Penso que já aqui manifestei a aversão pela brigada de poseurs recuperadores do cinzentismo post-punk. Refiro-me concretamente ao infindável número de clones surgidos na senda de um interessante disco de estreia, eventualmente um acidente de percurso atendendo à mediocridade do trabalho posterior da banda que o criou. Vistas bem as coisas, sem saudosismos motivados por jovens indivíduos que se penduram em cordas, não distingo a metodologia da maior parte daquela que normalmente é adoptada pelas boy-bands, com uma pose e uma cartilha de clichés previamente estudados. No entanto, na nova vaga daquilo a que vulgarmente se chama "urbano-depressivo" (os americanos chamam-lhe mope rock), há bandas que são recomendáveis excepções, sobretudo quando, apesar de partirem das mesmas premissas daquela linha de montagem, revelam alguma personalidade por via da imprevisibilidade.
Nesta última categoria cabem os norte-americanos Merchandise, uma banda que, apesar da sua recente fundação, tem já uma discografia digna de nota. Nas edições que surgem em catadupa nota-se um aprimorar de uma fórmula própria, algo que no recente Totale Night terá atingido o zénite. São de Tampa, na Florida, cidade com forte tradição em sonoridades extremas como o death-metal e o hardcore. Os próprios membros dos Merchandise têm passado ligado a tais tendências, experiência essa que terá sido determinante para a expressão musical da banda. São, portanto, uma banda que rejeita o polimento, não têm medo das imperfeições, e revelam uma veia noisy. Para o barulho atiram a opressão glaciar dos PiL de Metal Box, as batidas mecânicas dos Joy Division, e as guitarras cortantes em ambiente saturado dos The Cure de Pornography. Ao contrário da maioria dos vocalistas deste género de propostas, que optam por uma certa discrição, Carson Cox chega-se à frente da muralha sonora sem pudores, muitas vezes numa cadência própria de um tal Morrissey, faltando-lhe, contudo, o chorrilho de referências bibliográficas. Em pouco mais de meia hora, Totale Night resume-se a cinco temas, na sua maioria de duração muito para além do que é o convencional. Esta particularidade é um dos trunfos dos Merchandise, já que a longa - e por vezes lenta - fluência dos temas, fazendo uso constante da repetição, ajuda à propagação de um negrume quase indolente.
[Night People, 2013]
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