"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

domingo, 24 de fevereiro de 2013

To here knows when

















Há três semanas exactas, nesses mundos virtuais das webzines e das chamadas redes sociais, o tema do dia, tratado com uma euforia incomum, era o lançamento do novo álbum dos My Bloody Valentine. Compreende-se o fenómeno, pois trata-se do disco mil vezes prometido e outras tantas adiado finalmente a ser lançado, mais de vinte e um anos depois do antecessor. Seguiram-se as reacções escritas, ainda a quente. A prudência aconselhou-me a aguardar alguns dias, pelo menos os necessários para assimilar convenientemente cada pormenor por entre os interstícios das muitas camadas da música. Afinal de contas trata-se da banda de Loveless (1991), aquele álbum com reacções calorosas mas bastante restritas ao começo que, talvez, só na última dúzia de anos, com a democratização da internet e as insistentes referências nesse meio, se tornou disco de adoração dos mais diversos públicos. Igual sorte não tiveram, por exemplo, bandas como os Seefeel ou Flying Saucer Attack, contemporâneos dos My Bloody Valentine de inícios de noventas e também eles estetas sonoros extremamente inovadores. Mas adiante...

O primeiro contacto com o singelamente intitulado m b v não podia deixar pior impressão, pois a capa em tons de roxo é de uma qualidade duvidosa, um hipotético trabalho de qualquer leigo dos programas informáticos de tratamento gráfico. O alinhamento, com uns comedidos nove temas, revela a contenção que, presume-se, Kevin Shields não tenha em relação ao aperfeiçoamento sonoro, mania que poderá ter estado na origem dos sucessivos atrasos deste terceiro álbum da banda. Às primeiras audições a primeira conclusão é de que não estamos propriamente na presença de uma sequela de Loveless, com o quarteto a saber esquivar-se à repetição das estruturas elípticas e aos sons quase liquifeitos daquele. É no entanto um disco que revela progressos na identidade dos My Bloody Valentine sem que, no entanto, enjeite relembrar a maior simplicidade do longa-duração de estreia (Isn't Anything, de 1988), um tratado de canção pop imerso em fuzz

Essas familiaridades são bem evidentes no primeiro trio de temas, um dos três sucessivos grupos de temas que é possível distinguir no alinhamento. Sem o carácter explosivo de outrora, "She Found Now", "Only Tomorrow" e "Who Sees You" são pérolas pop adulteradas por um constante crepitar de ruído. No segmento intermédio, os My Bloody Valentine dão largas à sua faceta mais sonhadora, com um trio de temas contemplativos e indutores de um estado de sonambolismo. Se a grande novidade se situa neste trecho do disco, com o órgão omnipresente e os apontamentos digitais em "Is This And Yes", o mergulho nas sensibilidades electrónicas fica guardado para a parte final de m b v. Não propriamente na matéria prima, exclusivamente "orgânica", mas sobretudo no modus operandi, com um trio de temas dados aos abstraccionismos e ao truque da repetição característicos de algumas sonoridades da música electrónica. É nesta fase do disco que os My Bloody Valentine libertam maior carga de energia, sobretudo na galopante bateria, que se presume de Colm Ó Cíosóig, da descarga de adrenalina que é o instrumental "Nothing Is". Dizemos que se presume porque, em entrevista recente, a baixista Debbie Googe deixava escapar que m b v tinha sido concebido e gravado na íntegra por Kevin Shields, à excepção da voz de Bilinda Butcher que, por sinal, assume o protagonismo vocal na esmagadora maioria dos nove temas. A ser verdade, o geek de estúdio desenvolveu mais um trabalho fascinante,  tão maravilhoso que quase lhe perdoarmos as birras, as depressões e o propalado estado de quase hibernação, factores que nos levaram a acreditar que m b v nunca veria a luz do dia. Desde que não nos deixe outra vez vinte e um anos e três meses à espera, claro...

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