AZTEC CAMERA
High Land, Hard Rain
[Rough Trade, 1983]
Quando Alan Horne criou a Postcard Records, com o ambicioso, para não dizer utópico, objectivo de fazer pela pop escocesa o que a Motown tinha feito pela música negra norte-americana de sessentas, escolheu o ajustado lema "The Sound of Young Scotland". Se os Orange Juice ou os Josef K se enquadravam na eloquência de tal frase pela frescura da sua música e a idade dos seus membros, para os Aztec Camera não poderia haver melhor descrição. Neste colectivo dos subúrbios de Glasgow pontificava Roddy Frame, um talento precoce que ainda na adolescência já editava sob aquela designação.
Fundados como uma banda convencional, os Aztec Camera cedo se tornariam um alter-ego de Frame, à volta do qual gravitavam diversos músicos, variáveis de disco para disco. Pouco antes do primeiro álbum, o vocalista, guitarrista e compositor viu-se abandonado pelos colegas de banda, colhendo sozinho os louros de High Land, Hard Rain, uma das mais auspiciosas estreias daquela época. Fez-se jus ao nascimento de um pequeno génio, tanto na guitarra acústica, como na escrita de canções, nitidamente influenciada pelo Dylan de Blood On The Tracks. Editado quando Frame tinha ainda apenas dezanove anos, High Land, Hard Rain inspira algum do seu cinzentismo, como o próprio título indica, nas características morfológicas e climatéricas da Escócia. Este exacerbado romantismo ligeiramente sombrio não interfere com a luminosidade pop própria da composição de um músico tão jovem, sempre presente nas dez faixas, mesmo quando estas versam temáticas de maior gravidade.
O disco abre em grande estilo com "Oblivious", tema escrito por Roddy Frame ainda adolescente e sinal inequívoco das aspirações deste à imortalidade pop. Provavelmente o tema mais cintilante de toda uma carreira, na guitarra absorve improváveis ecos de flamenco, de resto espalhados por cada recanto de High Land.... Esses ecos fazem-se ouvir com igual intensidade em "The Boy Wonders", canção sobre a fugacidade dos amores juvenis, mas de uma maturidade impressionante ao nível da composição, quer em termos melódicos, quer em termos de harmonia. "Walk Out To Winter" talvez seja responsável por toda a ternura agridoce que celebrizou os Prefab Sprout, inclusive com um refrão naquele tom bigger the life que fez escola. Neste, e também em "Pillar To Post" e no desolado "Release", são também notórias a inflexões jazzísticas de Roddy Frame, mormente da tendência mais relaxada com pitadas de bossanova. Sendo High Land... um daqueles raros álbuns de uma homogeneidade alarmante, sem pontos fracos, talvez seja injusto destacar qualquer dos seus temas como superior aos demais. A ter de fazê-lo, opto sem hesitações por "We Could Send Letters", recuperação de um tema dos primeiros dias dos Aztec Camera, que é, nem mais nem menos, uma das melhores canções sobre separação pela distância alguma vez escritas. Nesta regravação foram suprimidas quaisquer imperfeições da versão original. Na sumptuosidade dos arranjos, na urgência do refrão, e na pureza imaculada da voz, tem outra força a letra que, com nostalgia, nos remete para o Setembro das despedidas da nossa juventude.
Ao longo de quase mais década e meia, Roddy Frame escondeu-se ainda por detrás da "marca" Aztec Camera. Com uma discografia que não envergonha, contudo, jamais logrou alcançar o nível de excelência deste álbum debute. E digamos que não era fácil igualar a obra mais determinante para o desenvolvimento de uma facção letrada e sofisticada na pop britânica de oitentas. The Smiths, The Style Council, ou os citados Prefab Sprout, são apenas alguns - os mais sonantes - dos que escutaram High Land, Hard Rain atentamente e insistentemente, colhendo daí ensinamentos para as suas fulgurantes carreiras.
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