"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

domingo, 31 de março de 2013

A visibilidade de Mimi















Foto: Zoran Orlic

É impressionante verificar que, assentes numa linguagem tão rigorosa quanto a do slowcore, que muitos previram efémera, os Low já levam vinte anos de carreira. Neste trajecto, contudo, não se livram dos reparos de alguns detractores, que apontam o catálogo da banda de Duluth, Minnesota, como pouco variável, trazendo muitas vezes à colação os exemplos da brevidade dos percursores Galaxie 500 ou Codeine, ambas as bandas finadas antes de caírem no espartilho da repetição. No entanto, só um surdo não notará nestas duas décadas de Low uma evolução constante, sem corromper a fidelidade aos princípios básicos. Assim, após a austeridade da lentidão quase mórbida dos primórdios, abriram frestas que tornaram a sua música mais arejada. Já mais recentemente, a distorção passou a ser ferramenta assídua, e o volume subiu a níveis em desacordo com o nome da banda. Neste percurso, foi precioso o trabalho de diferentes produtores de renome no meio (Mark Kramer, Steve Fisk, Steve Albini, Dave Fridmann), cada um a tirar diferente partido do modus operandi quase imutável da banda.

Para o novo The Invisible Way, o décimo álbum da carreira, os Low requisitam pela primeira vez o trabalho de produção de Jeff Tweedy, que com eles partilha um certa maneira muito norte-americana de abordar a tristeza que não esquece o romantismo. As gravações do dito tiveram lugar em Chicago, no The Loft, estúdio propriedade dos próprios Wilco. Perante a abundante oferta de meios técnicos, a banda responde com um disco exemplarmente gravado, embora seja o mais despojado de adereços de todo o seu catálogo, resumindo cada um dos onze temas a uma estrutura simples, mais melódica que o habitual. Dos assomos fuzzy trazidos do convívio com Fridmann, temos apenas uma pequena amostra na segunda parte de "On My On", por sinal o tema mais longo de um disco contido na duração dos mesmos. Abunda o piano, e a electricidade das guitarras escasseia, aprofundando-se o mergulho nas raízes americana. Embora a melancolia paire em cada nota, em cada palavra, e apesar de se abordarem temas tão pessoais como o calvário das drogas ou a depressão, há em The Invisible Way algo de pacificador, como se os Low nos quisessem exprimir a esperança de melhores dias. Mimi Parker, que habitualmente assume o protagonismo vocal num par de temas de cada disco, é a dona do microfone num total de cinco temas, qualquer deles incluídos no melhor lote do álbum. Inclusive nos temas cantados pelo marido Alan Sparhawk, a voz dela é praticamente omnipresente, qual anjo da guarda que atenua com a sua graciosidade as palavras de maior negativismo.


"Just Make It Stop" [Sub Pop, 2013]

sexta-feira, 29 de março de 2013

Re-make / Re-model

















Foto: Phil Sharp

Embora não pareça, poucas bandas se podem gabar de ser tão influentes nos sectores leftfield das música popular das últimas três décadas quanto os ingleses Wire. Talvez a falta de evidências advenha da disparidade do genial triunvirato que são os primeiros álbuns. Nesses, os londrinos partiram de uma abordagem distanciada e arty - mas nada presunçosa - ao punk, para, num ápice evoluírem para formas de canção que, embora acessíveis, fugiam à estandardização do que até aí fora feito. Ao longo dos anos, extinguiram-se e reagruparam-se por várias vezes, mantendo desde 1999 um plano de actividades significativamente regular. Neste que é o seu período de vida ininterrupta mais longo, é de assinalar o álbum Send (2004), o mais abrasivo de todo o seu catálogo e um veículo para dizer "presente!" ao contingente de neófitos do noise que então dava cartas.

Quem parece estar bem ciente da importância da sua obra de finais de setentas é a própria banda, que opera uma revisitação a esse período com o novíssimo Change Becomes Us, o décimo terceiro longa-duração de uma carreira sem mácula. Para tal, foram recuperados treze temas metidos na gaveta em época post-punk, agora concluídos à luz do saber acumulado ao longo dos anos, insuflado de sangue novo com a entrada do guitarrista Matt Simms, dos indie-poppers It Hugs Back. Por conseguinte, quando Colin Newman assume o papel de vocalista, a proposta deriva, ora para a secura do debutante Pink Flag (1977), ora para a frieza de emoções que percorria Chairs Missing (1978). Já quando é Graham Lewis a ocupar o mesmo lugar, a toada é menos visceral, relembrando a contemplação atmosférica de 154 (1979). Em ambos os casos, como já é costume, as letras enveredam por um abstraccionismo quase impenetrável. Embora não trazendo nada de novo à constante evolução na imprevisibilidade que tem sido a carreira dos Wire, Change Becomes Us é o relembrar, para os mais distraídos, da magnitude de um trio de discos essencial para entender a música de ontem, de hoje, e de amanhã.


"Re-Invent Your Second Wheel" [Pinkflag, 2013]

terça-feira, 26 de março de 2013

Há 20 anos era assim #2









ADORABLE
Against Perfection
[Creation, 1993]




Formados ainda nos alvores de noventas, os Adorable só chegaram aos discos já a vaga shoegazing definhava com propostas secundárias face ao fulgor inicial. Por força da sua ligação à editora patrona do "género", o facilitismo de rotulagem fez com que depressa fossem arrumados naquela prateleira. Para ajudar, o tema que os fez notados é pródigo na alternância de guitarras cristalinas e distorcidas, de serenidade e turbilhão. Talvez para evitar mais equívocos, tanto esse "Sunshine Smile" como o posterior "I'll Be Your Saint", ambos singles prévios, não integram o álbum de estreia, embora, por eventuais questões promocionais, apareçam na edição norte-americana do mesmo.

Ouvido hoje com o distanciamento de duas décadas, Against Perfection dá razão aos Adorable, que tentavam a todo o custo fugir à catalogação como shoegazers. Por mais do que uma vez, a banda fez questão de afirmar a sua devoção pelos Echo & The Bunnymen e, por arrastamento, pelos prossecutores The House of Love, talvez a primeira banda a render dividendos à Creation Records. Sem desmerecer as canções dos Adorable, com um imediatismo pop que não abundava na Inglaterra de então, a dezena de temas de Against Perfection não esconde vontades de grandiosidade, sublinhadas por turbilhões de guitarras que empolgam o dramatismo. Basta ouvir "Glorious" ou "A To Fade In", temas de um romantismo melancólico que não se usava muito à época, com a tensão crescente dos momentos atmosféricos a rebentar com estrondo nas tempestades sónicas que tomam o lugar dos quase inexistentes refrões. No emblemático "Homeboy", o vocalista de origem polaca Piotr Fijalkowski não disfarça sequer o tom grave, de jovem adulto que parece carregar o peso do mundo, tal qual Ian McCulloch mais de uma década antes. É, no entanto, um tema sublime, demonstrativo das maior força dos Adorable, que é a capacidade de embrulhar angústia juvenil em canções que não descuram o elemento melódico. Esta característica revela também heranças dos The Smiths, mais por questões teóricas do que propriamente práticas. Não é por acaso que tanto Morrissey como McCulloch, que há data da edição deste álbum não viviam propriamente os melhores dias das suas carreiras, são a matéria de inspiração para "Favourite Fallen Idol", o tema mais furioso do disco, que expressa o lamento de um jovem seguidor perante a decadência dos seus ícones.

Com Against Perfection, que olhava para um passado recente, os Adorable demarcaram-se das buscas em passados mais longínquos de shoegazers que os antecederam e de brit-poppers que espreitavam no horizonte, o que faz deles uma banda perdida numa cápsula do tempo. Sem pudor em disfarçar as referências, vale pelo naipe de canções bem urdidas segundo as regras pop e que, talvez por isso, têm resistido à erosão dos anos. Dois anos volvidos teve um sucessor que não o envergonha, para logo de seguida, os Adorable serem incapazes de resistir às tensões internas e ao refrear das relações com a editora. De então para cá, os seus membros têm-se envolvido em projectos de diminuta projecção, longe de ofuscar o brilhantismo inicial da banda-mãe.

Homeboy by Adorable on Grooveshark
 
Glorious by Adorable on Grooveshark
 
Favourite Fallen Idol by Adorable on Grooveshark

segunda-feira, 25 de março de 2013

Mixtape #22: (Under)Covers - Vol.4



Não sei se ainda se lembram de, na anterior mixtape de versões, vos ter dito que era a última do género. Pois é, menti-vos! Só porque entendi que ainda havia matéria de sobra para tal, e porque isto é um vício do caraças, aqui vão mais dezoito musiquinhas mais ou menos conhecidas na versão original revistas por outrem. Já sabem que para serem vossas basta seguirem o link para o efeito. Enjoy!

[Link]

01. THE CONCRETES - "Miss You" (Rolling Stones)
02. ETERNAL SUMMERS - "Into Your Arms" (Love Positions)
03. TASHAKI MIYAKI - "Never Tear Us Apart" (INXS)
04. SHOP ASSISTANTS - "Train From Kansas City" (The Shangri-Las)
05. SHONEN KNIFE - "When You Sleep" (My Bloody Valentine)
06. ALLO DARLIN' - "I Wanna Be Sedated" (Ramones)
07. THE FEELIES - "What Goes On" (The Velvet Underground)
08. TELEVISION PERSONALITIES - "Pablo Picasso" (The Modern Lovers)
09. DOLLY MIXTURE - "Baby It's You" (The Shirelles)
10. THE PERNICE BROTHERS - "Love My Way" (The Psychedelic Furs)
11. DROP NINETEENS - "Angel" (Madonna)
12. BLACK TAMBOURINE - "Heartbeat" (Buddy Holly)
13. THE CHARLOTTES - "Venus" (Shocking Blue)
14. TAME IMPALA - "Remember Me" (Blue Boy)
15. REAL ESTATE - "Barely Legal" (The Strokes)
16. JULIA HOLTER - "Gold Dust Woman" (Fleetwood Mac)
17. DIRTY BEACHES - "No Fun" (The Stooges)
18. HOPE SANDOVAL &  THE WARM INVENTIONS - "Golden Hair" (Syd Barrett)

quarta-feira, 20 de março de 2013

O subestimado
















Há músicos que, pelo seu contributo, mesmo que constantemente escapem ao radar dos fazedores de modinhas ou dos adoradores de vacas sagradas, mereciam estar num pedestal. Um deles é Edwyn Collins que, nos poucos anos que encabeçou os Orange Juice, foi o principal responsável pela "invenção" da indie-pop, isto ainda no tempo que tal rótulo significava qualquer coisa. Sem ele, por exemplo, talvez gente como The Smiths ou The Wedding Present não tivesse soado como soou ou, quiçá, até nem tivesse existido. Mesmo assim, nunca teve o reconhecimento público que merece, o que, somado à fome de sucesso da juventude, terá sido factor de perturbação numa subsequente carreira a solo algo errática no que à frequência de discos diz respeito. Curiosamente, só depois de 2005, altura em que, na sequência de uma dupla hemorragia cerebral se viu privado de muitas funções elementares, quanto mais de tocar e cantar, é que os discos se sucederam a um ritmo mais convencional. Coincidindo com a lenta recuperação que poderá não chegar a ser absoluta, tem sido referido e reconhecido com maior insistência, mas talvez nunca na dose devidamente ajustada à grandeza da sua obra.

Posto isto, se há alguém com o direito de intitular um disco seu de Understated essa pessoa é Edwyn Collins. É precisamente esse o título do seu oitavo álbum, com saída agendada para a próxima segunda-feira, que tem a ingrata tarefa de suceder a Losing Sleep (2010). Se bem se lembram, era nesse disco soberbo que se fazia rodear de um grupo significativo de músicos amigos e admiradores, todos por ele influenciados. Posso sossegar-vos revelando que, depois de insistentes audições do dito nos locais onde tal foi disponibilizado, que, como já vem sendo hábito, Edwyn Collins está na plenitude da sua forma. Os conhecedores já devem saber que podem esperar de Understated um naipe de canções pop de travo clássico, adornadas pelo folk-rock dos Byrds que já havia inspirado os Orange Juice e, sobretudo, pela northern soul e outras formas da música negra que são uma paixão antiga do seu autor. De igual forma, poderão contar com o inconfundível barítono em temas que, apesar da melancolia latente, têm subjacente um vincado optimismo. Na circunstância, e certamente com o recente infortúnio em mente, são várias as vezes que se celebra essa alegria que é a vida.


"Too Bad (That's Sad)" [AED, 2013]

terça-feira, 19 de março de 2013

The year that the world broke



















Foto: Dean Chlakley

Também sendo verdade o contrário, há bandas pelas quais não damos um chavo ao começo e que, com o tempo, vêm a revelar-se capazes de operar autênticas revoluções no seio da música popular. Não haverá, com certeza, melhor exemplo do que os dos Primal Scream, dos quais a estreia jangly não fazia deles mais do que uma das muitas bandas indie que, há época, viviam ensombradas pelos Byrds. Mais periclitante se previu o futuro quando se vestiram de cabedal, deixaram o cabelo crescer, e assumiram uma postura rock de travo retro algo bafiento. Nada faria prever que, em alvores de noventas, esta seria a banda que melhor assimilaria a "cultura pastilhada" num portentoso disco que cruzava o rock e a dance music com a eficácia de nenhum outro até então ou depois de então. A partir daí, tornaram-se motivo de seguidismo e não o contrário. Sem esconderem a reverência pelos seus ícones, experimentaram a facção funky do rock, a electrónica vanguardista com contaminações dub, o extremismo noise ligado à mesma electrónica, e ainda sonhos narcóticos temperados com kraut. A longo deste trajecto verdadeiramente camaleónico, duas coisas permaneceram imutáveis: a liderança incontestada de Bobby Gillespie e a atitude irreverente de quem não se conforma com o establishment.

Depois de um par de discos que nada trouxeram de novo ao caminho já trilhado, com o anúncio de um novo trabalho surge sempre a esperança que a carreira desta banda tão imprevisível ganhe novo fôlego. Afinal de contas, já lá vai uma boa década desde o último registo digno de nota. Com a iminência de More Light, a sair no actual contexto mundial lá para meados, não terei sido o único a prever nova insurreição sob a forma de um petardo tão demolidor quanto XTRMNTR (2000). Tanto mais que é conhecido o envolvimento de Kevin Shields e Debbie Googe, ambos dos My Bloody Valentine, o primeiro de regresso às colaborações com a banda, a baixista em substituição (temporária) de Mani, que entretanto se dedicou a 100% ao sonho antigo da reunião dos Stone Roses. Entretanto, sabe-se que esta última, agora também envolvida no regresso dos MBV, já no decurso das gravações, cedeu o seu lugar à desconhecida Simone Butler. Sabe-se ainda que o lote de convidados inclui Robert Plant, Mark Stewart (The Pop Group), e a Sun Ra Arkestra.

Com tais condimentos, a julgar pela primeira amostra e para nossa desilusão, More Light não será a tão esperada revolução que o mundo no seu global, e o mundo musical em particular, precisam. O tema em questão, que leva o título do ano em curso, mais não é do que um tema na linha do anterior trabalho, o relativamente desapontante Beautiful Future (2008). No entanto, há que enaltecer o brilhante tratamento de guitarra, cortesia de Kevin Shields, e o desenvolvimento de um mantra psicadélico na versão longa que se apresenta mais abaixo. Igualmente nesta versão, ganha todo o esplendor o magnífico vídeo realizado por Rei Nadal. Uma nota ainda para as invectivas panfletárias apontadas aos "senhores do poder", ou não fosse este o ano de todas as convulsões. Portanto, nem tudo estará perdido se os restantes temas não resumirem o inconformismo a pouco mais do que palavras.

 
"2013" [First International, 2013]

segunda-feira, 18 de março de 2013

R.I.P.



JASON MOLINA
[1973-2013]

Morreu no passado sábado, dia 16, Jason Molina, um dos intérpretes e compositores mais aclamados dos universos alt-country e americana que, desde há mais de década e meia, mudou a forma de encarar a música de raíz norte-americana por parte de um público melómano "adulto". A causa oficial da morte é uma falha múltipla de órgãos, derivada do consumo excessivo de álcool, problema que era também a causa de um estado de saúde debilitada que durava pelo menos desde 2009, data a partir da qual entrou em absoluta inactividade musical.

Depois de uma juventude passada como baixista em várias bandas heavy metal que não fizeram história, Jason Molina deu-se a conhecer ao mundo em meados de noventas, quando lançou o primeiro registo como Songs: Ohia. O projecto consistia apenas no próprio, com os músicos que o acompanhavam a variar em cada um da dezena de álbuns e a miríade de outros formatos que lançou sob esse nome. A música, sombria mas profusamente melódica, versava muitas vezes sobre a condição da classe trabalhadora, sem deixar de lado um forte cunho pessoal. Foi muitas vezes alvo de comparações com as mil e uma reencarnações de Will Oldham, apesar de a música dos Songs: Ohia aspirar a algo mais grandioso, por vezes com uma aura quase épica. Depois de um trio de álbuns em nome próprio, formou os Magnolia Electric Co., estes já uma banda de pleno direito que foi buscar o nome ao título do último registo como Songs: Ohia. Nesta condição lançou uma mão cheia de trabalhos, incluindo um álbum ao vivo e um boxset. Curiosamente, apesar de concebida por um colectivo, a música caracterizava-se agora por uma maior simplicidade e um maior apego às raízes. O último registo dos MEC foi Josephine (2009), um disco soberbo na sua pureza descarnada, marca registada de Steve Albini, responsável ainda pela gravação de muitos outros discos de Molina numa bem sucedida e longa parceria. Do mesmo ano data Molina & Johnson, álbum conjunto com Will Johnson, membro dos texanos Centro-matic, que acabaria por ser o último trabalho com a voz e as estranhas afinações de guitarra de Jason Molina.

Farewell Transmission by Songs: Ohia on Grooveshark
[Secretly Canadian, 2003] 

The Handing Down by Magnolia Electric Co on Grooveshark
[Secretly Canadian, 2009]

domingo, 17 de março de 2013

Good cover versions #73












SHOP ASSISTANTS _ "Train From Kansas City" [Chrysalis, 1986]
[Original: The Shangri-Las (1965)] 

Train From Kansas City by Shop Assistants on Grooveshark

Sem carreira com a longevidade de uns Primal Scream, The Wedding Present, ou The Pastels, os escoceses Shop Assistants nunca obtiveram o reconhecimento daquelas bandas, também "lançadas" pela lendária C86. No entanto, o que lhes falta em visibilidade pública sobra-lhes em influência no espectro indie de oitentas para cá, em particular no sector norte-americano. Se no passado os Black Tambourine ou os Velocity Girl não disfarçavam a reverência, hoje são incontáveis as bandas que lhes reclamam a herança, com especial destaque para as Dum Dum Girls e as Vivian Girls. A receita dos Shop Assistants é simples, embora relativamente pioneira, ao procurar a inspiração nos girl-groups de sessentas.

Não surpreende então que, no alinhamento do seu único álbum, tenham incluído uma versão de um original das Shangri-Las, banda que, a par das Ronettes, tem sido matéria de estudo a gerações de jovens indie respeitadores da pureza pop. Na releitura dos Shop Assistants, "Train From Kansas City" é fiel à estrutura do original, embora reflicta as marcas identitárias da nação indie-pop de então. Esta reactualização é notória na guitarra noisy e jangly de David Keegan, único elemento masculino do quarteto e mentor da coisa, e também na ligeira aceleração devedora do espírito dos Ramones, também estes um bando de geeks obcecados pelas mesmas sonoridades dos sixties. Uma nota de registo ainda para a voz de Alex Taylor, que não esconde um certo tom provocatório, por contraponto à inocência juvenil das manas Betty e Mary Weiss no original.

sexta-feira, 15 de março de 2013

(You Make Me Feel Like) A Natural Woman



















Antes de mais, interessa contextualizar a ignição dos Rhye, ocorrida no encontro, por motivos meramente profissionais, de Mike Milosh e Robin Hannibal, o primeiro canadiano, o último dinamarquês, ambos músicos e produtores. Porém, o momento determinante para a materialização da coisa aconteceu no reencontro, já em Los Angeles. Consta que Hannibal encontrava-se ali deslocado na peugada da mulher amada, enquanto que Milosh já se tinha estabelecido na cidade dos anjos também por motivos amorosos. Do feliz acaso, nasceu a vontade de escrever e gravar canções que exprimissem o bom momento das vidas sentimentais de ambos.

Quando os primeiros temas começaram a ser divulgados, com a dupla a fazer questão de manter as identidades em total segredo, o mundo questionava a quem pertenceria a voz feminina, carregada de suavidade e enlevo soul. Foi com enorme surpresa que se soube, já perto da data do lançamento do álbum motivo desta prosa, e depois do fim do secretismo, que aquela voz era masculina, mais concretamente a de Mike Milosh. Nos dez temas do disco, não por acaso intitulado Woman, o cantor não só baralha os conceitos da "voz" em termos de "género", como assume uma sensibilidade do ponto de vista feminino. O clima, envolto em pop com tempero soul de extrema sofisticação, roça muitas vezes as fronteiras do erotismo. Nas diferentes apreciações do álbum, tem-se referido nomes de gente como os Blue Nile, Sade, ou Tracey Thorn para estabelecer comparações. À parte a serenidade reinante, anularia à partida os paralelismos com a banda escocesa, normalmente mais soturna. Quanto às duas moças, Milosh tem de facto alguns tiques que no-las trazem à memória. E é tudo. Convém dizer que Woman é um disco de matriz sintética, não indiferente aos desenvolvimentos da "música de dança", enriquecido por pontuais incursões de cordas, sopros, e linhas de baixo voluptuosas, com um meticuloso trabalho no detalhe só ao alcance de gente com experiência no trabalho de produção. A ter de lhe equiparar qualquer outro disco, relembraria 24 Years Of Hunger (1991), trabalho isolado da dupla britânica Eg & Alice, ele desertor de uma boy-band, ela modelo fotográfica e ciclista consagrada, que constitui um dos álbuns mais injustamente esquecidos do último quarto de século. Se no caso deste a injustiça advém de, à data do seu lançamento, haver algum preconceito de certos sectores melómanos em relação a sonoridades adjacentes à cultura dançante, já é certo que, volvidos mais de vinte anos, a receptividade a Woman será diferente. Não se livrará, quase que aposto, de amores e ódios extremados em quase idêntica medida. Pela parte que me toca, e à parte o relativo desconforto com a lamechice exagerada de "One Of Those Summer Days", confesso-me absolutamente rendido a este belíssimo tributo à condição feminina.

 
"Open" [Polydor, 2013]

quarta-feira, 13 de março de 2013

Singles Bar #83









THE JAM
Town Called Malice
[Polydor, 1982]




Com uma carreira de edições discográficas a bom ritmo, acompanhadas do reconhecimento público e crítico, os The Jam operaram mais que uma metamorfose estética no curto prazo de cinco anos. Da fúria punk que percorre o ainda juvenil In The City (1977), já pouco ou nada resta no derradeiro The Gift (1982), um álbum todo ele reverente às memórias da música negra. Neste percurso houve, claro está, uma evolução gradual, que passou também por um período intermédio de (re)descoberta da música de sessentas, em particular das sonoridades e dos códigos mod.

Em pleno pico do sucesso comercial, aquele último álbum talvez tenha sido, à época, uma jogada arriscada, algo que se traduziu numa recepção morna da crítica e mais moderada do que o costume por parte do público. Por ironia, o longa-duração foi anunciado por aquele que haveria de ficar como o mais paradigmático dos muitos singles de sucesso dos The Jam, alcançando, inclusive, significativa projecção nos Estados Unidos, território tradicionalmente hostil para bandas quintessencialmente britânicas. Escutado hoje, há distância de mais de trinta anos percebem-se os porquês do efeito retumbante de "Town Called Malice", um tema rock que, como poucos, faz perdurar o eficácia groovey junto das várias gerações que tem atravessado. A principal razão será, com certeza, o rápido reconhecimento das fontes de inspiração, provenientes da incontornável década de sessentas. Na circunstância, não se pretende sequer disfarçar a linha rítmica surripiada a "You Can't Hurry Love", das Supremes, tanto na percussão com "palmas", como na inconfundível e insidiosa linha de baixo de James Jamerson. Também o órgão em delírio rítmico é reminiscente da mesma era, mais concretamente do Spencer Davis Group, percursor dos The Jam em mais de uma década enquanto britânicos e brancos exploradores da América negra. Mas, se a música já nada reflecte das origens punk do trio, na letra, Paul Weller não deixa de lado a consciência social e política. "Town Called Malice" é mais uma das suas ardilosas reflexões sobre o quotidiano do Reino Unida no tempo do Thatcherismo. Neste caso, fala-nos da constante luta que é a vida nas pequenas cidades, com a bebida como passatempo habitual e o desemprego como realidade para muitos. A acompanhar o tema principal, "Precious", na sua versão editada, é também ele um festim de incitação à dança. Imbuído do espírito libertino de setentas, abarca tanto a soul mais "progressiva", como o funk, com abundância de guitarras wah-wah e sopros ébrios de fisicalidade.

Mas, se Paul Weller era o principal promotor do novo rumo dos The Jam, Bruce Foxton (baixista) e Rick Buckler (baterista), mais filiados nas tradições pub-rock britânicas, não pareciam tão entusiasmados com a ideia. As divergências musicais acabariam por ditar o fim abrupto, para desgosto de uma vasta falange de seguidores de uma das bandas mais valorosas da Inglaterra do seu tempo. Nada que abalasse particularmente Weller, que em três tempos punha em prática as mesmas ideias com os The Style Council, laboratório de experiências de sofisticação pop, recebido com relativa frieza no seu tempo, mas visto hoje como projecto pioneiro na assimilação da música negra em cenário pop. E ainda, acrescente-se, a consagração definitiva do seu mentor como Modfather.


segunda-feira, 11 de março de 2013

First exposure #53
















CASUAL SEX

post-punk escocês resumido numa única banda, ou o caminho que os Franz Ferdinand deveriam ter seguido depois da estreia. Punk-funk com umas pitadas de kraut e de glam.

Formação: Sam Smith (voz, gtr); Edward Wood (gtr); Peter Masson (bx); Chris McCrory (btr)
Origem: Glasgow, Escócia [UK]
Género(s): Indie-Pop, Post-Punk, Punk-Funk, Dance-Punk
Influências / Referências: Orange Juice, Franz Ferdinand, Edwyn Collins, NEU!, David Bowie, XTC, Josef K, Fire Engines, Bourgie Bourgie, Django Django


"Stroh 80" [Moshi Moshi, 2013]

(I Want To Go To) Chelsea














Embora os comunicados da altura fossem vagos quanto ao futuro, vários indícios levam-me a crer que a anunciada paragem dos Sonic Youth seja mesmo definitiva. Ora, se o principal motivo para tal foi a separação de Kim Gordon e Thurston Moore, não me parece que a banda faça sentido sem um daqueles dois membros fundadores, ambos, e por diferentes motivos, fundamentais. Além disso, é preciso não esquecer que este último tem dedicado muito do seu tempo à carreira a solo, agora mais preocupado com canções intimistas de cariz acústico, e menos com as descargas de distorção de outrora.

Porém, ainda parece existir em Thurston Moore a vontade de se reunir em bandas, apenas e só com o intuito de manter vivo o espírito punky e niilista que o moveu há mais de trinta anos. Esse espírito materializa-se nos Chelsea Light Moving, quarteto no qual se junta a músicos com currículo nos meandros do psych mais profundo. No entanto, o resultado de tal encontro, reunido num álbum homónimo, é um trabalho mais abrasivo e dissonante que qualquer um dos Sonic Youth editaram na última dúzia de anos da sua discografia "linear". Diria até que Chelsea Light Moving é uma espécie de súmula das diferentes fases do desenvolvimento da vida da mítica banda de Nova Iorque. Apesar de um par de temas remeterem para as introspecções recentes de Moore, os delírios guitarrísticos são a nota dominante. Assim, temos indie-pop de cariz noisy ("Sleeping Where I Fall" e "Alighted"), reminiscências da crueza hardcore (a versão de "Communist Eyes", dos Germs), interlúdios dissonantes dos tempos da no-wave ("Groovy & Lisa", "Lip"), abrasão de distorção e dreivações sludgy ("Burroughs"), e divagações spoken word ("Mohawk"). Sem trazer propriamente nada de novo ao currículo de Thurston Moore, que envolve uma contínua exploração das potencialidades de uma guitarra eléctrica, Chelsea Light Moving é a feliz constatação de que nele ainda sobrevive o entusiasmo que o leva a trazer o experimentalismo para meio pop/rock, para gáudio dos inúmeros adeptos de uma boa dose de "barulho".

Burroughs by Chelsea Light Moving on Grooveshark
[Matador, 2013]

sexta-feira, 8 de março de 2013

Discos pe(r)didos #69









CODEINE
Frigid Stars
[Sub Pop, 1990]




Aos seminais American Music Club e aos magistrais Galaxie 500 poderá ser atribuído o pioneirismo da coisa. Por outro lado, aos Low reconhece-se a longevidade e o consequente reconhecimento mais alargado. Contudo, quando falamos do chamado slowcore, que de inícios de noventas até esta data continua a espalhar as suas sementes, nenhuma outra banda personificará tão bem este "movimento" difuso quanto os Codeine, um colectivo de Chicago que não precisou de mais do que um curto período de actividade, com dois álbuns e um EP/mini-álbum para gerar um enorme culto em seu redor. Se o volume de vendas ou a fama conquistada não abonam a seu favor, o burburinho criado em torno do seu recente regresso da formação original, para já apenas aos palcos, atesta bem do estatuto desta banda.

Pertencentes ao catálogo de uma Sub Pop no preciso momento em que a editora de Seattle estava na eminência de se dar a conhecer ao mundo pelas guitarras altas e furiosas, os Codeine jogavam noutro campeonato com alguma da música mais lenta e arrastada da produção pop/rock do último quarto de século. Ouvido hoje, com o distanciamento de vinte e tal anos, e com a absorção de milhentos discos anteriores e posteriores, aquele que foi o seu primeiro disco, afinal não estava assim tão distante da percepção de algumas bandas do começo do rastilho grunge, antes da coisa se tornar produto de mercearia. Também Frigid Stars é feito de guitarras densas, muitas vezes a atingir picos de volume consideráveis, e também os Codeine passaram o seu período formativo a escutar as bandas do chamado post-hardcore, tal como aconteceu com os Nirvana, com os Screaming Trees, ou com os Afghan Whigs. O recolhimento às caves mais profundas e soturnas distinguem-nos daqueles contemporâneos mais mediatizados. Por conseguinte, Frigid Stars não é propriamente um disco marcado pela tristeza, diria antes que, algo de mais perturbador, como a frieza da ausência de emoções que o percorrem faz da sua audição uma experiência dolorosa para os incautos. À dinâmica da alternância da calma com a tensão das guitarras contundentes, somam-se palavras escassas, mas ordenadas em tiradas tão concludentes como estas: "I want you to need me - not to feed me", "First chance is rare - seconds don't ever dare", ou "Don't remember your kiss, can't remember what I miss".

Para entrar na atmosfera do disco basta ouvir "D" e "Gravel Bed", o primeiro par de temas que alternam uma apatia letárgica com convulsões de guitarras revoltas. O tom empedernido, contudo, é sublimado em "Second Chance", talvez o tema mais paradigmático dos Codeine, um monolito impenetrável percorrido por drones gélidos e palavras exasperantes. Por outro lado, "New Year's", escrito pelo amigo Sooyoung Park mas só posteriormente gravado pela banda deste (os Seam), é o tema em que o manto nebuloso se mostra menos espesso. No entanto, não deixa de expressar a solidão da forma mais franca e, consequentemente, mais perturbante. Outra característica subjacente à música dos Codeine é o teor cinemático que as letras minimalistas muitas vezes contêm. Dá-se o caso em "Cigarette Machine", quase um pequeno filme noir que, nas palavras mais faladas que nunca por Stephen Immerwahr, traduz tantas imagens mentais quanto uma pintura de Edward Hopper ou um pequeno conto de Raymond Carver. 

Com esta proposta, implicitamente afiliada com as linguagens e as dinâmicas rock, os Codeine distinguiam-se dos seus pares do espectro sad/slowcore, que em muitos casos demonstravam sensibilidades folk. Foi assim que, juntamente como os Slint pela mesma altura, lograram lançar as bases de muito do post-rock produzido na América do Norte nas últimas duas décadas, tanto na Chicago natal como noutras paragens. Tal impacto não estaria certamente nos planos do baterista Chris Brokaw que, logo após Frigid Stars, abandonou o grupo para se dedicar a tempo inteiro ao papel de guitarrista nos Come, banda similar mas algo mergulhada no espírito dos blues.

Second Chance by Codeine on Grooveshark

D by Codeine on Grooveshark

New Year's by Codeine on Grooveshark

quinta-feira, 7 de março de 2013

Museu de cera

















Voltamos hoje ao constante retorno ao passado que é a música actual e à Califórnia, terra que tem sido pródiga nessas viagens no tempo. É de lá, mais concretamente de San Francisco, que são os Wax Idols, quarteto quase exclusivamente feminino com uma proposta deveras interessante, daquelas em que as fontes de referência, embora identificáveis, se misturam sem primazias para dar origem a uma linguagem algo própria. A prova está em No Future, o álbum de estreia de finais de 2011 que passou despercebido a meio mundo, e que gravita em torno de diferentes tendências de finais de setentas para inícios de oitentas. Nos temas que o compõem, curtos e directos, sentimos tanto o espírito rock'n'roller de uma Joan Jett, como o modo do-it-yourself de fazer as coisas de algum post-punk, com alguma sujidade e muita irreverência à mistura.

Com lançamento previsto para finais deste mês, os Wax Idols têm pronto Discipline & Desire, disco com selo da Slumberland Records, que entretanto lhes deitou a mão. Segundo anúncios da editora, este segundo álbum focaliza-se ainda num passado relativamente distante, no entanto avançando a mira para a primeira metade da década de 1980. Ao contrário do trabalho anterior, que foi concebido quase na íntegra pela mentora Heather Fedewa, Discipline & Desire é fruto do trabalho conjunto do quarteto. Ainda segundo a mesma fonte, o clima está agora mais em consonância com a nebulosidade das ilhas britânicas do que propriamente com o sol californiano. Para o adensar do negrume, dizem-nos, contribuem ecos de Siouxsie & The Banshees e de alguns projectos ligados à 4AD dos primeiros tempos, algo que a primeira amostra nos confirma:


"Sound Of A Void" [Slumberland, 2013]

quarta-feira, 6 de março de 2013

O jogo das diferenças #16


THE VELVET UNDERGROUND
The Velvet Underground
[MGM, 1969]

THE VELVET CRUSH
Soft Sounds
[Action Musik, 2002]

Temporada dos patos




















Além de serem uma das mais interessantes bandas do presente, não apenas uma promessa mas já um valor seguro, os Real Estate são também abrigo de um conjunto de músicos talentosos que não restringem a actividade musical à banda principal. De todos, o mais activo fora do ninho é o guitarrista Matthew Mondanile, responsável pelo projecto Ducktails. Foi sob essa designação, e na maioria das vezes em solitário, que já gravou uma mão cheia de álbuns. Muito seguramente produtos de confecção caseira, esses discos contém, na sua maioria, algo que soa mais a esboços do que propriamente a canções acabadas.

Com o novo The Flower Lane, Mondanile muda o estado de coisas, e apresenta-nos um disco que é digno sucessor da pop de fim de época estival do magistral Days (2011), o último dos Real Estate. Com uma banda completa a suportá-lo, na circunstância os Big Troubles, power-poppers que são seus conterrâneos de Nova Jérsia e muitas vezes companheiros de estrada, faz com que a nova dezena de canções se assumam como tal. A grande diferença em relação à banda-mãe, que normalmente assenta a estética em guitarras jangle, reside na profusão dos teclados que dão a The Flower Lane uma sofisticação atmosférica. A galeria de convidados não se fica pela banda suporte, e integra ainda Madeline Follin, vocalista dos Cults que abrilhanta o funk lisérgico de "Sedan Magic". Num disco extremamente aberto a colaborações externas, o tema de apresentação (mais abaixo) é precisamente aquele em que o seu principal intérprete é remetido para um papel mais secundário. Neste, que é caracterizado por uma textura dreamy cortesia da dupla Ford & Lopatin, as vozes de Jessa Farkas (Future Shuttle) e Ian Drennan trocam versos de uma doçura amorosa.

 
"Letter Of Intent" [Domino, 2013]

terça-feira, 5 de março de 2013

Ao vivo #103

















Yo La Tengo @ Casa da Música, 02/03/2013

Velhas e respeitadas raposas da cena indie, os Yo La Tengo têm já vasto historial nos palcos deste rectângulo. Mas nem por isso deixam de, a cada vinda, merecer mais um banho de multidão. Desta vez traziam consigo o aliciante de um novo álbum, talvez o melhor que ouvimos deles na última década. Se a isto somarmos uma vontade imensa de rever pessoas amigas, estavam reunidas as condições para mais uma romaria a norte, onde, por acaso, os Yo La Tengo tocavam numa sala com condições consideravelmente melhores que as da sala que lhes fora reservada na capital.

De forma muito resumida, podemos dizer que o concerto do passado sábado, longo de quase duas horas, não diferiu grandemente do último par de vezes que o trio se cruzou no meu caminho. A principal diferença reside no reportório, obviamente com o novíssimo Fade a merecer a parte de leão. Foi, por isso, e para tristeza dos adeptos das digressões sónicas que já fizeram o passado dos Yo La Tengo, um concerto mais centrado nas canções delicadas que têm povoado os últimos trabalhos. Nestas nota-se um progressivo depuramento, com os músicos, que vão alternando de instrumentos com relativo à vontade, a porem especial atenção em cada detalhe, extraindo das canções uma complexidade compositiva que, outrora, julgávamos impossível em bandas como os Yo La Tengo. A facção da ruideira teve de se contentar com um escasso trio de temas, cada um deles extraído de diferentes fases do desenvolvimento da banda. O mais recente foi "And The Glitter Is Gone", a já habitual longa jam de distorção aproveitada para o ensaio de alguns movimentos espasmódicos por parte de Ira Kaplan. 

Talvez acusando um certo empobrecimento em alguns temas do último trabalho, tudo por culpa da ausência dos arranjos de cordas que esporadicamente marcam presença nas versões de estúdio, o concerto, no seu todo, não deixa de merecer nota francamente positiva. É, inclusive, mais um atestado de que a fórmula que tem vindo a ser desenvolvida pelos Yo La Tengo, entre a ternura adocicada e as (raras) incursões pela rispidez sónica, se demonstra extremamente eficaz. Se assim não fosse, talvez as tais duas horas não tivessem passado num ápice.