"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Digestão fácil
















Desde o início de carreira, pelos alvores do novo século, o percurso dos Deerhunter tem-se pautado por duas premissas: a proficuidade e a inconstância estética. Relativamente ao primeiro ponto basta lembrar que, desde que anunciaram um hiato há coisa de três anos, já lançaram dois álbuns, ou três, se contarmos  com o extra de Microcastle (2008), e outros tantos EPs. Isto sem contar com os projectos paralelos dos seus membros e os temas avulsos que vão oferecendo gratuitamente e em quantidades razoáveis, boa acção que faz deles representantes de um espírito independente que ainda sobrevive. No que respeita a opções estéticas, o trajecto da banda de Atlanta tem sido ziguezagueante: apareceram sob um manto impenetrável de noise negativista, incorporaram laivos shoegaze, e evoluíram para a entidade dream-pop com traços de psicadelismo que recolheu alguns proventos. Em qualquer fase, negaram o facilitismo, opção que os afastou dos ouvidos menos treinados.
O volte-face pode ocorrer já com o novíssimo Halcyon Digest, maioritariamente composto pelo guitarrista Lockett Pundt e, até à data, o mais acessível  (é elogio) dos discos dos Deerhunter. Num primeiro contacto, estranha-se a ausência do par de temas orelhudos do anterior e citado Microcastle. Porém, este passo lógico, coeso e diminuído no elemento psych, enreda no mar de melancolia esperançada em posteriores audições. Salvo pontuais anomalias, ou não estivéssemos na presença de uma banda que ainda não perdeu o gosto pelo risco, estas onze canções (sim, CANÇÕES) de tons esbatidos deixam-se levar pelas guitarras cristalinas, quase liquefeitas. A voz de Bradford Cox é frágil, quase adormecida. Contudo, soa mais inteligível que nunca. O tema que lhe serviu de aperitivo vem acompanhado de um vídeo que, nas imagens, ilustra exemplarmente a nebulosidade do todo:

"Helicopter" [4AD, 2010]

terça-feira, 28 de setembro de 2010

First Exposure #19






















TAMARYN

Formação: Tamaryn Brown (voz); Rex John Shelverton (gtr, bx, btr)
Origem: San Francisco, Califórnia [US]
Género(s): Indie-Pop; Shoegaze; Noise-Pop; Dream-Pop
Influências / Referências: Slowdive, Mazzy Star, My Bloody Valentine, Cocteau Twins, A Place To Bury Strangers, Film School


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Mil imagens #9

Sleater-Kinney - Nova Iorque, 2005
[Foto: Nicholas Burnham]

A imagem faz parte da sessão para a revista Magnet na qual as sobreviventes do movimento riot grrrl na qual eram entrevistadas pelo admirador Eddie Vedder (afinal a "azeiteirice" pode coabitar com o bom-gosto...). Celebrava-se então a "consagração" com o superlativo The Woods (2005), longe de imaginar que o fim prematuro, que ainda hoje deixa este escriba desconsolado, estava iminente. Corin Tucker e Carrie Brownstein, as guitarristas/vocalistas agitadoras, brincam com caretas que fazem jus à fama de desafiadoras do establishment machista do rock'n'roll. Por seu turno, a baterista Janet Weiss mantém a pose serena, o disfarce de senhora por detrás do qual se esconde uma rocker de alma e coração.

Duetos #26















Enquanto membro dos Public Image Ltd., Jah Wobble foi apontado como um dos mais talentosos baixistas do período post-punk. À deserção da pandilha de John Lydon seguiu-se a longa travessia do deserto. Por essa altura, Wobble viveu dias conturbados, abandonou temporariamente a música e esteve perto da mendicidade. Limpo e sóbrio, "renasceu" em inícios da década de 1990, aparecendo na primeira linha dos estetas da fusão da florescente música de dança com elementos étnicos. A acompanhá-lo trazia uma miríade de colaboradores. Entre eles, a "careca" mais controversa de então.

Jah Wobble's Invaders of The Heart feat. Sinéad O'Connor
"Visions Of You" [Atlantic, 1992]

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Singles Bar #52







SUBWAY SECT
Ambition
[Rough Trade, 1978]





Vivemos um tempo em que, quer seja pelo crescente número de coleccionadores das pequenas rodelas de vinilo, quer seja pela falta de tempo para digerir o ror de álbuns a que temos acesso, o single tem sido revitalizado. Outrora, era esse o formato preferencial para qualquer banda que quisesse fazer-se notar antes de partir para obras mais ambiciosas (e dispendiosas). Casos houve de projectos que não duraram o tempo suficiente para gravarem um álbum que fosse, sem que isso signifique que não tenham reservado um lugar na História da Pop. Exemplo paradigmático é o dos londrinos Subway Sect, um das muitas bandas a arriscar a sua sorte no fervilhante período pós-punk: dois anos de actividades irregulares renderam outros tantos singles. O mais caricato, é que a banda já se tinha dissolvido aquando da edição de Ambition, o último do par, não podendo assim gozar da relativamente calorosa recepção ao tema-título.
Ouvir "Ambition" pela primeira vez (comigo aconteceu há uns 12 a 15 anos) é perceber de imediato o que torna esta canção especial ao ponto de gente como Morrissey ou John Peel não hesitarem em citar os Subway Sect como uma das suas bandas fétiche. Há neste tema um cuidado com a estrutura que contrasta com a radicalidade da maioria das propostas contemporâneas, e que só encontra paralelo nos Scritti Politti de então. Na rudeza das guitarras e na inquietude da bateria, "Ambition" tem ainda impressas as marcas de uma genealogia punk. Sucede que, em toda a sua duração, é guiado por um órgão do mais cheesy e infantilóide, como que a querer mostrar-se afável. Porém, a principal nota de relevo vai para peculiaridade da voz de Vic Godard, como alguém já a descreveu, algures entre o sentir soul de Bowie e a acuidade de Howard Devoto. Percebe-se agora toda a adoração do vocalista dos Smiths, também ele dono de uma forma de cantar sobejamente sui generis, e que, tal como Godard, evoluiu na idade madura para um estilo próximo do crooning.


quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O canto do cisne (renascido)















"THIS IS NOT A REUNION. It’s not some dumb-ass nostalgia act. It is not repeating the past. After 5 Angels Of Light albums, I needed a way to move FORWARD, in a new direction, and it just so happens that revivifying the idea of Swans is allowing me to do that."

É nestes termos que Michael Gira se refere à reactivação dos Swans, volvidos que estão treze anos desde a dissolução. Não da formação original. Tão pouco da formação clássica que integrava a glaciar Jarboe, de meados de oitentas em diante. Os novos "cisnes" são Gira, o guitarrista original Norman Westberg, e uma série de elementos que passaram pelas várias encarnações do díptico Swans/Angels of Light. My Father Will Guide Me Up A Rope To The Sky, o álbum que vê a luz do dia na próxima segunda-feira está aí para alertar que as palavras acima transcritas são para serem levadas a sério. Como é bom de ver, o novo disco não segue a toada melódica gothic-americana que assinalou a parte mais visível da carreira dos Swans, sublimada nos posteriores Angels of Light. Também não é o regresso à brutalidade noisy dos primórdios que, segundo reza a lenda, quando transposta para palco, causava a repulsa e o vómito nos presentes. Mas são os Swans com uma visceralidade e um inconformismo como já não lhes víamos desde o longínquo Children Of God (1987), algo que detectamos logo no troar industrial, com carrilhão incluído, do inaugural (e longo) "No Words/No Thoughts". Podemos também contar com o Devendra Banhart saudavelmente demente de que já tínhamos saudades na interpretação do sugestivo "You Fucking People Make Me Sick", o mesmo tema que (pasme-se) conta com a participação do rebento Gira de apenas três anos. 
E como é que eu sei tudo isto? Li por aí e ouvi aqui.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ouvir/sentir
















Inegavelmente menos citados que os My Bloody Valentine, os Seefeel foram responsáveis por levar a fantasmagoria quase em estado líquido gerada por aqueles no incontornável Loveless (1991) a um estádio de maior depuramento. Com recurso às programações electrónicas e às guitarras tratadas, criaram paisagens sonoras de uma placidez a meio caminho entre os ambientes bucólicos dos Boards of Canada e as atmosferas plúmbeas do contingente shoegazer. Para melhor entendimento, recomenda-se a escuta de Quique (1993), a obra magna revitalizada com a edição redux de 2007.
No ano passado, movidos por um renovado interesse de público e imprensa, os Seefeel regressaram aos palcos, tendo, inclusive, sido anunciados (e cancelados) como uma das propostas da última edição do Primavera Sound. No que a música gravada diz respeito, a reunião já rendeu os primeiros frutos, com o lançamento (ontem) de Faults, um EP de quatro faixas em formato 10" que vem interromper um silêncio de 14 anos. Na nova formação, à dupla omnipresente Mark Clifford e Sarah Peacock, juantam-se Iida Kazuhisa (antiga baterista dos Boredoms) e Shigeru Ishihara (baixista e DJ ligado às correntes mais abrasivas da música electrónica). A primeira é responsável pela abertura dos Seefeel aos ritmos e às cadências quebradas do kraut, e o último imprime alguma rugosidade à matriz originalmente imaculada. Quanto à voz de Peacock, deixou de ser mero adereço. Emerge agora da densidade das texturas e ganha vida material.
Atentos às tendências musicais da última década e meia, em particular da facção electrónica, os Seefeel de Faults perderam em carácter lisérgico o que ganharam em abstraccionismo. No entanto, a linguagem que utilizam continua a apelar a todos os sentidos.


"Faults" [Warp, 2010]

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Discos pe(r)didos #44







COME
Eleven: Eleven
[Matador, 1992]





Com a atenção dispensada ao underground norte-americano após o fenómeno Nirvana, e antes que os executivos das editoras apontassem azimutes a produtos formatados e mais facilmente vendáveis, uma série de nomes perfilou-se como capaz de dar o salto. De entre eles, sobressai um par de bandas especialmente sui generis ao partir de um de uma essência punk-rock para integrar elementos de linguagens conotadas com a música negra: os Afghan Whigs, fortemente imersos no charme da soul, e os Come, com uma indisfarçada componente blues. Formados em Boston, estes últimos integravam nas suas fileiras uma parelha já com relativa experiência no circuito independente da costa leste dos E.U.A. - a vocalista e guitarrista Thalia Zadek, com passado ligado a bandas tão diversas como Uzi, Dangerous Birds, ou Live Skull, e o guitarrista Chris Brokaw que, à data, acumulava com as funções de baterista nos slowcorers Codeine. 
Para que não restem dúvidas sobre a tendência bluesy, os Come estrearam-se na Matador Records com um single intitulado "Fast Piss Blues", o qual, no lado B, apresentava uma versão de "I Got The Blues", dos Rolling Stones. Ambos os temas são incluídos no final do alinhamento da edição em CD de Eleven: Eleven, o álbum de estreia. O primeiro é paradigmático da sonoridade dos Come, com furiosas progressões de guitarras, com inúmeras paragens abruptas, e com a voz hiper-emotiva de Zadek, capaz de ir do sussurro enternecedor ao mais violento grito de desespero num ápice. No clímax, em despique com o gume afiado das guitarras, revela-se algo perturbador ouvi-la soltar, a plenos pulmões, um lancinante "I don't remember being born!". Mais ortodoxa, a versão dos Stones, resulta numa balada "grunge-blues" que constitui o raro momento de pacificação de todo o disco. Pela escassa amostra, é já perceptível que 11: 11 não é disco de fácil assimilação por parte de quem busca refrões orelhudos e leveza pop. Ao invés, revela-se extremamente fascinante para os adeptos da tensão dramática e da complexidade textural. A dar o mote, "Submerge" abre o disco com uma cavalgada de guitarras que inflecte para um mar instrumental de calmaria, logo após o pico emotivo de Zadek. Toda aquela dor expressa na voz da cantora mais não é do que a cicatrização das feridas de um passado relacionado com drogas duras e quase indigência. As maiores evidências surgem em "Dead Molly", tema no qual a vocalista se disfarça da personagem do título para soltar um dos mais descarnados refrões - "Your evil twin is poison and she's turning on your friends" - enquanto Brokaw deriva de um ritmo quase vaudeville para um violento pára-arranca capaz de deixar a respiração em suspenso. Ou no explícito "Brand New Vein", substancialmente próximo das convenções blues. Não obstante o intro instrumental atonal que ocupa metade da duração, e a velocidade vertiginosa da parte cantada, "Off To One Side" é a faixa de 11: 11 em que os Come mais se aproximam da linearidade da canção estandardizada. Já os temas subsequentes, particularmente "William", "Orbit", e o dueto (com Brokaw) "Sad Eyes", voltam a trocar as voltas, alternando ápices de tensão com momentos de maior relaxamento que permitem recuperar o fôlego.
Gorada qualquer hipótese de visibilidade significativa, a carreira dos Come renderia ainda mais três álbuns. Sem grandes concessões à novidade, é certo, mas igualmente empenhados em enredar o ouvinte no caudal de emoções e no emaranhado de complexidade desta superlativa estreia.


"Fast Piss Blues"


"Off To One Side"

domingo, 19 de setembro de 2010

Good cover versions #42













SAINT ETIENNE _ "Kiss And Make Up" [Heavenly, 1990]
[Original: The Field Mice como "Let's Kiss And Make Up" (1989)]

Até à estabilização do trio imutável até aos dias de hoje, com a entrada da estilosa Sarah Cracknell, os Saint Etienne, veículo dos estudiosos pop Bob Stanley e Pete Wiggs para a recuperação das memórias swinging sixties à luz da cena de dança vigente, pareciam o típico projecto de estúdio com diferentes vozes (femininas) contratadas. Desse período, fica também registada a queda da dupla para a concretização de versões improváveis: o cartão de visita tinha sido uma releitura do clássico de Neil Young "Only Love Can Break Your Heart" com a voz de Moira Lambert. Consideravelmente mais obscura, a escolha para segundo single conta com a participação de Donna Savage (dos neozelandeses Dead Famous People) na apropriação de "Let's Kiss And Make Up", tema do álbum de estreia dos The Field Mice, banda emblemática do catálogo da Sarah Records e do universo twee-pop acarinhada pelo saudoso John Peel.
Tratado de elegância, embora insuflada de uma certa ingenuidade pela voz imaculada de Savage, "Kiss And Make Up" é paradigmática dos Saint Etienne de então, com a base descaradamente pop a dar abrigo às balearic beats que, na altura, contaminavam muita da música de dança produzida no Reino Unido. O brilho exuberante desta versão está em evidente contraste com o original, uma ternurenta e lisérgica demonstração de devoção por outrém. No fundo, nada de anormal nos The Field Mice, habitualmente usados por Robert Wratten para cortejar a musa (e colega) Annemari Davies. A mesma que motivou o azedume dor-de-corno dos posteriores Trembling Blue Stars.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Everything in its wrong place?
















Uma das duplas que promete marcar o presente e o futuro próximo da produção musical está de volta.  Chamam-se No Age e são líderes incontestados do novo "movimento" DYI que eclodiu na Califórnia e rapidamente alastrou aos quatro cantos dos states. Há dois anos e meio extremaram as opiniões com o debutante Nouns, disco onde, com uma boa dose de angst juvenil, tanto prestavam vassalagem aos heróis altern-rock de noventas, como entravam na deriva abstraccionista dos My Bloody Valentine. O novo Everything In Between promete o passo evolutivo que o título possa sugerir, com uma maior aproximação ao formato estandardizado de canção. Contudo, dos No Age é sempre de esperar poucas concessões à normalidade e muita sabotagem premeditada. Por exemplo, aquele que é apontado como primeiro single, é guiado por um baixo pulsante a fazer lembrar Joy Division. Porém, o tom de voz alheado e o chinfrim perfurante frustram qualquer hipótese de maiores similaridades. A meu ver, nos tempos que correm, atitude punk é isto:


"Glitter" [Sub Pop, 2010]

terça-feira, 14 de setembro de 2010

First Exposure #18
















BETTY AND THE WEREWOLVES


Formação: Laura McMahon (voz); Emily Bennett (gtr, voz); Helen Short (gtr, tcls); Doug McFarlane (btr)
Origem: Londres / Cambridge, Inglaterra [UK]
Género(s): Indie-Pop, Pop-Punk, Twee-Pop
Influências / Referências: Talulah Gosh, Shop Assistants, Delta 5, X-Ray Spex, The Raincoats, Grass Widow

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Noites em branco













Embora apenas reconhecido pelas massas como o autor de determinado número bowiesco, Edwyn Collins é daqueles personagens a merecer o nome gravado a letras douradas no Livro da Pop. Não da pop vazia que nos é impingida pelos media generalistas, mas sim aquela das canções capazes de mudar vidas, tal como a dos grandes mestres de sessentas. Esse estatuto conquistou-o desde os criminalmente negligenciados Orange Juice, a banda que, desde os alvores dos eighties, contaminou quase toda a produção musical  subsequente em terras da Escócia. Que o digam os celebrados Franz Ferdinand, admiradores que têm tentado (ingloriamente) espalhar o nome de Collins & C.ª aos quatro ventos.
Há cinco anos quase o perdíamos, depois de dois AVCs que deixaram sequelas profundas. A recuperação, documentada no livro Falling And Laughing, da autoria da companheira e agente Grace Maxwell, foi lenta mas milagrosa. Em 2007, um ainda debilitado Collins dava os últimos retoques em Home Again, álbum quase concluído aquando do incidente. Agora, apresta-se para editar o primeiro disco totalmente concebido e gravado após aquela data. Chama-se Losing Sleep e chega às lojas dentro de precisamente uma semana. Algumas resenhas avulsas dão conta de um dos seus trabalhos mais sólidos, com a habitual dose moderada de melancolia, mas imerso num profundo sentido de esperança. Diz-se também que é uma daquelas obras demonstrativas do que é saber envelhecer tirando partido de cada etapa da vida, curiosamente, tal qual este vosso escriba referiu aqui sobre o último de certos compinchas também escoceses. Fala-se ainda que os problemas de disfasia são imperceptíveis na voz quente e aveludada a que nos habituámos. Já quanto à impossibilidade de Collins esgalhar as seis cordas de uma guitarra, ficamos a saber que é colmatada pela presença de muitos amigos e admiradores que conferem uma certa rudeza às melodias: Alex Kapranos e Nick McCarthy dos citados FF, Johnny Marr, Roddy Frame, The Drums, Ryan Jarman (The Cribs), e Romeo Stodart (The Magic Numbers). O tema-título abre o disco com promessas de algo enorme, com guitarras afiadas e coros ameninados, a recuperar as origens punk e pop vintage de Collins.

"Losing Sleep" [Heavenly, 2010]

domingo, 12 de setembro de 2010

Duetos #25












Dee Dee é uma mulher-de-armas. Sozinha, deu os primeiros passos como Dum Dum Girls. Contudo, para o primeiro álbum, foi auxiliada por outras ninfetas. É lá que também podem encontrar uma colaboração com o cara-metade, cabecilha dos marychainianos Crocodiles. E não é que, a espaços, a coisa até faz lembrar aquele encontro de Hope Sandoval com os irmãos Reid...


Dum Dum Girls (w/ Brandon Welchez) _ "Blank Girl" [Sub Pop, 2010]

Are they all prostitutes?


















No manacial de ideias geradas no Reino Unido pós-punk, os bristolianos The Pop Group destacam-se como uma das propostas mais aventureiras. No par de álbuns que deixaram gravados em outros tantos anos de intensa actividade, registaram uma amálgama de punk, dub, noise, world, funk, e muito experimentalismo, que abriu caminho àquilo que ficou conhecido como trip-hop ou som de Bristol (é verdade, embora hoje seja difícil de acreditar...). A mistura abrasiva, tribal, vinha condimentada por uma postura confrontacional que estava muito para além de qualquer manifesto político pré-definido. Como é bom de ver, a nome adoptado por tão desalinhado combo só pode ser uma provocação. Após a dissolução, os seus membros espalharam-se por diversos projectos que disseminaram, em diferentes gradientes, os princípios da banda-mãe: Maximum Joy, Rip Rig + Panic, Pigbag, Head, ou Mark Stewart & The Mafia, este último o de maior visibilidade, com o frontman e principal instigador. Trinta anos volvidos, estão de regresso e prometem novo disco. Para já, têm agendados alguns (poucos) concertos. Visto apenas à luz de uma lógica de comércio do saudosismo, este regresso pode parecer um paradoxo. Porém, depois de ter assistido a concertos de Gang of Four e Wire, seus contemporâneos e confrades na facção mais subversiva do post-punk, estou em crer que as características que definem o Pop Group permanecem intactas. Quem no-lo garante são os próprios no comunicado que deu conta do reagrupamento: "There was a lot left undone,....we were so young and volatile....Let's face it, things are probably even more fucked now than they were in the early 80's.....and we are even more fucked off!".

Nick Cave sobre "We Are All Prostitutes" [Rough Trade, 1980]
- in Music Of The Millenium [Channel 4, 1999]

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Singles Bar #51








McCARTHY
Should The Bible Be Banned?
[September, 1988]





Antes do casamento e da longa aliança à frente dos Stereolab, Tim Gane e Lætitia Sadier cruzaram-se nos McCarthy. Ela passou pela banda apenas na fase derradeira, ele foi membro permanente. Falar dos McCarthy obriga a recordar a C86, a célebre cassete oferecida pelo New Musical Express determinante para o florescer de um submundo indie-pop para a qual contribuíram (com o tema "Celestial City") e se destacaram ao apresentar algumas ideias concisas, contrastando com a verdura demonstrada pela maioria dos restantes participantes. Logo aí, os McCarthy fizeram questão de frisar as suas duas características determinantes: uma forte orientação pop e um atento comentário político alinhado à esquerda. Dos muitos e recomendáveis singles que editaram a posteriori, seguindo aqueles princípios com pequenas nuances, destaco Should The Bible Be Banned? somente por se tratar do meu preferido. É um tema marcado pelas guitarras afiadas, mas que, em momento algum, perde o norte melódico. A voz adocicada de Malcolm Eden disfarça o incómodo das palavras. Ao contrário do que o título possa sugerir, "Should The Bible..." não é um ataque cego ao catolicismo vindo de esquerdistas ateus. É sim o relato da história de um homem inspirado no episódio de Abel e Caim para o assassinato do irmão, expondo assim ao ridículo as teses que defendem a influência que certas obras de arte (filmes, música, livros) têm nos praticantes dos mais cruéis actos de violência. No lado B podem encontrar "We Are All Bourgeois Now", tema alvo de versão por parte dos Manic Street Preachers, os irredutíveis galeses que têm no baixista e letrista Nicky Wire o notável mais empenhado em resgatar o nome dos McCarthy ao esquecimento. Houvesse mais como ele...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Vidas passadas da pop (outra vez)
















Chamo a vossa atenção para as Grass Window, um trio de San Francisco, Califórnia, que toca tangencialmente a nova tendência lo-fi da América do Norte e vai já no segundo álbum. Se o primeiro (homónimo, do ano passado) passou completamente ao largo, o mesmo não se pode dizer do novíssimo Past Time, que me chegou aos ouvidos por via do labor deste compincha. Numa dezena de temas que somam a duração de uns escassos 26 minutos e meio, e que deixam escapar um certo travo a feminismo militante (afinal não é à toa que adoptam a designação dada às mães dos filhos ilegítimos), as Grass Window condensam a secura post-punk das Raincoats e das Essential Logic e a feitiçaria inclassificável das Electrelane. Todas as três meninas cantam, e muitas vezes em uníssono. É quando as três vozes se unem, ou se intersectam, que as Grass Window edificam monumentos de harmonia sobriamente melancólicos, distintos  da rispidez deliberada daquelas tias afastadas ou das lenga-lengas entorpecedoras das primas mais velhas.

"Shadow" [Kill Rock Stars, 2010]

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

10 anos é muito tempo #23







RYAN ADAMS
Heartbreaker
[Bloodshot, 2000]





Não é muito antiga nem durou muito a minha relação de proximidade com a tendência alt-country que, na transição do século passado para o actual, ganhava páginas na imprensa musical internacional. Esse amor breve é da exclusiva responsabilidade de Ryan Adams (dispensam-se confusões propositadas com o nome, que o rapaz é capaz de fazer birra...) e de Heartbreaker, a sua estreia a solo editada logo após a dissolução dos Whiskeytown, colectivo que já tinha feito alguns avanços insuficientes para me demover. Talvez a paixão tenha nascido do impulso pop de Adams, discípulo assumido de Gram Parsons e, tal como este, capaz de retirar a country do reduto reservado aos puristas. Não será por acaso que Heartbreaker se inicia com uma discussão acerca do álbum que contém "Suedehead", de Morrissey... Além de Adams, o "debate" tem como interlocutor David Rawlings, juntamente com a companheira Gillian Welch, presença permanente no disco, como que assegurar o tradicionalismo que contraria qualquer ímpeto punky do irreverente cantautor. Sem menosprezar a herança de Parsons (e de Dylan, e de Springsteen), olho para este Ryan Adams debutante (25 anos apenas, e uma voz capaz de catalizar todo o desespero do mundo) como uma espécie de Kurt Cobain renascido, com diferentes ferramentas e diferente background, é certo, mas o mesmo afinco no propósito de deixar a nu os fantasmas que atormentam a alma. Duvidam? Então tentem escutar o angst juvenil refinado de "To Be Young (Is To Be Sad, Is To Be High)" ou de "Come Pick Me Up". Ou, em alternativa, o negrume das relações corroídas pelo fracasso de "My Winding Wheel", "Call Me On Your Way Back", ou "In My Time Of Need". Intimista e embriagado, até em certa medida exasperante, Heartbreaker não abdica do seu carácter redentor, materializado num par de temas mais ternurentos: "Oh My Sweet Carolina" (com a participação da lenda Emmylou Harris) e "Sweet Lil Gal (23rd/1st). 
Face a esta estreia auspiciosa, e à tenra idade do autor aquando da sua concepção, augurava-se que Ryan Adams estivesse destinado a voos mais altos, algo que Gold (2001) chegou a ameaçar e que os executivos das editoras pareciam planear. Contudo, o feitio intratável e a falta de crivo editorial para a incontinência criativa sabotaram qualquer plano mais ambicioso . Bem vistas as coisa, antes assim, ou correríamos o risco de agora estar a recordar outro mártir...


"To Be Young (Is To Be Sad, Is To Be High)"


"Call Me On Your Way Back Home"


"Come Pick Me Up"

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Mil imagens #8

The Stone Roses - Manchester, 1989
[Foto: Steve Double]

Fotógrafo inglês, Steve Double é actualmente requisitado para campanhas publicitárias das mais consagradas marcas comerciais. Tempos houve em que se dedicava exclusivamente a fotografar bandas e artistas musicais, mesmo tratando-se de nomes emergentes, como era o caso destes Stone Roses no tempo em que, com a mais descarada arrogância, se propunham conquistar o mundo. Um erro de planeamento gorou-lhes os sonhos mas, por um período de meses, talvez mais de um par de anos, os quatro mancunianos foram a mais estimulante proposta musical oriunda de terras de Sua Majestade. No sítio oficial do fotógrafo a imagem aparece acompanhada se uma singela legenda: godhead. É o termo que nos ocorre ao observar o puto Ian Brown, em primeiro plano, em postura de imposição e afirmação.

Going out
















Frankie Rose não é rapariga para se acomodar. Para muitos de nós, teve a primeira aparição enquanto baterista dos Crystal Stilts. Antes disso, porém, já tinha desempenhado iguais funções nas Vivian Girls e na formação embrionária das Grass Widow (é imperativo ter estas meninas debaixo de olho). Em meados de 2009 abandonou o combo nova-iorquino que a notabilizou para embarcar numa aventura a solo, a qual rendeu de imediato o single Thee Only One. Entretanto, teve uma passagem fugaz pelas Dum Dum Girls. Agora, faz-se acompanhar por mais três moças com iguais propósitos, todas reunidas sob a designação Frankie Rose & The Outs. O quarteto tem prontinho um álbum homónimo que verá a luz do dia lá mais para o final do corrente mês. Do disco, espera-se que traga muito açúcar derretido sob um denso manto de fuzz. Eis uma pequena amostra, já nossa conhecida do lado B do referido single:


"Hollow Life"
[Slumberland, 2009/2010]

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Discos pe(r)didos #43






DENIM
Back In Denim
[Boy's Own, 1992]






Falhada a última parte do plano dos Felt - 10 anos, 10 álbuns, o sucesso como meta -, Lawrence (sem apelido, sff) remeteu-se a um breve silêncio. Reapareceu encabeçando os Denim, projecto que, surpreendentemente, se afastava da pop enviesada de louvor aos Television do tempo dos Felt, abraçando a pompa do glam-rock numa dezena de temas pontuados pelas guitarradas ostensivas e pelo borbulhar dos sintetizadores ranhosos. Neste acto de revivalismo (da década de 1970, mais concretamente) Lawrence veste a pele do vingador para com o establishment e, na empreitada, conta até com a participação de um par de integrantes da banda do clownesco Gary Glitter.
Back In Denim abre com o tema-título (subtil ironia com um dos vários clichés do rock'n'roll) que surripia a batida do hino da azeiteirize "We Will Rock You". Por entre palminhas, teclados primitivos e coros descaradamente viscosos, "Back In Denim" ergue-se eficazmente dançante. Se este começo é já suficientemente cáustico, o sarcasmo conhece maior refinamento em temas subsequentes, com Lawrence a destilar doses de vitríolo suficientes para corroer as estruturas da indústria musical. As idiossincrasias dos setentas são abordadas em "The Osmonds", ficando o tratamento lawrenciano da década seguinte reservada ao explícito "I'm Against The Eighties". Em regime de balada abastardada, o primeiro é um longo enumerar saudosista dos diferentes "produtos" culturais a que uma criança daquela época estava exposta, entre eles a bem sucedida família-banda do título. Mais efusivo e até festivo, o segundo é Lawrence a cuspir na era que o ostracizou, a mesma em que a MTV implementou a ditadura da imagem que ainda vigora. Tiradas do género "I made a new sound and they put it underground" ou "Duran Duran fake make-up boys / The rum-runner clan / I knew you when you were at school / You were nothing then / And when you left the band you were nothing again" são reveladoras. Porém, a peça central de Back In Denim reside em "Middle Of The Road", T-Rex em lume brando que, numa penada, declara o desprezo pelas chamadas vacas sagradas e os seus tiques, sejam elas do rock'n'roll ou da pop, dos blues ou da folk, do funk ou da soul. Em poucas palavras, Lawrence denuncia a forma como se alimentam os mitos que engordam a indústria.
Depois desta estreia retumbante, a aventura Denim ainda conheceria novo capítulo com Denim On Ice (1996), mais apostada em dinamitar as estruturas do edifício britpop que, em certa medida, despoletou. O mundo pop, mais concentrado nos feitos mundanos das estrelas, não quis saber e o projecto desvaneceu-se. Lawrence reapareceu como Go-Kart Mozart, projecto de propensões arty que vai sobrevivendo nos subterrâneos da música popular.


"Back In Denim"


"Middle Of The Road"


"The Osmonds"