"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 30 de março de 2011

Discos pe(r)didos #51








THE BOO RADLEYS
Giant Steps
[Creation, 1993]




A uma simples menção do nome The Boo Radleys a memória reage de imediato com a lembrança de "Wake Up Boo!", a dose de boa-disposição que a banda de Liverpool injectou na brit-pop. Para os mais distraídos, interessa referir que há toda uma vida para além desse hit isolado, sobretudo anterior, mas não tanto pela "infância" passada essencialmente a tentar apanhar o comboio shoegaze. Ao segundo álbum, contudo, e sem renegar as raízes, já se distinguiam traços de uma personalidade atípica na música de noventas. Ao terceiro, que não limita a ambição ao nome sacado ao clássico de John Coltrane, ocorre a afirmação plena. De difícil rotulação, Giant Steps é um disco caleidoscópico para o qual concorrem uma infinidade de géneros e doutrinas musicais: noise-pop, psicadelismo, reggae, dream-pop, dub, free-jazz, pop barroca e sinfónica, e uma vontade imensa de desafiar os padrões da música popular. Acusa, obviamente, a herança dos Beatles mais experimentalistas da "fase séria", ou não fossem os Boos seus concidadãos das margens do Mersey.

Perante a amálgama de sons que brotam, muitas vezes no mesmo tema, discernir uma canção próxima dos formatos estandardizados não se revela tarefa fácil. Exemplos de relativa aproximação são a deliciosa e luminosa "I Wish I Was Skinny", que condensa a inocência juvenil numa dose de sacarina, a balançada "Barney (... And Me)", que se inicia com uns dedilhados à la Cure e culmina numa fanfarra multicolor, e a explosiva "If You Want It, Take It", percorrida por um riff insinuante, aqui e ali acossado pela intrusão do mellotron. Para a pista de dança, necessariamente aberta à diversidade, recomenda-se "Rodney King (Song For Lenny Bruce)", ponto de encontro da batida Madchester com a leveza dos My Bloody Valentine anteriores à deriva Loveless. No extremo oposto, porque substancialmente menos imediatas, estão a parelha "Spun Around" e "One Is For". A primeira, com a voz de Sice Rowbottom atirada para a centrifugadora, parece resultar de uma bad trip dos "outros" MBV; a última é um abastardado da englishness bucólica, tanto dos Kinks, como dos Beatles. 

Como é óbvio, Giant Steps é um daqueles discos que valem pela experiência do todo. Contudo, não resisto a enumerar um trio de temas que são para mim o pico, talvez porque representativos do melting pot do conjunto: "Upon 9th And Fairchild", "Butterfly McQueen", e "Lazarus". O primeiro é marcado é marcado por um cadência entre o reggae e funk assaltada por estilhaços de feedback, e tem, na voz frágil e distorcida, traços de alguma melancolia. O segundo, que se inicia com uma melodia reminiscente de "Bigmouth Strikes Again" dos Smiths, divide-se em segmentos alternados de calma e reboliço, com o protagonismo a dividir-se, separadamente, pela voz, pelos sopros exultantes, e pelas guitarras. Por sua vez, "Lazarus" recupera a base reggae no intro narcótico, e rebenta num wall of sound celebratório adornado pelos pa-pa-pas dos coros.

Como habitualmente em toda a obra dos Boo Radleys, toda a concepção de Giant Steps ficou a cargo de Martin Carr, o perfeccionista obcecado pelos pormenores que não dá por desperdiçada qualquer fracção dos mais de 60 minutos de música. Surpreendentemente, na sua complexidade, resulta num esplendoroso tributo às virtudes e ao poder curativo da "arte" POP. Está tudo resumido nas primeiras frases do derradeiro "White Noise Revisited": "Hey! What's that noise? Do you remember? Kill yourself at work for what seems nothing at all. Then you go home and you cry and you feel so very small. So you listen to The Beatles and relax and close your eyes and you feel it running through you. Feel the hate well up inside.".


"Lazarus"


"Barney (... And Me)"

2 comentários:

hg disse...

Grande grande disco! Maravilhoso! E completamente perdido, esquecido e injustamente abandonado. Para quem o ouviu na altura em que saiu talvez seja mais fácil perceber o seu verdadeiro significado. Quem não o ouviu naquela época, dificilmente perceberá o que foi ouvir aquilo numa altura em que a pop britânica se começava a parecer toda ela igual. [e agora, passados estes anos, ainda me parece incrível como consegui engolir tanta daquela britpop... nem toda má, mas muita dela bastante dispensável]

Gravilha disse...

este é um disco extraordinário que espremi até à exaustão à época e que, curiosamente, não me mereceu nenhuma revisita séria. o teu texto entusiasmou-me, vou já desarruma-lo!
abraço,