"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

domingo, 20 de janeiro de 2013

A dança moderna


















Talvez só com rival à altura em Mark E. Smith, David Thomas é um dos maiores agitadores da história do rock. Em meados da década de 1970, entre a pedrada no charco dos Velvet Underground e a miríade de ideias propiciadas pela "revolução" punk, em Cleveland, Ohio, fundou os Pere Ubu, banda cujo único propósito era gravar um par de singles e depois extinguir-se. O plano inicial foi alterado, e há 35 anos precisos editaram The Modern Dance, disco de referência na facção mais obtusa do rock que deixou descendência, porém incomparável com os Pere Ubu, ainda hoje únicos no seu reduto. Designaram-nos de avant-garage e de art-rock, mas estes ou quaisquer outros rótulos pecarão sempre por defeito na definição de um projecto verdadeiramente expressionista. Desde aquele disco charneira não houve nem pontos altos nem pontos baixos, apenas um conjunto já considerável de trabalhos à margem das tendências do momento e constantes alterações na formação (ainda assim relativamente menos que nos The Fall, do citado Smith), com David Thomas como único elemento constante.

Lançado há coisa de duas semanas, Lady From Shanghai, que do clássico noir de Orson Welles usa apenas o título, é o décimo sétimo registo de estúdio de uma carreira que desafia quaisquer estereótipos. Anunciado pelo seu principal instigador como um "disco de dança", e apesar da importância do elemento electrónico, sem descurar a instrumentação mais ortodoxa, não será propriamente o disco que esperamos ouvir num serão dançante. É, contudo, relativamente acessível para os padrões dos Pere Ubu. A porta de entrada dá-se com "Thanks" que, disfarçado de temas de boas vindas, aproveita a melodia do clássico disco para atirar um subversivo "You can go to hell, go to hell, my belle". A voz de David Thomas, num tom mais falado que cantado, ora sussurrante, ora possuída por um espírito maligno, ainda é usada como um verdadeiro instrumento, naquele modo tão peculiar que ensinou a um tal de Black Francis uma série de truques. Mais uma espécie de ensaio reflexivo, com muitas ambiguidades impenetráveis, com visões muito próprias o mundo em seu redor, Lady From Shanghai tem muito que possa fazer dele mais do que um disco para admiração do habitual geek, do rocker "académico", ou do crítico estudioso. Se não for pedir-vos muito nestes estranhos tempos (ainda para mais de crise) em que isso já deixou de fazer parte dos hábitos de consumo, se só poderem comprar um disco neste ano, comprem este. De preferência acompanhado de Chinese Whispers, o livro/manual de 100 páginas no qual Thomas explica todo o processo de concepção e gravação de Lady From Shanghai. O álbum de música entendido como manifesto artístico, lá está...


"414 Seconds" [Fire, 2013]

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