"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ao vivo #82

















The Magnetic Fields @ Teatro Maria Matos, 02/05/2012

Tenho de vos confessar que os Magnetic Fields há muito que deixaram de fazer parte das minhas escutas obrigatórias. Aliás, diria até que nunca alinhei na turba de incondicionais que se formou a partir da relativa massificação do triplo 69 Love Songs. Mas estaria a ser injusto se não reconhecesse a grandeza dessa gigantesca empreitada à volta da "canção de amor", bem como o mérito de alguns conceitos desenvolvidos pelo mentor Stephin Merritt nos vários projectos paralelos. Contudo, no seu considerável catálogo, a minha preferência recai sobre o trabalho anterior a essa obra mastodôntica, quando o colectivo de Boston vagueava pelos terrenos da twee-pop e do lo-fi, como que a querer perpetuar a memória dos mestres britânicos de finais de oitentas e, sobretudo, dos concidadãos Beat Happening. Toda esta introdução serve ainda para dizer que, de há uns anos a esta parte, me sentia até algo desagradado com alguns assomos de "pop barroca" que povoavam os discos editados após a "consagração".

Neste cenário, é natural que não tenha participado na corrida aos bilhetes do esgotadíssimo Maria Matos. Por obra e graça de uma alma caridosa (a bem dizer três) soube, porém, que me tinha calhado em sorte um dos concorridos lugares. E em boa hora, pois de então para cá a minha estima pelos Magnetic Fields subiu até níveis nunca antes alcançados. Logo à partida, como um apreciador das coisas livres de artifício que faço questão de ser, registei a forma desempoeirada com que o quinteto se apresentou em palco. Esta simplicidade reflectiu-se também na escolha do alinhamento, essencialmente constituído de temas curtos e directos, assentes nas bases da canção pop intemporal, se bem que com devido tratamento desengonçado de Merritt e companhia. A contrastar com a indisciplina do trio de cantores (Merrit, a pianista Claudia Gonson e a tocadora de ukulele Shirley Simms), o guitarrista e o violoncelista permanecem compenetrados na sua função, não soltando uma única palavra ao longo do concerto. Já aqueles três parecem imparáveis, entremeando as canções, que vão da pop com laivos kitcsh a territórios da country, com tiradas de humor nonsense de ir às lágrimas. Mais contundentes só mesmo as letras das próprias canções, prenhes de um apurado sentido de humor, subtilmente amargo mas tremendamente eficaz. Não obstante o protagonismo concedido às duas damas, é indisfarçável a reverência com que ambas tratam Stephin Merritt, uma espécie de mestre de cerimónias involuntário num pequeno circo de geeks desterrados de uma época perdida no tempo. Com o seu estilo desajeitado e avesso à qualidade técnica, nele apraz-me registar as aproximações ao registo vocal grave de Calvin Johnson (a anterior referência aos Beat Happening faz agora mais sentido), também este um desajustado num mundo pop demasiado sujeito a regras estanques.

Muito por culpa desta feliz constatação, mas sobretudo pelo fascínio renascido após cerca de hora e meia imerso nestas pequenas canções que celebram alegremente o infortúnio, durante o dia de hoje dei por mim, mais de uma dezenas de vezes, a entoar mentalmente trechos da escrita corrosiva de Merritt. O síndroma da reconciliação parece prolongar-se até hora que vos escrevo estas toscas linhas, precisamente quando o recente Love At The Bottom Of The Sea, parte considerável do concerto de ontem, brota directamente da estereofonia como melaço para os tímpanos. Um grande bem hajam, então, para as tais almas caridosas responsáveis por esta verdadeira epifania ao retardador!

1 comentário:

serebelo disse...

E desta vez, também lá estive. Abraço ainda de Lisboa, em breve de Luanda.