastou para a dança o público indie-pop dos seus Sugarcubes. No entanto, pelo meio, é inestimável o papel dos Soul II Soul, colectivo londrino idealizado pelos músicos, produtores e DJs Jazzie B e Nellee Hooper, este último, não por acaso, com créditos naquele disco da islandesa.

Inicialmente um sound system animador de convívios dançantes, como era habitual entre a juventude negra do Reino Unido, os Soul II Soul cedo incluíram nos seus sets música da feitura dos seus dois principais estrategas. Eram normalmente singles de pequena tiragem, lançados em white labels, destinados basicamente ao uso pessoal e, eventualmente, a outros DJs com idênticas sensibilidades. Entre esses lançamentos inclui-se Keep On Movin', um single cuja aceitação crescente do tema principal obrigou a uma edição convencional. O sucesso comercial foi galopante, até aos lugares cimeiros do top britânico. A partir deste tema foi gerada toda uma onda de miscigenação entre comunidade negra e branca, que passava ainda pela imagem e pela indumentária. Ouvindo "Keep On Movin'" quase um quarto de século volvido, percebe-se ainda o porquê do apelo daquele espírito de comunhão, que congrega o calor soul, o relaxamento reggae, a cadência da batida hip-hop, e a coolness jazz, sem que se possa restringir apenas a um desses géneros. A mensagem é extremamente positiva, com o protagonismo inevitável para a voz quente e soul de Caron Wheeler, a voz convidada que repetiria a gracinha em "Back To Life", o hit seguinte e definitivo dos Soul II Soul. Em clima de plena euforia e com o Reino Unido rendido a esta onda cool, que encontrava paralelo do outro lado do Atlântico nos De La Soul ou no realizador Spike Lee, seguiu-se o álbum Club Classics Vol. One, um clássico instantâneo que faz jus ao título. Entretanto, a iminente vaga acid jazz, e até os Massive Attack, iam recolhendo apontamentos para proveitos futuros. Infeliz e injustamente, a voragem do tempo terá votado os Soul II Soul a um certo esquecimento, pouco condizente com o estatuto pioneiro que tem de lhes ser reconhecido.


domingo, 3 de novembro de 2013

Ao vivo #111















A Place to Bury Strangers + Bambara @ Centro Cultural do Cartaxo, 02/11/2013

Não é apenas a austeridade dos tempos que me faz ser cada vez mais criterioso na escolha de concertos a ir, mas sobretudo o medo de uma eventual desilusão. No caso dos nova-iorquinos A Place To Bury Strangers, a indecisão até a uma data próxima da do concerto prendeu-se principalmente com dois motivos: o entusiasmo nulo relativamente à obra mais recente do trio, e o temor de uma possível mancha na boa memória de um concerto passado na capital espanhola, na altura ainda deslumbrado com o brilhantismo sob a forma de descarga sónica do primeiro álbum (e repetido, se não melhorado, no segundo).

Em boa hora tomei a decisão acertada, pois, pese embora o desinspirado Worship (2012) seja o prato forte do espectáculo, os A Place To Bury Strangers são ainda um caso sério em cima de um palco, uma descarga de electricidade e ruído que não deixa nenhum adepto do alto volume sonoro indiferente. É óbvio que não são particularmente originais, e que têm a seu desfavor alguns tiques "góticos" que se têm agudizado recentemente. Mas até neste último factor conseguem exibir algum bom-gosto, revelando apenas uma afeição pela escuridão nocturna e as temáticas dos amores no fio da navalha, sem resvalar para as patetices da devoção necrófila. A simpatia pela escuridão corporiza-se em palco no jogo cénico, não raras vezes mergulhando o auditório do CCC na total ausência de luz. Como nem só de música de faz um concerto rock, os APTBS são também um inteligente exercício de estilo, desde logo pelo abuso da escuridão e dos fumos, mas também pelo recurso insistente a strobs, tudo factores que potenciam a densidade da massa sonora que vem do palco. Inclusive na postura há algo de estudado, como por exemplo a destruição de duas guitarras por parte de Oliver Ackermann, número que saiu demasiado perfeito para que acreditemos não ser encenado. Face à frieza desta análise clínica, não se julgue que entro em contradição com o começo deste parágrafo, pois com todas as suas idiossincrasias, os APTBS ainda são daquelas bandas capazes de levar a adrenalina a níveis elevados, preferencialmente em salas sem o rigor dos lugares sentados, como foi o caso de ontem. A seu favor, face à inúmera concorrência da "escola sónica" contemporânea, terão sempre a omnipresença de uma linha melódica, o que faz dos seus temas, descargas de ruideira à parte, canções dignas desse nome. A este propósito, é inevitável compará-los com os conterrâneos e companheiros de estrada Bambara, responsáveis pelo aquecimento com uma massa sonora de volume bem alto e distorção, algo indistinta para quem já não é facilmente impressionável.