A vida de Charles Bradley é daquelas que davam um filme carregado de dramatismo mas com final feliz. Na juventude, durante a década de 1960, este cantor nascido na Florida mas criado em Brooklyn, Nova Iorque, foi espectador privilegiado de um concerto de James Brown, então no pico de forma com performances sobre-humanas que constam dos anais da música popular. Deste momento de epifania nasceu o sonho de seguir as pisadas do mestre. Contudo, a sorte não lhe acenou com oportunidades para tal, e a sobrevivência foi, ao longo de décadas, assegurada por empregos duros e mal remunerados pelos quatro cantos dos Estados Unidos. Enquanto isso, ia dando provas das suas capacidades interpretativas em pequenos palcos longe dos olhares do grande público. Já no início do século XXI, a perseverança deu o primeiro fruto, materializado através de um single com o seu nome impresso na capa. A experiência repetiu-se ao longo da última década de forma esporádica e perante a indiferença generalizada. E eis que, com a bonita idade de 62 anos, Charles Bradley estreia-se finalmente em formato longo com um tratado de soul da velha escola intitulado No Time For Dreaming. Boa parte do mérito vai para Tom Brenneck, fundador da editora Dunham, pequeno selo ligado à ligeiramente maior Daptone Records (outrora os grandes nomes da soul eram disputados como espécimes raros e valiosos pelas grandes editoras... sinais dos tempos...), que acreditou neste talento em estado bruto e lhe disponibilizou a Menaham Street Band para as sessões de gravação. Este colectivo de músicos provenientes de várias bandas ligadas à citada editora é responsável pela toada soul sulista que percorre No Time..., com metais luxuriantes em quantidades estimáveis, alguns ritmos funky, breves apontamentos de raiz latina, e os inevitáveis coros carregados de espiritualidade. A estrela da companhia é, contudo, a voz amadurecida e granulosa de Charles Bradley, um soul-man de corpo inteiro capaz de ombrear com os maiores. As canções, em número de doze, percorrem com elevado estilo a habitual cartilha do género, ora insufladas de um romantismo charmoso, ora com pertinentes e doridas observações de pendor sócio-político. É sobretudo nesta última categoria que aquela aspereza da voz dá especial ênfase ao carácter pessoal e sincero das palavras.
"The World (Is Going Up In Flames)" [Dunham, 2011]
3 comentários:
Ainda hoje destaquei este senhor lá no blog. Muito bom!
Isto anda tudo ligado, como dizia o outro ;)
Ocorreu-me agora que, se a música não fosse de alto quilate, esta podia ser a história de "outra" Susan Boyle...
Boa analogia.
Enviar um comentário