(*) Por se entender que a partir do ano da graça de 2003 o nível qualitativo das edições discográficas caiu a pique, abandona-se a rubrica que celebrava a década completa de alguns discos da vida deste que vos escreve. Em sua substituição, recuamos duas décadas no tempo, até ao "período formativo" do mesmo sujeito.
THE THE
Dusk
[Epic, 1993]
Com Mind Bomb (1989), o disco que recebeu o reconhecimento público que os três anteriores não tinham merecido, os The The deixaram de ser apenas o projecto de Matt Johnson e passaram a ser uma banda propriamente dita. No quarteto que se estabeleceria por alguns anos destacava-se o ex-Smiths Johnny Marr, o guitarrista mais valorizado da sua geração dando início à sua aventura musical mais duradoura. As mais-valias do envolvimento deste são notórias, num lote de canções mais próximas da intemporalidade do que propriamente dos impulsos new-wave de outros tempos.
Um hiato de três anos foi o bastante para olear a dinâmica do grupo, surgindo ao fim deste tempo os The The com o álbum mais competente e coeso de toda a sua carreira. E também o mais pessoal, já que, em Dusk, Matt Johnson parece menos preocupado com as generalidades sócio-políticas à luz dos ideais de esquerda. As letras falam agora de questões do amor e da carne, quase sempre enegrecidas pela sombra da solidão. Com canções mais escorreitas, os resquícios de avant-pop restringem-se a um par de temas: "True Happiness This Way Lies" e "Lung Shadows". O primeiro, que abre o disco com Johnson em modo de mestre de cerimónias, é mais falado que cantado, e o último é um semi-instrumental nocturno com pinceladas jazzísticas. Por sinal, são estes os temas menos memoráveis de Dusk. No pólo oposto está "Love Is Stronger Than Dead", o tema de maior carga espiritual saído da pena de Johnson que é uma balada a aspirar a uma grandiosidade que não conhecíamos nos The The. Portanto, está a milhas de distância da discrição letárgica dos temas mais calmos de Mind Bomb, aqui vagamente evocada em "Bluer Than Midnight" e "Lonely Planet", estrategicamente dispostos no fim do alinhamento. Neste último, um esclarecedor "If you can't change the world, change yourself" certifica-nos que estamos agora a presença de um letrista que já desistiu das batalhas políticas. No capítulo dos destaques é também incontornável "Dogs Of Lust", misto de sujidade, energia e tensão sexual que valeu aos The The uma inesperada exposição nos canais mais convencionais, talvez porque em consonância com as guitarras "alto e bom som" que faziam as delícias do mainstream na altura. Ao trabalho notável de Johnny Marr, quer nas cavalgadas da guitarra quer na harmónica, juntam-se as vocalizações distorcidas de um Matt Johnson próximo do demoníaco.
Atendendo à paixão deste último pelas músicas da América, não podiam faltar em Dusk as referências às raízes ianques. Estão bem patentes, sobretudo o honky-tonk, em "Slow Emotion Replay" e em "Helpline Operator". No primeiro, cujo título é um excelente jogo de palavras, a acústica (guitarra, hamónica) dita as regras, enquanto o último é um portento groovey por via da guitarra wah-wah de Johnny Marr, no seu segundo momento de maior de inspiração do disco. Por oposição a este balanço, a letra de "Helpline Operator" faz-se de confissões de solidão nocturna, no fundo a temática central de Dusk, mas aqui levada a um extremo de sublimação.
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