"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Em escuta #29

Hoje, excepcionalmente, em dose dupla para tecer algumas considerações sobre dois discos que têm feito correr muita tinta.

PORTISHEAD
Third
[Island, 2008]

Quando foram notados, há quase década e meia, com o excelente Dummy, dois factores terão sido determinantes para o bom acolhimento daquele disco de estreia em regime downtempo: a ressaca da rave culture, e uma das muitas crises que o rock atravessava, no declínio dos movimentos grunge e shoegazing. Seguiu-se um segundo disco homónimo, pintado a tons mais negros, que não ultrapassava a mediania. Com tão parco currículo, para a construção do mito, muito terá contribuído o longo período de silêncio que se seguiu. Pondo fim ao hiato de onze anos, os Portishead regressam agora para gáudio dos muitos devotos.

Quando oiço a introdução de "Silence", sacada a um filme brasileiro, povo pródigo em tiradas de filosofia de pacotilha, tenho de admitir que me vem à memória um tema dos intratáveis Enapá 2000 (aquele cujo título tem quatro letras, começa por P e acaba por A). O referido intro dá o toque de exotismo, e dá também o mote para os primeiros sons, tingidos de samba que evolui para uma descarga proto-industrial na linha do conhecido "Machine Gun". Nada de particularmente entusiasmante, portanto. Este primeiro tema termina abruptamente, dando lugar a "Hunter", cabaret negro muito na linha do segundo álbum, numa transposição que não deixa de criar alguma estranheza.
Algo do pior de Third vem logo de seguida, com uma sucessão de três temas que remetem para aquele período em que os conterrâneos Massive Attack começaram a descair para o enfadonho. Ao sexto tema ("We Carry On"), surge o primeiro momento de brilho: início electrónico tenso, cortado a posteriori por uma guitarra eléctrica em progressão, num crescendo de tirar a respiração. Com a voz de de Beth Gibbons a pairar lá no alto, está criada uma das melhores canções da carreira dos Portishead. Melhor mesmo, só o derradeiro "Threads", num ambiente sinistro capaz de nos transportar mentalmente até Twin Peaks.
Sempre me pareceu que a voz de Beth Gibbons, herdeira das divas folk britânicas, soava melhor em ambientes mais arejados, como tão bem soube realçar Paul Webb (vulgo Rustin Man) no mui recomendável Out Of Season (2002). Em Third, tal acontece apenas em duas ocasiões: no curto trecho folk lo-fi de "Deep Water", e em 2/3 de "Small". O segmento intermédio deste último é um devaneio kraut digno de uns Clinic.
Não posso deixar de admitir que o formato EP, hoje de novo em voga, talvez fosse o mais adequado para este regresso algo frouxo, pois quatro temas dignos em onze possíveis é muito pouco para justificar o elogio exacerbado que tenho lido um pouco por todo o lado.

THE LAST SHADOW PUPPETS
The Age Of The Understatement
[Domino, 2008]

Num país em que a quase inexistente imprensa musical é feita por velhos jarretas, que pouca ou nenhuma afinidade têm com as linguagens rock, era de supor que uma banda tão jovem como os Arctic Monkeys fosse vista com alguma desconfiança. Para cúmulo, os congéneres bifes traziam-nos nas palmas e das mãos, e já se sabe que o orgulho portuga dificilmente admite recomendações vindas de um povo com meio século de cultura pop-rock.
Quando foi tornado público que o frontman Alex Turner tinha na calha um projecto orquestral com o companion de route Miles Kane (The Rascals), mudou-se radicalmente o texto. É que também se soube que os arranjos ficavam a cargo de Owen Pallett, senhor por detrás daquela coisa chamada Final Fantasy, viabilizada no tempo em que todos os que tivessem estado a menos de 500 metros dos Arcade Fire tinham direito aos quinze minutos de fama.

Em proveito próprio, The Age Of The Understatement é menos grandioso do que se esperava, e até bastante contido nos seus 34 minutos de duração. Nos momentos mais imponentes (o tema-título, "Separate And Ever Deadly", "Only The Truth"), o recurso ao adjectivo militarista talvez não seja desajustado. Como mais-valia, é imperativo destacar a boa conjugação das vozes dos dois rapazes, ora cantando em simultâneo, ora à vez. Os melhores temas ("The Chamber", "My Mistakes Are Made For You") vêm revestidos de um charme vintage que lhes confere alguma aura de perenidade.
Notando-se a ausência da ironia amarga que caracteriza as letras dos Monkeys, temas como "I Don't Like You Anymore" ou "The Time Has Come Again" não deixam de seguir a veia mais negra que marcou Favourite Worst Nightmare, o álbum do ano passado.
Presumindo tratar-se de um projecto one off, relativamente conseguido, The Last Shadow Puppets não deixa de ficar a perder na comparação com o a banda do seu mentor mais mediático. Nada mais do que uma curiosa excentricidade a que os rapazes têm todo o direito.

7 comentários:

Anónimo disse...

Bem, eu como tinha expectativas muito baixinhas para o Third posso dizer que fui surpreendida pela positiva. Gosto bastante do álbum principalmente da The Rip, da Deep Water e da We Carry On que já referiste.

Já agora, sendo eu recém-chegada ao mundo dos American Music Club queria-te perguntar, estando tu nesse mundo há mais tempo, o que é que achas deste The Golden Age' É que eu gosto muito do álbum mas vejo-o por aí a levar tanta porrada...

Um beijo

Anónimo disse...

Bem, eu como tinha expectativas muito baixinhas para o Third posso dizer que fui surpreendida pela positiva. Gosto bastante do álbum principalmente da The Rip, da Deep Water e da We Carry On que já referiste.

Já agora, sendo eu recém-chegada ao mundo dos American Music Club queria-te perguntar, estando tu nesse mundo há mais tempo, o que é que achas deste The Golden Age' É que eu gosto muito do álbum mas vejo-o por aí a levar tanta porrada...

Um beijo

M.A. disse...

As opiniões sobre "The golden age" têm sido bastante dividas. Por cá tem levado muita porrada, mas a Uncut, se não me engano, deu-lhe destaque como disco do mês.
Se a minha opinião interessar para alguma coisa, acho que é um disco interessante, talvez melhor que o anterior "Love songs for patriots". Mas mesmo assim, está a anos-luz daquilo que eles fizeram na primeira vida. O meu preferido é "California", já de 1988. Caso os Pornógrafos façam uma incursão à capital, por ocasião dos Sunset Rubdown, posso ceder-te uma cópia do dito.

Um beijo

eduardo disse...

O dos Portishead ainda não me convenceu e duvido que o faça mas vou ouvir melhor.
Os Last Shadow Puppets até soam bem, tendo em conta que não sou grande apreciador de Arctic Monkeys. Por vezes soam a The Coral e a produção é bastante retro, no bom sentido.

Wellvis disse...

Não consigo discordar mais destas palavras. Principalmente as frases de efeito ("povo pródigo em tiradas de filosofia de pacotilha")e sobre o segundo e brilhante disco. Mas como vocês dizem diplomaticamente por aqui, "opiniões são opiniões" e tudo bem. Qto ao sample de "silence" não foi "sacado" a nenhum filme brasileiro, foi um texto (da religião Wicca)que o próprio Barrows pediu para um amigo brasileiro "traduzir". Nem precisava de muita pesquisa, em todas entrevistas ele diz isto.

De resto, acho este "Third" um dos grandes albuns de 2008. E viva a liberdade de expressão.

Anónimo disse...

Obrigada pela dica. Em principio não irei ver os Sunset Rubdown mas vou procurar saber mais "informações" sobre o álbum por essa internet fora (if you know what i mean...)

um beijo

M.A. disse...

Meu caro Wellington:

Espero que não vejas como afronta aquilo que digo sobre o povo brasileiro. Por acaso até acho que é algo que têm em comum com os portugueses. Cada um ao seu jeito, como vocês dizem.

Como deves calcular, não perco muito do meu tempo a pesquisar entrevistas do Geoff Barrow. Mas li algures que o intro de "Silence" provinha de um filme, daí a referência. Obrigado pelo esclarecimento.