SEEFEEL
Quique
[Too Pure, 1993]
No contexto da música popular britânica, e após o manancial post-punk, ainda não ocorreu - e dificilmente voltará a ocorrer, quase aposto - período mais fervilhante que aquele que vai de final de oitentas a inícios de noventas, décadas do século passado. As revoluções da electrónica e da música de dança terão dado o seu contributo, e as tendências baggy e shoegaze serão as faces mais visíveis da época, mas houve algo mais que, longe dos olhares e dos ouvidos das massas e não alinhado em tendências, conferiu àquele período uma extrema riqueza de ideias, abrindo infindáveis possibilidades para um futuro que acabaria por não ser assim tão radioso. Foram tempos de discos charneira, obras que, desde então, têm sido matéria de estudo para as sucessivas gerações de músicos. Da época, é obrigatório citar Spirit Of Eden dos Talk Talk, Loveless dos My Bloody Valentine, e Hex dos Bark Psychosis, separados nas extremidades por meia dúzia de anos mas entremeados por trabalhos de idêntica relevância.
Ao rol acima penso que é justo acrescentar o álbum de estreia dos Seefeel, um quarteto londrino que escassos meses antes tinha editado um par de EPs deslumbrados com as ambiências electrónicas criadas por um jovem Richard D. James, a.k.a. Aphex Twin. Quique é já um produto distinto, absolutamente personalizado e incomparável, uma amálgama espectral e inclassificável para a qual convergem a dream/ambient pop, o dub, a electrónica abstracta, e as técnicas do minimalismo. O resultado está muito para além do espartilho shoegaze, para o qual muitas vezes os Seefeel são erradamente confinados. Com esta difusão de linguagens sonoras, é natural que o ouvinte médio sinta alguma estranheza pela falta de um ponto de orientação, mas os que arriscam o desafio de Quique, quase invariavelmente ficam rendidos a um disco fascinante. Curiosamente, é um trabalho instrumental na essência, se exceptuarmos as esporádicas aparições dos murmúrios quase imperceptíveis da sereia Sarah Peacock. Além disso, esta surge de tal forma imersa na mistura final, que funciona mais como um instrumento. Nas guitarras e nos sequenciadores, Mark Clifford é o estratega do processo, o timoneiro responsável pelo idealizar de diferentes cenários: ora paisagens idílicas, ora atmosferas plúmbeas, sempre com a mesma envolvência quase adictícia. Embora muitas vezes se reduza os Seefeel a uma sombra dos My Bloody Valentine de então, a comparação resulta infeliz, simplesmente porque - à semelhança de muitos contemporâneos - eram uma ilha isolada no contexto em que Quique foi concebido. Talvez, apenas pelas similaridades nos processos, nunca por afinidades estéticas, estivessem mais próximos de uns Flying Saucer Attack, embora estes se "limitassem" a somar possibilidades ao já desbravado universo do space-rock.
Desde que os Seefeel interromperam um longo período de inactividade, há coisa de uma meia dúzia de anos, Quique tem sido alvo de várias reedições. Talvez a mais recomendável seja a versão Redux, lançada pela Warp Records, para a qual o quarteto se mudou após a estreia introduzindo as guitarras numa editora até aí exclusivamente dedicada à electrónica. Nesta dispõem de um segundo disco apenas com remisturas levadas a cabo por almas-gémeas, visões alternativas que realçam muito do apelo sensorial dos originais. Para os rendidos à retromania, talvez seja apetecível a recente reedição em vinil, comemorativa do 20.º aniversário. Esta tem selo da norte-americana Light in the Attic, editora especializada neste tipo de produtos, já com um catálogo capaz de nos fazer perder a cabeça.
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