Calvin Johnson @ St. George's Church, 30/04/2014
Deixe-mos de merdas: independentemente da ironia da frase da epígrafe, este ainda é um pasquim assumidamente indie. Não do conceito entretanto subvertido e apropriado pelas modernas formas de distribuir música como quem distribui amostras de champô, mas sim daquilo que antes se definia como indie, implicando, se não uma estética definida, uma filosofia rigorosa. Noutros tempos, talvez poucos tivessem encarnado melhor o espírito da coisa do que Calvin Johnson, entusiasta e promotor de múltiplas iniciativas do-it-yourself, e ele próprio músico desafiador dos estereótipos da técnica musical, da qualidade das gravações, ou da postura das rock stars, sobretudo à frente dos Beat Happening. Consta que um jovem, um tal Kurt Cobain, era um entusiasta, não só de Calvin mas de muitas das suas almas-gémeas. Portanto, a partir de ontem, 30 de Abril passou a ser dia feriado aqui no April Skies.
Nome normalmente arredado dos grandes palcos, não só pelas regras actuais da modas passageiras, mas sobretudo por escolha própria, digamos que Calvin Johnson encontrou o seu habitat natural na igreja anglicana lisboeta: um belo templo, embora sóbrio e discreto, com a vantagem de proporcionar uma excelente acústica. Tal como se desconfiava, na bagagem não vinham os semi-clássicos dos Beat Happening, ou de qualquer de muitos outros projectos de duração variável, mas sim temas dos vários álbuns entretanto editados em nome próprio. Além disso, apenas uma guitarra acústica. Microfones ou cabos eléctricos nem vê-los, que este era o verdadeiro unplugged!
Convenhamos que, até para os mais familiarizados com o universo calviniano, o formato adoptado pode causar alguma estranheza num primeiro momento. Mas isso é algo que rapidamente se dissipa, quando aquele barítono irresistivelmente imperfeito enche a imensidão do templo. A guitarra assume papel secundário, para não dizer que é mesmo posta de parte logo ao terceiro tema, apresentado num rigoroso a capella. Por esta altura já estamos rendidos aos encantos destas canções, de eterna adolescência e com muita malandrice à mistura, que nas suas imperfeições são a essência do espírito pop imaculado. Ficamos com a sensação de que, quanto maior o despojamento, maior a eficácia destes pequenos extractos de uma juventude de espírito tardia. A título de exemplo refira-se a magnífica interpretação do Bond theme "Diamonds Are Forever", tema imponente no seu original, mas igualmente sedutor nesta versão praticamente reduzida ao esqueleto. Num ambiente completamente descontraído, Calvin Johnson não se priva ainda de nos provocar alguns sorrisos com várias tiradas de um sentido de humor apuradíssimo e pouco benevolente com a pátria estado unidense. Isto sem esquecer uma expressão corporal sui generis, imagem de marca do entertainer que desafia os paradigmas da "macheza" rock. Plenamente satisfeito ao fim de uns oitenta minutos, mais coisa menos coisa, apenas lamento que não tenham sido mais os que presenciaram um dos concertos mais peculiares a que esta cidade assistiu em vários anos. Estou quase certo de que em breve dificilmente teremos privilégio semelhante.
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