COME
Eleven: Eleven
[Matador, 1992]
Com a atenção dispensada ao underground norte-americano após o fenómeno Nirvana, e antes que os executivos das editoras apontassem azimutes a produtos formatados e mais facilmente vendáveis, uma série de nomes perfilou-se como capaz de dar o salto. De entre eles, sobressai um par de bandas especialmente sui generis ao partir de um de uma essência punk-rock para integrar elementos de linguagens conotadas com a música negra: os Afghan Whigs, fortemente imersos no charme da soul, e os Come, com uma indisfarçada componente blues. Formados em Boston, estes últimos integravam nas suas fileiras uma parelha já com relativa experiência no circuito independente da costa leste dos E.U.A. - a vocalista e guitarrista Thalia Zadek, com passado ligado a bandas tão diversas como Uzi, Dangerous Birds, ou Live Skull, e o guitarrista Chris Brokaw que, à data, acumulava com as funções de baterista nos slowcorers Codeine.
Para que não restem dúvidas sobre a tendência bluesy, os Come estrearam-se na Matador Records com um single intitulado "Fast Piss Blues", o qual, no lado B, apresentava uma versão de "I Got The Blues", dos Rolling Stones. Ambos os temas são incluídos no final do alinhamento da edição em CD de Eleven: Eleven, o álbum de estreia. O primeiro é paradigmático da sonoridade dos Come, com furiosas progressões de guitarras, com inúmeras paragens abruptas, e com a voz hiper-emotiva de Zadek, capaz de ir do sussurro enternecedor ao mais violento grito de desespero num ápice. No clímax, em despique com o gume afiado das guitarras, revela-se algo perturbador ouvi-la soltar, a plenos pulmões, um lancinante "I don't remember being born!". Mais ortodoxa, a versão dos Stones, resulta numa balada "grunge-blues" que constitui o raro momento de pacificação de todo o disco. Pela escassa amostra, é já perceptível que 11: 11 não é disco de fácil assimilação por parte de quem busca refrões orelhudos e leveza pop. Ao invés, revela-se extremamente fascinante para os adeptos da tensão dramática e da complexidade textural. A dar o mote, "Submerge" abre o disco com uma cavalgada de guitarras que inflecte para um mar instrumental de calmaria, logo após o pico emotivo de Zadek. Toda aquela dor expressa na voz da cantora mais não é do que a cicatrização das feridas de um passado relacionado com drogas duras e quase indigência. As maiores evidências surgem em "Dead Molly", tema no qual a vocalista se disfarça da personagem do título para soltar um dos mais descarnados refrões - "Your evil twin is poison and she's turning on your friends" - enquanto Brokaw deriva de um ritmo quase vaudeville para um violento pára-arranca capaz de deixar a respiração em suspenso. Ou no explícito "Brand New Vein", substancialmente próximo das convenções blues. Não obstante o intro instrumental atonal que ocupa metade da duração, e a velocidade vertiginosa da parte cantada, "Off To One Side" é a faixa de 11: 11 em que os Come mais se aproximam da linearidade da canção estandardizada. Já os temas subsequentes, particularmente "William", "Orbit", e o dueto (com Brokaw) "Sad Eyes", voltam a trocar as voltas, alternando ápices de tensão com momentos de maior relaxamento que permitem recuperar o fôlego.
Gorada qualquer hipótese de visibilidade significativa, a carreira dos Come renderia ainda mais três álbuns. Sem grandes concessões à novidade, é certo, mas igualmente empenhados em enredar o ouvinte no caudal de emoções e no emaranhado de complexidade desta superlativa estreia.
"Fast Piss Blues"
"Off To One Side"
4 comentários:
Mágnifico disco! E parece que os Come vão regressar para um concerto no aniversário da Matador. Quem sabe não se entusiasmam e ainda fazem uma tour pela Europa? Era bem bom.
Até já os estou a ver em Maio, junto ao Mediterrâneo. A eles e aos Guided by Voices (o.k., tu não gostas...).
Indespensavel.
:-)
Abraço
Era bem bom. Mas ainda melhor seria virem ao Alquimista ou Musicbox. Na Zdb seria excelente mas quero acreditar que existem fãs suficientes para um espaço maior.
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