"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

sexta-feira, 15 de março de 2013

(You Make Me Feel Like) A Natural Woman



















Antes de mais, interessa contextualizar a ignição dos Rhye, ocorrida no encontro, por motivos meramente profissionais, de Mike Milosh e Robin Hannibal, o primeiro canadiano, o último dinamarquês, ambos músicos e produtores. Porém, o momento determinante para a materialização da coisa aconteceu no reencontro, já em Los Angeles. Consta que Hannibal encontrava-se ali deslocado na peugada da mulher amada, enquanto que Milosh já se tinha estabelecido na cidade dos anjos também por motivos amorosos. Do feliz acaso, nasceu a vontade de escrever e gravar canções que exprimissem o bom momento das vidas sentimentais de ambos.

Quando os primeiros temas começaram a ser divulgados, com a dupla a fazer questão de manter as identidades em total segredo, o mundo questionava a quem pertenceria a voz feminina, carregada de suavidade e enlevo soul. Foi com enorme surpresa que se soube, já perto da data do lançamento do álbum motivo desta prosa, e depois do fim do secretismo, que aquela voz era masculina, mais concretamente a de Mike Milosh. Nos dez temas do disco, não por acaso intitulado Woman, o cantor não só baralha os conceitos da "voz" em termos de "género", como assume uma sensibilidade do ponto de vista feminino. O clima, envolto em pop com tempero soul de extrema sofisticação, roça muitas vezes as fronteiras do erotismo. Nas diferentes apreciações do álbum, tem-se referido nomes de gente como os Blue Nile, Sade, ou Tracey Thorn para estabelecer comparações. À parte a serenidade reinante, anularia à partida os paralelismos com a banda escocesa, normalmente mais soturna. Quanto às duas moças, Milosh tem de facto alguns tiques que no-las trazem à memória. E é tudo. Convém dizer que Woman é um disco de matriz sintética, não indiferente aos desenvolvimentos da "música de dança", enriquecido por pontuais incursões de cordas, sopros, e linhas de baixo voluptuosas, com um meticuloso trabalho no detalhe só ao alcance de gente com experiência no trabalho de produção. A ter de lhe equiparar qualquer outro disco, relembraria 24 Years Of Hunger (1991), trabalho isolado da dupla britânica Eg & Alice, ele desertor de uma boy-band, ela modelo fotográfica e ciclista consagrada, que constitui um dos álbuns mais injustamente esquecidos do último quarto de século. Se no caso deste a injustiça advém de, à data do seu lançamento, haver algum preconceito de certos sectores melómanos em relação a sonoridades adjacentes à cultura dançante, já é certo que, volvidos mais de vinte anos, a receptividade a Woman será diferente. Não se livrará, quase que aposto, de amores e ódios extremados em quase idêntica medida. Pela parte que me toca, e à parte o relativo desconforto com a lamechice exagerada de "One Of Those Summer Days", confesso-me absolutamente rendido a este belíssimo tributo à condição feminina.

 
"Open" [Polydor, 2013]

1 comentário:

O Puto disse...

Que boa coincidência! Coloquei este disco delicioso nas minhas audições no mesmo dia, após o EP promissor que adquiri no ano passado, sob o selo da Innovative Leisure. O que não desconfiava era que a voz pertencia a um deles. Um abraço!