Nunca fui partidário daquele puritanismo indie que condena os regressos ao activo ao serviço da indústria da saudade. Afinal de contas, o dinheiro faz falta a todos, e até acaba por se repor alguma justiça tardia quando as bandas conseguem os proveitos financeiros não obtidos com o estatuto de culto underground da primeira vida. Talvez o caso mais vezes referido seja o dos Pixies, regressados aos palcos há uma década, possibilitando que milhões de pessoas que ainda gatinhavam quando eles revolucionaram o indie-rock americano presenciassem in loco o porquê da lenda. Ao quarteto de Boston só tenho a apontar a falta de música nova, algo que, segundo os próprios, foi tentado mas rapidamente abandonado alegadamente por falta de química. Recuperada essa tentativa, quase dez anos depois de ser concebida, temos de concordar com a sensatez de tal opção.
Os anos passaram, entretanto Kim Deal abandonou o barco para se dedicar a projectos pessoais e, de repente, os Pixies desatam a gravar e a lançar novos temas, o que nos leva a crer que fosse imposição da baixista o hiato criativo e editorial. Ainda o lugar vago não tinha arrefecido e já o mundo era presenteado com "Bagboy", um tema que, sejamos francos, não superava a anterior tentativa. Pouco tempo volvido, mais precisamente a semana passada, fomos surpreendidos pelos quatro temas que compõem o singelamente intitulado EP 1, que é anunciado como o primeiro de vários registos do género nos próximos meses em regime de auto-edição. Para uma banda com um silêncio tão longo, ainda para mais com o peso da herança dos Pixies, um novo disco é sempre motivo de opiniões diametralmente opostas. Têm ganho força as reacções negativas que, desconfio, vêm de gente que esperava a mesma gritaria disfuncional de outrora. Ora, não sejamos ingénuos, pois a veia melódica agora assumida já era latente em Trompe Le Monde (1991) e evidente no percurso a solo de Black Francis rebaptizado de Frank Black.
Pela parte que me toca, e embora não deslumbrado, sinto-me suficientemente agradado com EP 1. Principalmente com "Indie City", delírio de perversão entre o falado e o cantado mas com alto teor pop que, em certa medida, remete para "Motorway To Roswell", soberbo tema daquele derradeiro álbum que com o tempo tem sido reapreciado em alta, mas tomado pela preguiça. A grande surpresa é introduzida por "Andro Queen", a costumeira história sci-fi, mas recheada de efeitos na voz e com um travo de psicadelia inaudito. Uns furos abaixo desta parelha, embora perfeitamente aceitáveis, os restantes dois temas são "Another Toe In The Ocean" e "What Goes Boom", o primeiro uma canção da escola da pop vitaminada dos Ramones, e o segundo pura adrenalina capaz de fazer inveja a músicos novatos com menos 30 anos. Entretanto, os Pixies já anunciaram a baixista substituta da desertora, curiosamente com o mesmo nome próprio. É ela Kim Shattuck, também vocalista dos punk-poppers The Muffs e ex-guitarrista das saudosas The Pandoras que, no entanto, ainda não participou das gravações de EP 1.
"Indie City" [edição de autor, 2013]
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